Capítulo 03

Anderson:

Júlia é o amor da minha vida, disso eu nunca tive dúvidas. Trabalho todos os dias cercado por mulheres incríveis, mas nenhuma jamais chamou minha atenção. Para mim, sempre foi ela. Sempre será. Assim como prometi no altar, é com Júlia que quero construir minha história, meu presente e meu futuro.

Nos conhecemos em um dos momentos mais marcantes da minha vida: a fundação da minha empresa. A Borges's não é apenas um negócio; é o legado que construímos juntos. Eu e ela colocamos nossa alma ali, cada projeto, cada conquista, cada cliente satisfeito. Eu amo ser engenheiro, e ela ama ser arquiteta. E o fato de trabalharmos lado a lado tornou tudo ainda mais especial. Nossos sócios nos respeitam, nossos clientes confiam em nós, e tudo parecia perfeito.

Mas nossos problemas nunca estiveram no profissional. Sempre conseguimos separar as coisas, deixar as tensões do trabalho fora de casa. Até que perdemos nosso bebê.

Aquela dor quebrou algo em nós, algo que ainda não conseguimos consertar. Tentamos seguir em frente, tentamos engravidar novamente, mas cada tentativa fracassada só abria mais feridas. Nossa intimidade, que antes era leve e cheia de paixão, se tornou um ritual pesado, um calendário de períodos férteis e obrigações. Transávamos porque precisávamos, porque era o momento "certo", e não mais porque desejávamos um ao outro como antes.

O sonho de construir nossa família virou uma obsessão. E, com ela, vieram as brigas. Aquelas pequenas discussões que antes eram resolvidas com um beijo ou um abraço agora se transformavam em silêncios dolorosos e palavras afiadas. Sei que Júlia se culpa. E, de certa forma, eu também.

Mas a verdade é que, por mais que tentemos, algo parece fora do nosso alcance. É como se estivéssemos presos em um ciclo que não conseguimos romper. Ela é tudo para mim, mas tenho medo de que essa dor acabe nos afastando para sempre.

— Coma tudinho, garotona. — Coloquei a ração de Flora na vasilha, acariciando suas orelhas douradas enquanto ela balançava o rabo animadamente antes de mergulhar na comida.

O relógio marcava uma da tarde. As crianças tinham ido dormir, e eu suspeitava que os pais estavam aproveitando o silêncio de outras maneiras, com toda a certeza. Júlia estava na varanda, deitada na rede, balançando suavemente. A brisa leve bagunçava os fios do cabelo dela, que brilhavam sob a luz do sol.

Fui até lá e me aproximei em silêncio. Sem pedir permissão, subi na rede e a puxei delicadamente para o meu colo. Júlia não resistiu, apenas ajustou seu corpo e encostou a cabeça no meu peito, como se aquele fosse o único lugar em que ela se sentia segura.

— Me desculpa, meu amor. — murmurei, minha voz carregada de arrependimento.

Ela fungou, escondendo o rosto contra mim.

— Não... você não tem culpa. Eu sou a culpada. É por minha causa que estamos nessa. — A voz dela estava embargada, quase inaudível.

— Ei, não vamos apontar culpados, está bem? — Passei a mão pelos cabelos dela, sentindo-a relaxar aos poucos. — Vamos superar isso juntos. É o nosso sonho, Júlia. E nada disso é culpa sua.

Ela apenas assentiu, apertando os dedos na minha camisa como se estivesse se segurando para não desabar.

— Eu te amo. — sussurrei, beijando sua têmpora.

Ela levantou os olhos para mim, com lágrimas escorrendo silenciosas pelas bochechas.

— Eu também te amo. Muito. — Sua voz era um fio, mas carregava toda a sinceridade que eu sabia que ainda existia entre nós.

Ficamos ali, embalados pelo movimento suave da rede, em um silêncio que, pela primeira vez em muito tempo, parecia menos pesado. Havia tanto que ainda precisava ser dito, mas naquele momento, tudo o que importava era que, apesar de tudo, ainda estávamos juntos.

...(...)...

Era noite, e decidimos aproveitar o momento para fazer uma fogueira na praia, exatamente como nos velhos tempos. O cheiro doce de marshmallows assando no fogo misturava-se com o som das risadas e das ondas quebrando suavemente ao longe. Entre histórias nostálgicas do passado e brincadeiras que só os adultos entendiam, havia também muita cumplicidade. Até mesmo um toque de pegação discreta, longe dos olhares curiosos das crianças.

