[ Ville franche-sur-Mer, Cannes - França ]
Camila Vasquez | 10:00 AM
Quando estacionei o carro na entrada da casa dos meus pais, senti um misto de alívio e apreensão. Por fora, a casa parecia um refúgio. O jardim perfeitamente cuidado, as cortinas brancas balançando com a brisa leve, e o cheiro do mar que sempre me fazia lembrar da minha infância. Mas, por dentro, sabia que havia mais do que as aparências deixavam transparecer.
Minha mãe, Elena, foi a primeira a me receber. Seu sorriso caloroso e o abraço apertado tinham um toque de familiaridade que eu precisava. Ela sempre foi o coração dessa casa, mas às vezes me perguntava o que se escondia atrás da sua calma aparente.
Elena: Minha menina, que bom que veio! — ela disse, apertando-me como se quisesse que eu ficasse para sempre.
Meu pai, Edward, apareceu logo em seguida. Ele estava como sempre: elegante, ainda que com um ar levemente desleixado, e com um copo de uísque na mão — sim, mesmo às dez da manhã.
Edward: Espero que tenha vindo para relaxar, Camila — disse ele, em um tom que não revelava muito.
Relaxar? Não sabia se isso era possível. Não depois da semana que tive. Não depois de Nicholas Stark.
Camila: Eu precisava de um pouco de paz, pai. E talvez de algumas respostas também — respondi, de forma enigmática, mas ele apenas ergueu uma sobrancelha antes de dar um gole em sua bebida.
Enquanto passava pela sala, as memórias de outros tempos vieram como um relâmpago: aniversários, jantares formais, as risadas que enchiam o ambiente. Tudo parecia tão vivo, mas havia algo naquela casa que sempre me inquietou. Era o silêncio pesado, quase cúmplice. Algo que parecia sugerir que havia histórias não contadas entre essas paredes.
Depois do almoço, sentei-me com minha mãe na varanda. Ela cortava limões para um chá, e eu sabia que aquele era o momento de começar.
Camila: Mãe, preciso perguntar uma coisa... — comecei, hesitante. — Vocês já tiveram problemas financeiros? Algo... complicado?
Ela parou por um instante, mas logo voltou ao movimento rítmico da faca contra a tábua.
Elena: Camila, por que está perguntando isso?
Camila: Só... curiosidade. Estou lidando com algumas coisas no trabalho. Vi como as pessoas podem esconder segredos grandes, coisas perigosas, e... não sei. Algo me fez pensar nisso.
Ela suspirou, mas antes que pudesse responder, meu pai entrou na varanda, com um cigarro na mão.
Edward: Não se meta nesses assuntos, Camila. Nosso passado é nosso. O que importa é que estamos aqui hoje, não? — disse ele, lançando um olhar breve e duro para minha mãe.
Por que ele estava tão defensivo?
Elena limpou as mãos no avental e desviou o olhar de Edward para mim, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. Algo na maneira como ela mexia as mãos parecia nervoso.
Elena: Camila, querida, você sabe que sua curiosidade sempre foi sua maior força... e talvez sua maior fraqueza. Algumas coisas são melhores deixadas no passado.
Minha mãe sempre tinha uma forma delicada de desviar perguntas. Mas eu não podia parar agora, não depois do que Nicholas insinuou, do que eu comecei a perceber.
Camila: Vocês sempre me ensinaram a não evitar perguntas difíceis, a enfrentar as coisas de frente. Então por que parece que estão escondendo algo?
Meu pai deu uma longa tragada no cigarro antes de apagá-lo no cinzeiro ao lado. O gesto era calculado, uma tentativa de ganhar tempo.
Edward: Porque, às vezes, proteger você significa não contar tudo.
Eu o encarei, meu peito apertado.
Camila: Proteger de quê? De quem?
Edward: Do mundo, Camila. Do tipo de gente que não pensa duas vezes antes de destruir vidas.
Havia uma gravidade em suas palavras que não era típica dele. Meu pai sempre foi descontraído, o tipo de homem que minimizava problemas com uma piada. Isso era diferente.
Camila: E vocês estão dizendo que já lidaram com esse tipo de gente?
Minha mãe colocou as mãos sobre as minhas, tentando me acalmar. Seus olhos estavam marejados, algo que raramente vi nela.
Elena: Não é tão simples assim, minha querida.
Camila: Então expliquem. Façam parecer simples, porque eu quero entender.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Edward se levantou, caminhando até a grade da varanda, observando o horizonte como se buscasse respostas no mar.
