Fúria.

Entrei na cabana com um ímpeto, batendo a porta atrás de mim com força. Antes de fechá-la, olhei para o céu escuro, sentindo o peso das nuvens prestes a desabar. Vai chover, sabia disso e uma onda de ansiedade me invadiu.

Odeio temporais. A tempestade não era apenas climática, mas uma metáfora perfeita para o turbilhão dentro de mim, confesso que foi a primeira vez que senti meu coração e meu monte doerem tanto por alguém, não sei se foi o instinto protetor ou só desejo mesmo, mas não adianta negar.

Comecei a andar de um lado para o outro, minha mente girando em um misto de raiva e frustração. Tudo estava desmoronando. Soltei um grito, um som bruto que ecoou pela cabana, tentando liberar ao menos parte da pressão que sentia.

De repente, a porta se abriu com um estrondo, e Alessandro entrou, ofegante, seus olhos arregalados de preocupação.

— Belinda? O que aconteceu? — Ele me olhava com uma mistura de alarme e confusão.

As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto antes que eu pudesse me conter.

— Estou com raiva... com tesão... frustrada... queria um doce agora para não matar você — As palavras saíram em uma torrente descontrolada. — E agora vai chover! Eu odeio temporal! — gritei, sentindo o pânico subir dentro de mim.

Ele parou por um momento, me observando, claramente tentando entender meu surto.

— Belinda, calma... Não vai acontecer nada. — Sua voz era firme, mas reconfortante. — Vamos aprender a conviver aqui. Pelo bem de nós dois, logo alguém vai nos encontrar.

Eu respirei fundo, tentando me acalmar. Ele estava certo, eu sabia. Mas ainda assim, o medo não desaparecia tão facilmente.

— Não tenho problema em ficar aqui... Sei que estou em boas mãos. — Olhei diretamente para ele, minha voz mais calma, mas ainda cheia de emoção. — Mas não entendo por que você se afasta de mim, é casado?

Ele desviou o olhar por um instante, sua expressão fechada.

— Não é isso... — Ele hesitou, então continuou, mais firme. — Não sou casado, não tenho e nunca tive outra pessoa, não é nada disso.

Senti um alívio inexplicável e sorri, apesar da situação.

— Então o que é? — perguntei, desafiando-o a ser honesto.

Ele passou a mão pelos cabelos, claramente lutando com suas emoções.

— Um dia, vou te contar tudo. E pode ser que, quando isso acontecer, você não queira mais saber de mim.

Fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. Sabia que havia algo mais, algo profundo que ele não estava pronto para compartilhar. Mas naquele momento, o medo do temporal, o peso da frustração, tudo isso parecia menor comparado ao que ele guardava dentro de si.

Eu apenas assenti, ciente de que, quando esse dia chegasse, estaríamos diante de uma escolha que mudaria tudo.

O resto do dia transcorreu sem maiores incidentes. Alessandro e eu, em um acordo silencioso, decidimos aproveitar as últimas horas antes da chuva para buscar lenha, água e o que mais pudéssemos encontrar de comida. Sabíamos que a tempestade poderia durar um tempo incerto, e a preparação era essencial.

Caminhamos lado a lado pela floresta, o ambiente silencioso, exceto pelo som distante do vento que começava a uivar entre as árvores. Cada um de nós focado em sua tarefa, mas minha mente estava longe. Enquanto recolhia galhos secos e os empilhava nos braços, não pude evitar me perder em pensamentos.

Quanto tempo já se passou? Perguntei a mim mesma, tentando calcular os dias desde o acidente. Parecia uma eternidade. E o mais inquietante: Quanto tempo levaria para que parassem de me procurar? A ideia de que, em algum momento, poderiam acreditar que eu estava de fato morta me deu um frio na espinha.

Olhei para Alessandro, que estava um pouco à frente, focado em encher os cantis de água em uma pequena nascente. Ele parecia tão determinado, tão concentrado na sobrevivência. Uma parte de mim se perguntava se ele também pensava em quanto tempo tínhamos antes que o mundo exterior desistisse de nós.

Sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos sombrios. Não era hora de se entregar ao desespero. Precisávamos continuar, um passo de cada vez. Alessandro se virou, e nossos olhares se cruzaram por um instante. Havia uma compreensão silenciosa ali, uma promessa tácita de que, por mais difícil que fosse, estávamos juntos nisso.

Com os braços carregados de lenha e as garrafas cheias, começamos o caminho de volta para a cabana, o céu agora escurecendo rapidamente, prenunciando a tempestade iminente. Mesmo com o medo do que estava por vir, uma pequena parte de mim encontrou conforto na companhia de Alessandro. Por ora, isso bastava.

A chuva finalmente desabou, pesada e incessante, acompanhada por um trovão que ecoou pelo céu como um rugido distante.

O som fez meu coração disparar, e antes que pudesse me controlar, pulei de susto. Alessandro, que tinha  organizado a lenha próxima à lareira, havia sentado na cama levantou o olhar para mim, uma expressão mista de preocupação e algo que parecia quase divertido.

— Você quer ficar abraçada em mim até isso passar? — ele perguntou, a voz era calma, mas com um tom provocativo que não consegui ignorar.

Fingi uma fúria que já não existia, levantando o queixo em desafio.

— Não, obrigada. Estou bem — respondi, tentando soar firme, mesmo que meu coração estivesse prestes a sair pela boca.

Outro trovão ribombou, mais próximo e mais alto, e antes que pudesse evitar, meus pés me levaram direto para a cama. Num instinto desesperado, me agarrei a Alessandro, enterrando o rosto em seu peito enquanto meu corpo tremia.

Ele não disse nada, apenas envolveu os braços ao meu redor, me segurando firme contra ele. Seu calor era reconfortante, e, por um momento, a tempestade lá fora pareceu distante. Meu orgulho desapareceu por completo, substituído por uma necessidade primária de segurança.

— Está tudo bem — ele murmurou, a voz baixa e tranquilizadora. — Não vou deixar nada acontecer com você.

Respirei fundo, tentando absorver sua calma, mas cada trovão fazia meu corpo reagir, e eu me agarrava a ele como se fosse minha âncora. Mesmo com o medo e a tempestade, havia algo naquele momento que era... certo. Por mais estranho que fosse, estar ali, nos braços de Alessandro, fazia todo o medo parecer suportável.

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Maria Serra Aragao

Maria Serra Aragao

o amor que começa do jeito certo pela confiança

2025-03-05

0

Fatima Gonçalves

Fatima Gonçalves

ELE TEM QUE SE ABRIR CONTAR TUDO

2025-02-17

1

Fatima Vieira

Fatima Vieira

maravilhoso

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