Júlia estava sentada um pouco afastada, com Maria no colo, fazendo a pequena rir enquanto brincava com os dedinhos dela. A cena parecia tirada de um quadro, de tão perfeita. Ver Júlia com uma criança no colo despertava algo profundo dentro de mim, um misto de esperança e saudade. Mas também trazia à tona a maior dor que eu carregava: a perda que mudou tudo.

Perder um bebê que nunca tivemos a chance de conhecer é um vazio impossível de descrever. É dilacerante. Fico imaginando, às vezes, como ele seria. Será que teria os olhos da Júlia ou os meus? Será que seria tão sorridente quanto ela ou mais introspectivo como eu? Será que ele ou ela amaria jogos de tabuleiro como eu ou preferiria explorar a vida ao ar livre como ela? São perguntas que me atormentam, pensamentos que não me deixam, mesmo quando tento afastá-los.

A dor não passa. Não importa quanto tempo se vá, a ausência continua presente. É como uma sombra que me acompanha, mesmo nos momentos mais felizes. Enquanto Júlia fazia Maria rir, eu só conseguia imaginar como seria ouvir a risada do nosso próprio filho. E, ao mesmo tempo, me odiava por deixar essa tristeza se infiltrar num momento que deveria ser de pura alegria.

Sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos. Não queria que Júlia percebesse. Ela já carregava culpa demais, mesmo sem motivos para isso. Tudo o que eu queria era poder aliviar o peso que ambos sentíamos, mas não sabia como.

— Vocês ainda estão brigados? — A voz da minha irmã, Mariana, soou suave ao meu lado, enquanto ela se sentava na areia comigo.

— Não... nos desculpamos. — respondi, mantendo os olhos na fogueira, onde as chamas dançavam contra o vento.

— Que bom. — Ela sorriu, mas seu tom ainda carregava preocupação. — Ainda estão brigando por causa do assunto proibido?

Suspirei, passando a mão pelos cabelos.

— Mais ou menos. O assunto proibido está vindo à tona mais do que gostaríamos.

— Ainda estão tentando engravidar?

Fiz que sim com a cabeça, meu olhar pesado refletindo o cansaço emocional que vinha carregando.

— Sim. Mas é complicado, Mari. Já fomos a vários médicos, fizemos todos os exames possíveis, e mesmo assim... nada. Acho que o problema não está só no físico. Acho que é psicológico.

Mariana franziu a testa, claramente preocupada.

— Psicológico?

— Júlia tem medo. — pausei, escolhendo as palavras com cuidado. — Medo de... você sabe.

Ela assentiu, compreendendo sem que eu precisasse dizer mais nada.

— Medo de perder outro bebê?

— Exatamente. — Senti um nó na garganta, mas continuei. — Talvez esse medo seja tão grande que está bloqueando tudo. Eu entendo ela, sabe? Não foi fácil pra nenhum de nós. Mas pra Júlia... acho que foi ainda mais difícil.

Mariana colocou a mão no meu ombro, apertando de leve.

— Vocês dois passaram por algo devastador, Anderson. Mas vocês também têm um ao outro. Isso já é uma força enorme. Talvez o caminho seja mais longo do que imaginavam, mas vocês vão conseguir. Só precisam lembrar que estão juntos nessa, sempre.

Eu assenti, sentindo um pouco do peso aliviar ao ouvir as palavras dela. Mariana sempre soube como trazer clareza para as situações mais difíceis.

Olhei para Júlia, que ainda brincava com Maria, seu sorriso iluminado pelo brilho da fogueira. Ela era tudo pra mim, e eu faria o impossível para ajudá-la a superar esse medo e encontrar esperança novamente.

— Obrigado, Mari. De verdade. — murmurei.

Ela sorriu de volta, dando um tapinha no meu ombro.

— Sempre que precisar. Afinal, é pra isso que as irmãs servem.

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Comments

Sandra Camilo

Sandra Camilo

já amo esse casal, com crise ou sem crise espero não aparecer nenhuma traição dele e aparecer uma cobra grávida dele

2025-01-28

4

Ivanete Rozati

Ivanete Rozati

eles tem que superar td isto mas acho que mais ela do que ele já torço pra eles ficarem bem

2025-01-29

1

Arilene Vicente

Arilene Vicente

Tomara que eles permaneçam assim, unidos e que não apareça nada pra atrapalhar o amor deles😔

2025-01-28

1

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