Fragmentos de Nós
O cheiro salgado do mar era diferente de tudo o que eu conhecia. Em Boston, o ar era frio, cortante, cheio de pressa, como se até o vento estivesse sempre atrasado. Aqui, na Sicília, ele parecia mais pesado, carregado de histórias sussurradas pelas ondas que quebravam em alguma praia distante. O sol era cruel, queimava minha pele pálida mesmo sob a sombra do aeroporto.
A mala velha rangeu quando a arrastei pelo chão irregular, as rodinhas travando nos paralelepípedos desgastados. Eu estava suada, cansada, e com a sensação sufocante de que tinha cometido o maior erro da minha vida ao vir para cá. Mas não havia escolha. Não depois do que aconteceu.
— Lilian! — A voz feminina me tirou dos pensamentos.
Virei-me e vi tia Sofia acenando, com um sorriso caloroso que parecia forçado demais para ser natural. Ela era bonita, com cabelos castanho escuros que caíam em ondas perfeitas até os ombros e olhos verdes que lembravam folhas molhadas após a chuva. Vestia um vestido leve de linho branco e sandálias simples, mas parecia saída de uma revista de moda europeia.
Tentei sorrir de volta, mas acho que só consegui uma careta estranha.
Ela me puxou para um abraço apertado, e o perfume floral doce me envolveu. Era sufocante. Eu não estava pronta para tanta proximidade, não depois de tudo.
— Você está tão crescida. — Ela afastou-se, segurando meus ombros e me examinando como se eu fosse um quebra-cabeça de peças faltando. Talvez fosse. — Está cansada da viagem?
— Um pouco — respondi, a voz mais rouca do que eu gostaria.
Ela pegou uma das malas, ignorando minha tentativa de protestar. Seguimos para um carro preto simples, estacionado em uma área cheia de veículos pequenos demais para o meu gosto americano.
O caminho até a casa dela foi um borrão de paisagens deslumbrantes que eu mal consegui registrar. O mar parecia nos seguir pela estrada, brilhando sob o sol como uma lâmina azul infinita. As casas eram pequenas, coloridas, com varandas cheias de flores. Tudo era bonito demais, como se a cidade estivesse zombando da dor que eu carregava.
E então, chegamos.
A casa de tia Sofia não era uma casa comum. Era uma mansão imponente, construída em pedras claras, com janelas gigantes e uma vista para o mar que tomava a respiração. As paredes de pedra eram cercadas por um jardim luxuoso, com palmeiras e flores exóticas espalhadas por todo o terreno. O portão de ferro forjado parecia saído de um filme medieval, e quando ela o abriu, eu senti o peso de estar entrando em um mundo totalmente diferente.
— Bem-vinda ao seu novo lar — disse ela, com um sorriso que parecia forçado demais, talvez por saber que não era exatamente o que eu queria.
Eu mal consegui responder, ainda atordoada pela grandiosidade do lugar.
Entramos, e o cheiro de limão e algo levemente amadeirado preencheu o ar. O interior era luxuoso, com móveis de madeira escura, tapetes antigos e janelas enormes que deixavam a luz do sol invadir cada canto. As paredes estavam decoradas com quadros caros, e tudo parecia feito para impressionar. Era como se eu tivesse entrado em um palácio.
E então, eu o vi.
Damian Santorini.
Ele estava encostado no batente da porta da sala, com os braços cruzados, uma expressão entediada no rosto. O cabelo preto, ligeiramente bagunçado, caía sobre a testa, e seus olhos um tom de cinza escuro que parecia metal frio me analisavam com uma intensidade desconfortável. Ele era alto, magro, mas com uma definição nos braços que sugeria força. Tatuagens serpenteavam pela pele bronzeada, desaparecendo sob a camisa preta simples.
— Ah, Damian, este é a Lilian — disse tia Sofia, animada demais para o clima tenso. — Lilian, este é Damian, meu enteado.
Ele não se moveu. Só arqueou uma sobrancelha, o canto da boca puxando em um quase sorriso, mas sem calor algum.
— Oi — murmurei, sem saber onde enfiar o rosto.
— Hm. — Foi tudo o que ele disse antes de se virar e desaparecer escada acima.
Um silêncio constrangedor pairou por alguns segundos.
— Não ligue para ele — Sofia suspirou. — Damian é… complicado.
Complicado. Uma palavra bonita para alguém grosseiro.
Depois de me mostrar o quarto espaçoso, com uma varanda que dava para o mar, decidi explorar um pouco, tentando encontrar algum canto da casa onde eu pudesse respirar. Foi na cozinha que encontrei o segundo enteado de Sofia.
Sebastian.
Ele estava pegando um copo d’água, e quando me viu, sorriu. Não um sorriso forçado, mas um verdadeiro, que fez seus olhos um tom claro de mel brilharem. O cabelo castanho claro caía em ondas desordenadas, e ele vestia uma camiseta branca simples e jeans rasgados.
— Você deve ser a Lilian — disse, a voz suave, mas com uma segurança reconfortante. — Sou o Sebastian.
— Oi — respondi, surpresa com o quão fácil foi.
Ele se aproximou, oferecendo o copo que havia acabado de encher.
— Deve estar com sede depois da viagem.
Peguei o copo, agradecendo com um aceno tímido.
— Como está achando a Sicília até agora? — perguntou, encostando-se casualmente no balcão.
— Quente — respondi, arrancando uma risada dele.
— Você vai se acostumar. E se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, é só me chamar.
Havia algo na maneira como ele falava que me fazia sentir menos… quebrada. Talvez fosse o tom calmo, ou o fato de ele não tentar forçar uma conexão, apenas deixando as palavras fluírem.
Nos dias seguintes, essa diferença entre eles ficou ainda mais evidente. Sebastian era o tipo de pessoa que fazia questão de se aproximar, de ser gentil. Damian, por outro lado, parecia fazer questão de me ignorar — exceto quando decidia lançar olhares que me faziam questionar o que ele pensava.
E, por algum motivo idiota, eu me importava.
Mesmo quando não queria.
Mesmo quando sabia que não deveria.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 39
Comments
Calbelli Cal
Uau, tão comunicativo hein
2025-02-05
1