Edward: Quando você era pequena, passamos por dificuldades financeiras. Coisas que não gostaríamos que você soubesse. Tivemos que fazer escolhas... difíceis.
Camila: Que tipo de escolhas?
Ele hesitou, mas minha mãe foi mais direta.
Elena: Seu pai e eu fizemos negócios com pessoas que não eram exatamente confiáveis. Era isso ou perder tudo.
Senti meu coração disparar. As palavras dela pairaram no ar, criando um peso que eu não conseguia ignorar.
Camila: Negócios? Vocês estão dizendo que se envolveram em algo ilegal?
Minha mãe não respondeu. Meu pai, no entanto, virou-se para me encarar, sua expressão grave.
Edward: Nós fizemos o que foi necessário. E conseguimos sair disso. Mas foi um preço alto, Camila. Pessoas assim não esquecem. É por isso que não queremos você envolvida com ninguém desse mundo.
Ele estava falando de Nicholas? Meu estômago revirou com a ideia de que eles sabiam mais do que estavam admitindo.
Camila: Vocês sabem sobre Nicholas Stark, não sabem?
O olhar que trocaram foi suficiente para confirmar minhas suspeitas.
Elena: Sabemos quem ele é. Sabemos de onde ele veio.
Edward: E sabemos que ele não é alguém em quem você pode confiar.
Minha respiração ficou irregular. Havia algo maior acontecendo aqui, algo que meus pais estavam tentando esconder há anos.
Camila: Vocês estão me dizendo isso agora, por quê? Porque eu me envolvi com ele? Ou porque temem que eu descubra algo sobre vocês?
Minha mãe segurou meu rosto entre as mãos, os olhos cheios de uma tristeza que eu nunca tinha visto antes.
Elena: Porque queremos proteger você, Camila. Sempre quisemos. Mas agora... agora é você quem precisa decidir no que acreditar.
Aquelas palavras ficaram comigo. Algo me dizia que eu estava no meio de algo muito maior do que imaginava. E, de alguma forma, Nicholas Stark era a chave para entender tudo.
[ Le Suquet, Cannes - França ]
Nicolas Stark | 08:00 AM, Sábado.
Meus pais não visitavam minha casa com frequência. Na verdade, eu preferia assim. Cada encontro era um lembrete de quem eu era, ou melhor, de quem eles moldaram. Mas hoje, enquanto os observava sentados no sofá de couro preto da minha sala, sentia que havia algo diferente no ar.
Minha mãe, Catherine Stark, estava impecável como sempre. Vestia um blazer de linho creme e seus brincos de pérolas refletiam a luz da luminária. Ela mexia em seu copo de vinho com a elegância ensaiada de alguém que estava acostumada a manipular situações e pessoas.
Catherine: Você parece cansado, Nicolas — disse ela, seus olhos analisando cada detalhe do meu rosto. — Está trabalhando demais ou se metendo em problemas novamente?
Nicolas: Um pouco dos dois, como sempre — respondi, tomando um gole do meu uísque.
Ao lado dela, meu pai, Damien Stark, mantinha a postura relaxada, mas o brilho calculista nos olhos denunciava que ele estava longe de estar despreocupado. Ele era um homem de poucas palavras, mas suas ações falavam alto. Sempre foi assim.
Nicolas: O que vocês querem? — perguntei diretamente, sem paciência para os jogos.
Catherine riu, mas não de forma genuína.
Catherine: Sempre tão direto, querido. Não podemos simplesmente querer visitar nosso filho?
Nicolas: Vocês nunca fazem nada sem um motivo — rebati. — Então, digam. O que está acontecendo?
Meu pai colocou o copo na mesa com um baque surdo e finalmente falou:
Damien: Ouvi dizer que há alguém no seu escritório causando problemas. Uma mulher. Camila Vasquez.
Meu corpo ficou tenso ao ouvir o nome dela. Claro que eles já sabiam. Não havia nada que escapasse ao radar dos Starks.
Nicolas: Está tudo sob controle — respondi, tentando soar despreocupado.
Minha mãe arqueou uma sobrancelha, interessada.
Catherine: Você tem certeza? Porque o que ouvimos é que ela está muito perto de descobrir coisas que não deveria.
Me levantei, caminhando até a janela para olhar as luzes da cidade. A vista de Cannes sempre me acalmava, mas agora não era o suficiente para abafar a irritação crescendo dentro de mim.
Nicolas: Eu sei o que estou fazendo — falei, firme.
