Capítulo 19 - O Retorno para Londres (Ruby)

Eu odiava perder tempo. Assim que meu pai acordou naquela manhã, fiz de tudo para agilizar a alta dele. A médica finalmente apareceu por volta das nove horas e, depois de uma análise rápida, liberou meu pai com uma única condição: não forçar a perna.

— Sr. Evans, sem esforço desnecessário, sem carregar peso e sem aventuras por pelo menos um mês. — a médica alertou, com um olhar sério.

Meu pai, um homem teimoso e orgulhoso, apenas resmungou algo incompreensível e acenou com a cabeça, como se tivesse a menor intenção de obedecer.

— Não se preocupe, doutora. Eu vou cuidar para que ele siga as recomendações. — minha madrasta sorriu, mas sua voz era carregada de ironia.

Eu, sinceramente, duvidava que alguém conseguisse impedir meu pai de aprontar. Se eu conhecia bem aquele homem, dentro de uma semana ele já estaria inventando alguma desculpa para subir em um telhado ou consertar alguma coisa na fazenda.

Assim que saímos do hospital, meu pai me lançou um olhar direto.

— Ruby, é melhor você voltar daqui mesmo.

— Mas, pai...

Ele ergueu a mão, me interrompendo.

— Hoje é domingo, amanhã você tem que trabalhar. Vai ser cansativo ir até a fazenda para depois pegar quase três horas de viagem para Londres.

Suspirei, cruzando os braços. Com meu pai, uma coisa era certa: não adiantava debater.

Então, aceitei a realidade e segui com eles até a rodoviária. Tomaz, meu irmão, dirigia a caminhonete, e meu pai estava no banco da frente, dando palpites sobre como Tomaz deveria dirigir.

— Menos pé no freio, menino! Tá dirigindo ou dançando com o carro?

— Pai, se eu soltar mais o pé, vamos parar no hospital de novo! — Tomaz retrucou, revirando os olhos.

Eu apenas ria, acostumada com aquela dinâmica.

Chegando à rodoviária, me despedi da minha madrasta e do meu pai.

— Vejo vocês em breve.

— Ruby, pelo amor de Deus, não vá se meter em confusão em Londres. — meu pai resmungou.

— Eu? Pai, eu sou um anjo!

Tomaz soltou uma gargalhada tão alta que fez algumas pessoas ao redor olharem para nós.

— Um anjo da desgraça, talvez.

Eu lhe dei um soco leve no braço, e ele riu ainda mais.

— Pai, por favor, não dê trabalho para Tomaz e nem para a sua esposa.

Tomaz apenas sorriu.

— Eu já aceitei meu destino. Sou babá do nosso pai agora.

Nós rimos juntos, e eu o abracei forte.

— Se cuida, Tomaz. Me avise quando chegarem em casa.

— O mesmo vale para você.

Peguei minha bolsa de viagem e fui até o guichê comprar minha passagem. O ônibus partiria em poucos minutos, então não tive que esperar muito.

Assim que me acomodei na poltrona, joguei minha cabeça para trás e suspirei.

Provavelmente, chegaria em Londres por volta do meio-dia.

Se eu não morresse de tédio antes.

O ônibus partiu, e eu me ajeitei no banco, tentando encontrar uma posição confortável. duas horas de viagem pareciam uma eternidade, ainda mais sabendo que meu pai e Tomaz provavelmente estariam discutindo sobre algo inútil enquanto eu estava longe.

Peguei o celular para me distrair e, por reflexo, procurei alguma mensagem de Lorenzo. Nada.

Suspirei, jogando o aparelho no colo. Talvez ele estivesse ocupado cuidando da Dayse, ou talvez estivesse tentando se recuperar de tudo o que aconteceu nos últimos dias. De qualquer forma, eu sabia que não podia esperar que ele lidasse com tudo sozinho.

Uma viagem nada tranquila

A primeira hora da viagem foi pacífica. O ônibus estava silencioso, e eu até tentei dormir. Tentei.

Mas então, o caos começou.

Um casal sentado duas fileiras atrás começou uma discussão acalorada.

— Você sempre faz isso, Harry! Eu disse pra você conferir se pegou os bilhetes!

— Mas eu peguei! Tá aqui no meu bolso!

— Ah, então por que a fiscal quase nos jogou pra fora, hein?

Eu revirei os olhos. Ótimo, show ao vivo de casal brigando.

Coloquei os fones de ouvido e tentei ignorá-los. Mas, claro, o universo não queria me dar um momento de paz.

Uma senhora sentada ao meu lado começou a puxar assunto.

— Minha filha, você mora em Londres?

— Sim, moro.

— E trabalha com o quê?

Sorri, sem paciência para explicar toda a complexidade da minha vida.

— Sou advogada.

— Nossa! Uma mulher independente, gosto disso.

A conversa poderia ter terminado ali, mas não. Ela começou a me contar a história da vida dela, dos filhos, dos netos e até do gato que fugiu de casa e nunca mais voltou.

Eu apenas sorria e concordava com tudo, me perguntando se conseguiria fingir que estava dormindo sem parecer rude.

Finalmente, Londres

As horas se arrastaram, mas finalmente o ônibus chegou a Londres. Peguei minhas coisas e desci rapidamente, respirando fundo o ar da cidade.

Antes de chamar um táxi, olhei o celular de novo. Ainda nenhuma mensagem de Lorenzo.

Isso me preocupou. Algo dentro de mim dizia que ele estava afundado na dor, e eu sabia como era perigoso se perder no luto.

Peguei um táxi e passei o endereço do meu apartamento. O motorista, um senhor de idade simpático, tentou puxar conversa, mas eu só queria chegar logo.

Quando finalmente entrei em casa, joguei minha bolsa no sofá e me espreguicei. Mas, antes que eu pudesse sequer pensar em tomar um banho, fiz algo que já estava planejando desde que entrei no ônibus.

Liguei para Lorenzo.

O telefone chamou algumas vezes antes de cair na caixa postal.

Mordi o lábio, preocupada.

Respirei fundo e tentei novamente.

Dessa vez, ele atendeu.

— Ruby... — Sua voz estava rouca, cansada.

— Lorenzo, você está bem?

Houve um silêncio, e então ele suspirou.

— Não sei.

Meu coração apertou.

— Você quer que eu vá até aí?

Dessa vez, ele não hesitou.