O domingo amanheceu preguiçoso, com uma leve garoa escorrendo pelas janelas do meu apartamento. Eu estava sentada no sofá, lendo um artigo jurídico, tentando manter minha mente ocupada, quando o celular vibrou sobre a mesinha de centro. O nome de Hugo apareceu na tela, acompanhado daquela foto que ele havia tirado de si mesmo, sorrindo, de um jeito que me irritava e encantava ao mesmo tempo.
Atendi.
— Bom dia, Dra. Vasconcellos — ele disse, com aquela voz aveludada que me fazia esquecer por um segundo quem eu era.
— Bom dia, Hugo. Ligando cedo, está tudo bem?
— Melhor do que nunca — respondeu. — Eu queria te perguntar uma coisa… ou melhor, te informar.
Fechei o livro devagar, já desconfiando da ousadia.
— Estou ouvindo.
— Amanhã é aniversário de casamento dos meus pais. Eles sempre fazem um jantar em casa, algo mais íntimo, só a família mesmo. E eu… quero que você venha comigo.
Fiquei em silêncio por um instante.
— Conhecer seus pais? — repeti, surpresa.
— Isso. Eu passo aí às sete da noite. A gente vai juntos.
— Hugo… — soltei o ar com um certo peso. — Você não acha isso… precipitado?
— Talvez. Mas a vida é assim, não é? Cheia de riscos. — Ele pausou por um segundo e completou, em tom mais sério: — Eu gosto de você, Helena. Não estou jogando. Quero que eles conheçam a mulher que me fez parar de olhar pro mundo como se tudo fosse obrigação.
Fechei os olhos, sentindo um leve aperto no peito. Ninguém nunca falava comigo assim. Sem rodeios. Sem medo de se entregar.
— Eu só… não sei se estou pronta pra isso — confessei, baixando a voz.
— Eu não estou te pedindo um compromisso eterno, nem que você diga que me ama. Só quero dividir um pedaço da minha vida com você. E se, em algum momento, ficar desconfortável, a gente inventa uma desculpa e vai embora.
Soltei uma risada curta, surpresa com a leveza dele.
— Você sempre consegue quebrar minhas defesas desse jeito?
— Ainda não. Mas estou tentando com afinco.
Suspirei, olhando pela janela.
— Tudo bem. Eu vou.
— Ótimo. Amanhã às sete, então. Ah, e Helena…
— Hm?
— Não precisa se preocupar em impressionar ninguém. Mas, se quiser deixar minha mãe boquiaberta, use aquele vestido preto do hotel.
— Hugo!
Ele riu alto, e desligou antes que eu pudesse responder.
Fiquei ali parada, olhando para o telefone por alguns segundos.
Conhecer os pais.
Não era algo pequeno. Não era algo qualquer. Era um passo... perigoso.
Mas talvez fosse a hora de correr alguns riscos.
O relógio marcava sete em ponto quando Hugo estacionou na frente do meu prédio. Vinha me sentindo inquieta desde a manhã, como se um pressentimento sussurrasse que algo não estava certo. Ainda assim, respirei fundo, coloquei um vestido vinho elegante, prendi os cabelos num coque discreto e segui com ele.
Durante o trajeto, Hugo tentou aliviar o clima com piadas e olhares afetuosos. Ele parecia feliz por me levar para conhecer sua família. E, por um instante, eu quis acreditar que aquilo era real. Que alguém como eu podia, finalmente, fazer parte de algo mais leve, mais humano.
Mas a ilusão durou pouco.
A casa dos Xavier era imensa, fria, sofisticada até demais. O tipo de lar onde as emoções parecem encolher diante das obras de arte e do mármore branco. Assim que entramos, fomos recebidos por uma mulher esguia, de postura altiva e olhos cortantes como navalha.
Margareth Xavier.
— Então essa é a tal Helena? — disse, olhando-me de cima a baixo como se eu fosse um inseto pousado em seu tapete persa. — Esperava... mais.
Hugo tentou intervir, mas ela ergueu a mão, interrompendo-o com um simples gesto.
— Pode ir buscar seu pai, Hugo. Quero conversar com a senhorita aqui… a sós.
— Mãe, por favor...
— Agora, Hugo.
Ele hesitou, me lançou um olhar aflito, mas obedeceu.
Fiquei ali, de pé, no centro do salão, sentindo os olhos dela queimando a minha pele.
— Escute bem, Helena Vasconcellos — começou, com um tom venenoso. — Eu não sei de onde você saiu, nem me importa. Uma advogadazinha qualquer que cresceu em abrigo e acha que pode se misturar com gente do nosso nível?
Fiquei calada, controlando cada músculo do meu rosto.
— Você não pertence a este mundo, minha querida. Hugo pode estar se divertindo com você, mas isso é só um capricho. Um passatempo. Ele vai se casar com Cibele Albuquerque, como já estava combinado. A família dela tem história, nome, dinheiro. Coisa que você não tem e nunca vai ter.
— Eu não vim aqui pra disputar lugar com ninguém — respondi, firme, mas sem elevar a voz. — Hugo me convidou.
— Claro que convidou. Homens se deixam levar por... curvas e carinha de coitada. Mas a realidade é que Cibele volta da Europa em um mês, e você será descartada como o lixo que é.
Aquilo doeu. E ela percebeu.
— Acha mesmo que ele vai abrir mão de uma herdeira poderosa por alguém que mal sabe sorrir? Você é uma vergonha. O tipo de mulher que homem nenhum apresenta à sociedade.
Ivan Xavier surgiu logo depois, com o mesmo olhar superior da esposa. Não precisou dizer muito — bastou um “Você já se divertiu o suficiente, Hugo” para deixar claro de que lado ele estava.
Hugo tentou argumentar. Balbuciou palavras fracas, sem firmeza. Eu vi a dúvida nos olhos dele, o desconforto. Mas também vi o medo. O peso da obediência. Ele não ia se opor aos pais. Não por mim.
Eu me levantei, peguei minha bolsa com calma e olhei nos olhos de Margareth.
— A senhora tem razão em uma coisa. Eu realmente não pertenço a esse mundo. E agradeço por me lembrar disso tão claramente.
— Ao menos é inteligente o bastante pra entender seu lugar — ela cuspiu.
— E vocês... — olhei para Hugo, decepcionada. — Vocês são exatamente o que eu prometi evitar.
Hugo se levantou, tentando me acompanhar.
— Helena, espera... Eu levo você pra casa.
— Não. Eu mesma me viro — respondi com firmeza.
Na porta, pedi um táxi. Enquanto esperava, ele ficou ali parado, como um menino assustado, sem saber o que fazer.
— Sabe o que é pior, Hugo? — disse, sem encará-lo. — É que por um segundo… eu achei que você fosse diferente.
Entrei no carro e bati a porta com força.
Enquanto o táxi se afastava daquela mansão cheia de hipocrisia, senti a garganta apertar. Mais uma vez a vida me dava um tapa na cara. Mais uma vez, quando me permiti acreditar… tudo desmoronou.
A verdade é que meu coração ainda era de pedra. Mas dessa vez… ele tinha rachado.
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Atualizado até capítulo 61
Comments
Júlia Caires
e esse Hugo um babaca mimado
2025-04-04
1
Júlia Caires
que família ordinária essa 🤬🤬🤬🤬🤬
2025-04-04
1
☆☆SENHORA ROSA CANTOS ☆☆
Sabia,é um escroto e ainda um filhinho de papai. Não tem voz ativa,faz tudo o que o papai e a mamãe quer. É um froxo
2025-04-02
2