A manhã parecia tão comum quanto qualquer outra, mas eu não conseguia parar de pensar no quanto tudo estava mudando. Hoje era mais um dia de aula, e eu ainda me sentia como uma estranha na cidade e na escola. A sensação de estar fora de lugar nunca me abandonava completamente, especialmente porque a língua era uma barreira constante.
A sala de aula estava repleta de estudantes italianos, todos parecendo tão confortáveis em sua língua materna, conversando entre si, trocando risadas. Eu, por outro lado, tentava me concentrar ao máximo nas palavras do professor, mas elas soavam como uma música distante que eu não conseguia entender. Cada frase era um enigma que eu precisava decifrar para conseguir acompanhar o raciocínio.
O professor, um homem de meia-idade com óculos redondos e uma postura autoritária, falava em italiano com fluidez. Eu observava a maneira como ele movia as mãos enquanto explicava, com uma energia que, de alguma forma, tentava tornar o conteúdo mais acessível. O problema era que a maioria das palavras ainda não fazia sentido para mim. Apesar de minha mãe ser italiana, ela nunca me ensinou sua língua com a profundidade que eu precisava. Sempre foi mais sobre o português e os desafios da vida do que sobre heranças culturais.
Minha mente começou a divagar, e foi então que, em meio à confusão de palavras, vi Giulia me olhando. Ela estava sentada duas cadeiras à minha esquerda, seu olhar atento e gentileza notáveis, sempre pronta para ajudar. Ela percebeu minha expressão de dúvida e sorriu. Quando o professor se virou para escrever na lousa, ela se inclinou na minha direção.
— Lilian, você está com dificuldades? — Ela sussurrou, sua voz suave.
Assenti, sentindo a vergonha tomar conta de mim. Eu odiava parecer perdida, especialmente quando todo mundo ao meu redor parecia entender com tanta facilidade.
— Sim, está um pouco complicado... Meu italiano não é exatamente perfeito — confessei baixinho.
Giulia fez um gesto de compreensão.
— Não se preocupe. Eu posso te ajudar — ela sussurrou de volta, pegando sua caneta e começando a anotar algumas palavras no papel. — Se precisar de ajuda para entender o que ele está dizendo, me avise, ok?
Senti um alívio imediato ao ver a sua atitude tão acolhedora. Ela era uma daquelas pessoas que, mesmo sem pedir nada em troca, se ofereciam para ajudar. Isso me fazia sentir menos isolada.
Quando o professor virou novamente para a classe, Giulia me passou as anotações com as traduções das palavras mais difíceis. Eu li rapidamente, tentando absorver o máximo possível. Sua letra era clara e bem-feita, as palavras pareciam mais fáceis de entender quando estavam ali na minha frente, como se tivessem vindo diretamente de uma tradução pessoal, adaptada ao meu nível de compreensão.
A aula seguiu seu curso, e Giulia continuou me ajudando com as explicações, sempre sussurrando para não atrapalhar a dinâmica da aula. Era um alívio poder contar com alguém tão gentil em um momento em que tudo ao meu redor ainda era tão novo e confuso.
Enquanto o professor passava para o próximo tópico, eu tentei me concentrar mais, decidida a não perder mais nada. Giulia parecia se divertir com a situação, dando-me uma sensação de que, talvez, tudo isso fosse mais fácil do que eu imaginava.
— Agora, Lilian, vamos ver se você consegue responder à próxima pergunta — ela me desafiou com um sorriso travesso, enquanto o professor se voltava para a turma.
Eu respirei fundo, olhando para a lousa onde o professor começava a escrever uma pergunta sobre literatura italiana. As palavras estavam ali, mas ainda pareciam um emaranhado de letras que eu mal conseguia conectar.
O professor olhou para mim com uma expressão expectante, esperando que eu levantasse a mão para responder. Eu hesitei, o calor subindo pelas minhas bochechas. Giulia percebeu minha insegurança e rapidamente sussurrou:
— Respira fundo, Lilian. Eu vou te ajudar. Ele está pedindo um resumo da obra “Divina Comédia” de Dante.
"Divina Comédia"? Eu tinha lido sobre isso, mas nunca de forma tão aprofundada quanto exigiam na aula. Meu italiano falho me fazia sentir como se estivesse em desvantagem, e isso só aumentava a pressão que eu sentia.
Com um esforço, levantei a mão, sentindo todos os olhares se voltando para mim. O professor acenou, e eu me levantei lentamente.
— Bene, Lilian, qual é a sua opinião sobre a obra de Dante? — Ele perguntou em italiano, com um sorriso cordial.
Eu olhei para Giulia, que me fez um gesto afirmativo com a cabeça. Respirei fundo e comecei:
— La “Divina Comédia”… é uma… uma história épica… sobre uma jornada através do Inferno, Purgatório e Paraíso. Dante, o protagonista, encontra-se em uma busca espiritual, tentando entender a sua vida e as escolhas que fez.
Eu pausei, buscando mais palavras. Giulia me olhou com incentivo, então continuei:
— Ele encontra muitos personagens, pessoas do passado e até mesmo figuras mitológicas… E no final, ele encontra a luz, a verdade… o amor divino.
O professor parecia satisfeito com minha resposta, assentindo levemente.
— Bene! Muito bom, Lilian. Continue praticando o italiano, você está melhorando.
Eu me sentei, aliviada por ter conseguido responder. Meu coração batia mais rápido, e o suor começava a se formar na minha testa, mas algo dentro de mim se acendeu. Eu podia fazer isso. Eu podia aprender.
Giulia olhou para mim e sorriu amplamente.
— Eu sabia que você conseguiria! — ela disse, apertando o meu ombro de maneira amigável.
A aula seguiu com mais algumas discussões sobre literatura italiana, mas agora, de alguma forma, eu me sentia mais conectada. Não apenas à língua, mas ao lugar e às pessoas ao meu redor. A vergonha e a insegurança pareciam se dissipar, substituídas por uma sensação de pertencimento, ainda que pequena, mas real.
Quando o sinal tocou e a aula terminou, Giulia e eu saímos juntas da sala. Ela parecia animada para conversar mais, mas antes que pudesse falar, vi Sebastian à distância, parado perto da porta da escola, esperando por mim.
— Eu tenho que ir. Sebastian está me esperando. — Eu disse, sem conseguir evitar o sorriso ao vê-lo.
Giulia assentiu, um brilho travesso nos olhos.
— Não se preocupe. A gente se vê amanhã. Não se esqueça de praticar o italiano, ok? Você está indo bem.
Eu sorri e acenei para ela, me afastando em direção a Sebastian. Mas, ao olhar para trás, me dei conta de que, de alguma forma, cada dia aqui estava se tornando mais fácil. Eu não estava mais sozinha — e isso significava mais do que eu poderia expressar em palavras.
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Atualizado até capítulo 75
Comments
Onilda Furlan
italiano é um idioma lindo e acredito que fácil de aprender
2025-03-17
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