O céu da Sicília já estava salpicado o céu Azul quando Sebastian e eu permanecemos deitados na grama, com o cheiro fresco da terra úmida e da vegetação ao nosso redor. O som distante das ondas do mar chegava até nós, criando uma melodia suave que preenchia o silêncio confortável entre nossas risadas e respirações ofegantes.
Depois de tanto rir e me apoiar para não cair da bicicleta e fracassar algumas vezes de forma gloriosa, finalmente nos rendemos ao cansaço. O ar era fresco o suficiente para me fazer puxar os joelhos contra o peito, observando o horizonte enquanto Sebastian, com o braço dobrado atrás da cabeça, olhava para o nada com um olhar distante.
Foi quando ele começou a falar, sua voz suave, quase como se estivesse falando mais para ele mesmo do que para mim.
— Eu também tive que me acostumar a morar em outra cidade — ele disse, quebrando o silêncio, a voz carregada de uma nostalgia que chamou minha atenção.
Virei o rosto para ele, curiosa, enquanto ele continuava:
— Antes, eu morava em Florença. Eu, Damian, nosso pai e nossa mãe. — Ele soltou um suspiro longo, como se estivesse liberando um peso que carregava no peito há muito tempo. — A gente era... muito feliz.
Firenze. A cidade das artes, das luzes, das pontes sobre o Arno. Imaginei os dois garotos correndo pelas ruas de paralelepípedo, rindo e vivendo uma infância despreocupada. Mas a melancolia na voz de Sebastian logo deixou claro que essa felicidade havia sido quebrada de forma abrupta.
— O que aconteceu? — perguntei em voz baixa, sem querer pressioná-lo, mas incapaz de conter a curiosidade.
Sebastian olhou para o céu por um momento, os olhos refletindo o brilho do sol. Depois, virou-se ligeiramente para mim.
— Algo muito grave. — Sua expressão mudou, endurecendo um pouco. — O tipo de coisa que muda tudo.
Ele não deu mais detalhes, e o silêncio dele pesou entre nós. Eu não queria insistir, mas meu pensamento inevitavelmente voou para Damian. Tantas perguntas sem respostas. O olhar vazio, a frieza, a maneira como ele parecia carregar o mundo nos ombros, como se fosse feito de sombras.
— Sua mãe ainda mora em Florença? — perguntei suavemente, tentando puxar o fio da conversa novamente.
Sebastian assentiu.
— Sim. Ela é professora universitária de literatura. Sempre que posso, vou visitá-la. Ela sente muita falta de nós dois... mas o Damian nunca vai.
A dor oculta naquelas palavras me atingiu de um jeito estranho. Imaginei uma mulher sentada em uma sala silenciosa, rodeada de livros, esperando por um filho que nunca vinha. Algo havia acontecido ali. Algo profundo. E por mais que Sebastian tentasse esconder, o vazio entre aquelas frases dizia muito mais do que ele estava disposto a revelar.
— Por quê? — minha voz saiu quase em um sussurro. — Por que ele nunca vai?
Sebastian suspirou, passando a mão pelos cabelos, claramente desconfortável.
— É complicado. Eles não se falam. A relação deles é... cortada.
O silêncio se instalou novamente, mas minha mente estava em chamas. O que poderia ter acontecido para destruir uma família daquela forma? A conexão entre Damian e a mãe parecia irreparável.
Eu queria saber mais. Queria entender o que havia quebrado Damian por dentro. Mas Sebastian parecia determinado a manter esse segredo trancado.
— Você sabe o que aconteceu, não sabe? — perguntei, olhando diretamente para ele.
Sebastian desviou o olhar, focando em um ponto qualquer no céu.
— Sei. — A confirmação veio com um peso, um fardo que ele claramente carregava com dificuldade. — Mas não posso te contar.
— Por quê? — insisti, sentindo uma mistura de frustração e curiosidade.
Ele se virou para mim, o olhar sério agora.
— Porque não é a minha história para contar.
Aquela resposta me silenciou. Parte de mim queria pressioná-lo, arrancar cada detalhe. Mas a outra parte... entendeu. Alguns segredos pertencem apenas àqueles que os vivem. E Damian, por mais distante e enigmático que fosse, era dono das próprias dores.
Suspirei, sentindo uma pontada no peito, uma curiosidade dolorosa misturada com algo mais. Algo que eu não queria admitir.
— Ele não é fácil de entender — murmurei, quase para mim mesma.
Sebastian soltou uma risada baixa, sem humor.
— Nem eu entendo o Damian às vezes. Ele sempre foi... problemático. — Ele parou por um momento, como se escolhendo bem as palavras. — Mas ele é meu irmão. E, por mais que ele esconda, eu sei que ele sente tudo de forma muito intensa. Só que, em vez de lidar com isso, ele constrói muros.
Olhei para a grama, tentando imaginar Damian sem aqueles muros. Um Damian vulnerável. Era difícil.
— E você? — perguntei, virando o rosto para ele. — Você constrói muros também?
Sebastian sorriu de lado, mas havia tristeza naquele sorriso.
— Talvez. Mas os meus são mais baixos. Dá para pular se tentar o suficiente.
Ri suavemente, apreciando o modo como ele sempre tentava aliviar o peso da conversa. Era o oposto de Damian em muitos aspectos, mas havia algo neles que se conectava, como se carregassem diferentes partes da mesma história.
— Sabe... — comecei, brincando com uma folha de grama entre os dedos — às vezes eu sinto que estou cercada por pessoas quebradas. Damian, você... e até eu.
Sebastian se virou de lado, apoiando a cabeça na mão para me olhar.
— Todo mundo é um pouco quebrado, Lilian. O que importa é o que a gente faz com as peças.
As palavras dele ficaram ecoando em minha mente, enquanto o vento da noite soprava suavemente, trazendo o cheiro salgado do mar.
Ficamos ali por mais um tempo, falando de coisas aleatórias, rindo, deixando o silêncio nos envolver quando necessário. Mas, por dentro, eu sabia que algo tinha mudado. Eu estava começando a ver além da fachada de Sebastian. E, mais do que isso, estava mais determinada do que nunca a entender o que havia por trás dos muros de Damian.
Quando finalmente nos levantamos para ir embora, olhei para Sebastian e disse:
— Um dia, ele vai me contar.
Ele sorriu, um sorriso enigmático.
— Talvez. Ou talvez você descubra sozinha com o tempo.
E, com isso, voltamos para o carro, levando conosco os segredos não ditos e o peso de histórias ainda por desvendar.
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Atualizado até capítulo 75
Comments
Onilda Furlan
esses segredos precisam ser desvendados
2025-03-17
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