Pesadelos

O sonho começou como sempre. O cheiro úmido e pútrido do porão me envolvia antes mesmo de eu conseguir enxergar qualquer coisa. Estava escuro, mas eu sabia o que vinha a seguir. Sempre sabia.

As patas minúsculas arranhavam o chão de pedra. Os guinchos cortavam o silêncio. E então, eu os sentia. Subindo pelas minhas pernas, pelos meus braços. Mordidas afiadas rasgando minha pele. Tentei gritar, mas nenhum som saiu. Me debati, tentando fugir daquilo, mas minhas pernas pareciam presas.

— Não! Saiam! Saiam de mim!

O terror me consumia, me fazendo sufocar dentro do próprio pesadelo. E no meio de todo o horror, um nome escapou dos meus lábios antes que eu pudesse evitar.

— Luigi...

Acordei com um sobressalto, sentindo o corpo trêmulo e a respiração acelerada. Meu peito subia e descia em pânico, enquanto meus olhos vasculhavam o quarto escuro, procurando sinais de que ainda estava ali, que não tinha voltado para aquele porão maldito.

E então o vi.

Luigi estava inclinado sobre mim, as sobrancelhas franzidas, os olhos carregados de preocupação. Sua presença dominava o quarto, a segurança que emanava dele quente e sólida, como uma âncora me puxando de volta para a realidade.

— Fernanda, você está bem?

Ainda estava em transe, perdida entre o pesadelo e a sensação de segurança ao vê-lo. Eu tinha chamado por ele. Lembrava disso agora. Mas como?

— Eu… — minha voz saiu fraca, engolida pela vergonha. — Eu não chamei você.

O canto da boca dele se ergueu de leve, um quase sorriso cínico.

— Chamou sim e bem desesperada, mas não se preocupe bambina, seu salvador está aqui.

Virei o rosto, tentando esconder o constrangimento. Ele ia se afastar, mas sentou, tentei dormir, eu sabia que ele ia levantar, e naquele momento, senti um medo diferente. Medo de ficar sozinha.

— Fica.

— O que foi, bambina? — ele questionou.

A palavra saiu tão baixa que quase temi que ele não tivesse ouvido. Mas ele ouviu. Parou no meio do movimento de se levantar e me olhou, avaliando.

Respirei fundo, sabendo que teria que engolir meu orgulho.

— Não quero ficar sozinha. Só… me abraça um pouco. — pedi, minha voz quase trêmula.

Algo brilhou nos olhos dele. Algo intenso, indecifrável. Mas ele não hesitou. Apenas deslizou de volta para a cama, puxando-me para perto de um jeito firme e, ao mesmo tempo cuidadoso, evitando pressionar os lugares onde eu ainda estava machucada.

E então aconteceu.

O encaixe foi perfeito.

O calor do corpo dele irradiava contra o meu, forte, sólido, quente. Um suspiro involuntário escapou dos meus lábios quando senti os músculos rígidos contra minha pele. Era reconfortante, viciante até.

Mas então senti outra coisa.

Uma pressão firme contra minhas costas. Meu corpo enrijeceu no mesmo instante.

Não pode ser.

Minha mente criou um cenário caótico, e antes que pudesse me impedir, a imagem surgiu. Era grande. Assustadoramente grande. Meu rosto pegou fogo, e um riso nervoso escapou de mim antes que pudesse evitar.

— O que foi? — Luigi perguntou, a voz baixa e rouca contra meu ouvido.

Mordi o lábio, tentando controlar o riso bobo. Não tinha como dizer. Deus, eu não podia dizer.

— Nada — murmurei, enterrando o rosto no travesseiro para esconder meu sorriso.

Ele não insistiu. Apenas apertou os braços ao meu redor, sua respiração calma batendo contra meu cabelo.

— Dorme Fernanda. — ele respondeu.

E então a paz veio só por um momento.

O silêncio do quarto era acolhedor, mas minha mente não queria descansar. Mesmo envolta pelo calor dos braços de Luigi, meus pensamentos insistiam em me arrastar para um passado do qual eu tentava fugir, eu sabia que ele estava dormindo, mas o choro silencioso e contido apareceu.

A dor voltava como uma lâmina fria, cortando meu peito. Eu lembrava exatamente como foi aquele dia. O dia em que perdi minha mãe.

Eu tinha apenas seis anos, mas a lembrança era nítida. O cheiro do perfume dela ainda pairava na minha mente, doce e reconfortante. Lembro de segurar sua mão, pequena dentro da dela, enquanto ela me dizia que sempre estaria comigo. Mas era mentira.

Ela morreu naquela mesma noite. E meu mundo escureceu para sempre.

O luto me consumiu de um jeito que meu pai nunca aceitou. Eu chorava por ela, chamava seu nome nas madrugadas solitárias, agarrava qualquer peça de roupa que ainda tinha seu cheiro, implorando para que ela voltasse. Mas ele não suportava isso.

Foi assim que começaram os castigos.

Cada lágrima minha parecia um insulto para ele. Cada pedido para ver minha mãe apenas o enchia de raiva. No começo, ele apenas gritava, dizia para eu parar de ser fraca. Mas quando os gritos não funcionaram, ele encontrou outra solução.

O porão.

O lugar escuro e fedorento onde os ratos reinavam. Meu pai me jogava lá sempre que eu chorava, sempre que ousava lamentar a morte da minha mãe.

— Você quer chorar? Então chore aqui.

E eu chorava. Meu corpo se encolhia contra as paredes úmidas, o frio cortava minha pele, e os ratos… os ratos vinham. Eles subiam em mim, roçavam suas patas asquerosas contra minha pele, e quando eu tremia demais, eles mordiam. Pequenas bocas afiadas, rasgando minha carne.

O terror era insuportável, mas meu pai não se importava.

No início, eu gritava. Implorava para sair. Mas ele nunca me ouvia.

E então eu aprendi.

Aprendi que chorar só me traria mais dor.

Aprendi que ninguém viria me salvar.

Aprendi a me calar.

O presente voltou como um choque quando senti Luigi se mexer ao meu lado, seu braço mais firme ao redor da minha cintura. Seu calor era diferente. Forte. Quente. Seguro.

Por anos, eu me acostumei com a solidão. Me acostumei a sobreviver sozinha. Mas ali, nos braços dele, pela primeira vez, me permiti acreditar que talvez… só talvez… eu não precisasse lutar sozinha para sempre.

O sono que me envolveu de novo veio dessa vez, sem pesadelos. Apenas o calor do corpo dele, o som do coração dele contra minhas costas e a certeza inegável de que, pela primeira vez em muito tempo, eu estava segura.

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Comments

Jucileide Gonçalves

Jucileide Gonçalves

Eu sei o que é ter que se virar sozinha, pois com pessoas ao seu redor e não estava nem aí para você.

2025-04-04

1

Arlete Fernandes

Arlete Fernandes

Nossa o escroto do pai foi cruel demais com ela que era apenas uma criança gente que dó!!

2025-04-08

0

Maria Aparecida Nascimento

Maria Aparecida Nascimento

A mãe da Fernanda estava doente ou o pai dela matou a mãe dela

2025-04-06

0

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