Damien levantou-se também, caminhando até onde eu estava. Seu tom era calmo, mas carregava a autoridade de alguém que sabia o peso das palavras.
Damien: Você acha que sabe, mas está deixando a emoção atrapalhar. Se ela é uma ameaça, você precisa lidar com isso.
Nicolas: Estou lidando — retruquei, virando para encará-lo. — Ela não é uma ameaça. Ela é...
Pausei, percebendo que não sabia como terminar a frase.
Catherine: Ela é interessante, não é? — Catherine completou, sua voz doce e insidiosa.
Olhei para ela, surpreso.
Catherine: Não se preocupe, Nicolas. Nós entendemos. Sedução é uma arma poderosa, desde que você saiba como usá-la. Mas cuidado para não perder o controle. Isso nunca termina bem.
O olhar dela era um lembrete de quem eu era, de quem eles esperavam que eu fosse. Um Stark. Manipulador. Calculista. E, acima de tudo, alguém que sempre vencia.
Damien: Nós só queremos o melhor para você, filho — Damien continuou. — E o melhor para nossa família. Se ela descobrir algo, não será apenas você que estará em perigo. Será todos nós.
A ameaça implícita pairou no ar. Eles estavam certos. Camila não fazia ideia de onde estava se metendo. E eu precisava garantir que continuasse assim.
Mas, por algum motivo, a ideia de machucá-la me incomodava. Talvez fosse porque, ao contrário de tudo e todos ao meu redor, ela não tinha segundas intenções. Camila era autêntica. Determinada. E isso me atraía de um jeito que eu não queria admitir.
Nicolas: Deixe comigo — finalizei, encarando meus pais. — Eu vou cuidar disso.
Catherine se levantou, ajeitando o blazer com um movimento fluido.
Catherine: É bom ouvir isso, Nicolas. Mas lembre-se: não importa o que você sinta, o legado Stark vem antes de qualquer coisa.
Eles saíram pouco depois, deixando a sala cheia do perfume caro de minha mãe e da presença opressiva do meu pai.
Sozinho, sentei-me no sofá e encarei a pasta de documentos que estava sobre a mesa. Lavagem de dinheiro, contratos fraudulentos, tudo ali representava o que significava ser um Stark.
E, agora, Camila estava mais perto disso do que deveria.
O silêncio da sala parecia gritar quando meus pais saíram. Fiquei ali, imóvel, encarando a pasta de documentos que eles haviam mencionado. As palavras de Damien ecoavam na minha mente: "Se ela é uma ameaça, você precisa lidar com isso."
Mas lidar com Camila não era tão simples. Ela não era como os outros. Não era como meus pais, que enxergavam o mundo como um jogo de xadrez, onde cada peça tinha seu valor e cada movimento era calculado. Camila era imprevisível, honesta — quase ao ponto de ser desarmante.
Peguei o telefone e disquei o número de Matteo, meu braço direito e o único em quem confiava plenamente para lidar com situações delicadas. Ele atendeu no segundo toque.
Kaleb: Stark.
Nicolas: Preciso que você descubra tudo o que puder sobre Camila Vasquez. Agora.
Kaleb: Já estava esperando essa ordem. Mas você quer o básico ou a sujeira?
Hesitei. A ideia de expor os segredos de Camila me incomodava mais do que deveria.
Nicolas: O suficiente para saber onde ela está se metendo. E se... ela representa uma ameaça.
Kaleb: Entendido. Dou retorno em algumas horas.
Desliguei e fui para o bar, servindo-me de outro uísque. O líquido queimava minha garganta, mas não o suficiente para dissipar o peso na minha mente. Havia algo em Camila que me fazia questionar tudo o que eu sabia.
Não era apenas atração. Era o jeito como ela me desafiava, como não se curvava às expectativas, mesmo sabendo quem eu era. Ela era diferente. E diferente, no meu mundo, era perigoso.
Enquanto refletia, o telefone vibrou. Uma mensagem de Matteo:
"Ela estava na casa dos pais hoje de manhã. Algo sobre um problema financeiro. Parece que está cavando fundo. Enviando mais detalhes em breve."
Problema financeiro? Claro que ela estava atrás de algo. Mas por que isso parecia tão... pessoal?
Suspirei, passando a mão pelo cabelo. A questão não era apenas descobrir o que Camila sabia, mas o que eu estava disposto a fazer para impedi-la. Porque, se meus pais estavam certos — e eles geralmente estavam —, essa história terminaria com alguém saindo machucado.
E, contra todas as probabilidades, eu esperava que não fosse ela.
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Atualizado até capítulo 40
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