Os dias seguintes à visita na Villa Moretti foram diferentes. Havia algo no ar, uma tensão silenciosa, como se eu tivesse sido admitida em um círculo onde cada palavra dita carregava um segundo sentido… e cada silêncio, uma ameaça.
Comecei a notar coisas que antes passavam despercebidas. Os documentos que Alessandro me pedia para revisar vinham com anexos “sigilosos” que não constavam em sistema algum. As reuniões, que pareciam corriqueiras, tinham participantes que não pertenciam à estrutura da empresa — homens que usavam relógios caros, mas se comunicavam com códigos e olhares.
Certa noite, fiquei sozinha até mais tarde na sede da Moretti International. Precisava terminar uma análise de contrato e aproveitei o silêncio para vasculhar uma pasta que havia sido deixada por engano (ou talvez não) sobre minha mesa. Havia arquivos digitais e impressos. Contratos de fachada, propriedades em nomes de terceiros, transferências milionárias para empresas fantasmas em diferentes países.
Meus dedos congelaram ao folhear as páginas.
Era real. A Moretti International era apenas a vitrine de algo muito maior — e muito mais perigoso.
Foi nesse mesmo dia que Isabella apareceu na porta da minha sala.
— Trabalhando até tarde, Helena? — disse ela com um tom leve, mas os olhos... os olhos não sorriam.
Fechei rapidamente a pasta.
— Apenas finalizando uma revisão contratual.
Ela entrou e se sentou com toda a elegância que lhe era característica.
— Sabe… há quem diga que você está indo bem demais. Isso pode ser… incômodo para alguns.
Ela mexia no anel do dedo como se estivesse entediada, mas eu sabia que era um aviso disfarçado.
— E você está incomodada, Isabella? — perguntei, em tom calmo.
Ela sorriu.
— Ainda não. Mas seria inteligente não ultrapassar limites que ainda não foram dados a você.
Depois que ela saiu, fechei a porta da sala e respirei fundo.
Aquela era a segunda lição que eu aprendia: na família Moretti, tudo é um jogo de poder. E cada passo dado fora da linha é anotado — e cobrado.
Na semana seguinte, Lorenzo me chamou para acompanhá-lo em uma “reunião estratégica” fora da sede da empresa. O local era um galpão afastado, na zona industrial da cidade. Estranhei, mas não recusei.
Quando chegamos, encontrei uma espécie de centro de operações. Homens armados faziam segurança no perímetro. Dentro, havia mapas, computadores e caixas lacradas.
— Bem-vinda à parte do negócio que não entra nos balanços — disse Lorenzo, com aquele tom provocador.
Ali, diante dos meus olhos, estava o verdadeiro império Moretti. Tráfico de armas, rotas de contrabando, suborno de autoridades, extorsão.
— Por que está me mostrando isso? — perguntei, sem esconder minha incredulidade.
Lorenzo me fitou por um longo tempo antes de responder:
— Porque você é útil demais para ser mantida no escuro. E porque quero saber até onde você vai.
Dei um passo à frente. O medo ainda estava lá, mas agora vinha misturado com algo mais forte: estratégia.
— Se eu estiver dentro, estou dentro. Mas vou jogar do meu jeito.
Lorenzo sorriu. Um sorriso perigoso, mas... respeitoso.
— É isso que me faz gostar de você.
Voltei daquela noite com a certeza de que minha vida havia atravessado um ponto sem retorno.
Eu não era mais só advogada. Eu não era só cúmplice.
Agora, eu era peça-chave.
E se quisessem me derrubar... teriam que jogar melhor do que eu.
A partir daquela noite no galpão, tudo mudou.
Eu deixei de ser apenas “a advogada brasileira com potencial” e passei a ser observada como uma peça valiosa no jogo de poder da família Moretti. Começaram a me envolver em reuniões confidenciais, negociações veladas e decisões que não passavam nem perto do departamento jurídico.
Era um convite não declarado para o núcleo estratégico da máfia.
Nos primeiros dias, testaram minha lealdade e minha frieza. Lorenzo me enviou para conduzir uma renegociação de contrato com uma empresa de fachada em Genebra. Aparentemente, era só uma formalidade para manter o fluxo de uma remessa milionária. Mas, no meio do processo, descobri que a outra parte havia alterado cláusulas essenciais. Tentei alertar Lorenzo discretamente.
— E o que você fez? — ele me perguntou quando retornei.
— Eu rasguei o contrato. Eles tentaram trapacear. Achei melhor encerrar o acordo pessoalmente.
Ele me observou em silêncio por alguns segundos antes de dar um leve sorriso.
— Bem-vinda ao tabuleiro.
Era isso. Um teste.
E eu havia passado.
Com o tempo, Lorenzo passou a me incluir em suas estratégias de expansão. Giovanni, inicialmente desconfiado, começou a me respeitar. Ainda mantinha certa distância, mas já não me ignorava nas reuniões.
Isabella… bem, ela nunca facilitou. Mas, de certa forma, admirava minha audácia. Nos cutucávamos em silêncio. Era um duelo silencioso entre duas mulheres inteligentes cercadas de predadores.
Comecei a estudar os negócios escusos com a mesma dedicação que usava para construir defesas jurídicas. Entendi como funcionavam as rotas de lavagem de dinheiro, os contratos disfarçados de investimentos, os acordos com políticos, juízes e empresários.
E, aos poucos, criei soluções mais eficientes, mais discretas — e ainda mais perigosas.
— Você está indo longe demais — alertou Alessandro, certo dia, me encontrando sozinha no corredor da sede. — Isso incomoda pessoas… até dentro da família.
— Então eles vão ter que se acostumar — respondi, mantendo o olhar firme. — Eu não vim aqui para ficar nas margens. Eu vim para ter voz.
Ele riu, mas seus olhos diziam outra coisa: preocupação.
Eu estava mexendo nas estruturas.
Mas não parei.
Uma semana depois, recebi um dossiê diretamente das mãos de Lorenzo. Um político italiano estava ameaçando romper um acordo silencioso com a família. Caberia a mim fazer a abordagem — oficialmente, como uma consultora jurídica da Moretti International.
— Apenas mostre a ele as consequências de quebrar um acordo com a nossa família — disse Lorenzo, enquanto me entregava o envelope. — Use palavras. Ou não. Você decide.
Era um recado claro.
Fui ao encontro com o político com um sorriso nos lábios e frieza nos olhos. Mostrei documentos, provas e uma lista de nomes que desapareceram misteriosamente depois de traírem os Moretti. Não precisei levantar a voz. Quando saí, ele estava suando frio e prometendo fidelidade eterna.
Naquela noite, recebi uma ligação de Lorenzo.
— Estou impressionado. Você sabe jogar com as armas certas.
Sorri.
— Ainda nem usei todas as que tenho.
Desliguei e olhei para o espelho. O reflexo era o mesmo, mas a mulher que me encarava… não.
Eu não estava apenas sobrevivendo.
Eu estava conquistando espaço.
E, pela primeira vez, sentia que ninguém me controlava.
Nem o passado.
Nem a máfia.
E muito menos os Moretti.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 61
Comments
Alessandra Garcia não vi essa cena.
até aki tá interessante gosto qndi a mocinha não é inocente
2025-04-01
4
MAURO POETA
legal quero ver o que vai acontecer no final
2025-04-02
2
Júlia Caires
é Helena vc se tornou outra mulher
2025-04-04
1