A caminhonete cruzava a estrada de terra batida sob a luz tênue do amanhecer. Poeira alaranjada se ergueu no ar, acompanhando o ronco constante do motor. Na carroceria, Elise observava as ruínas distantes com uma expressão ansiosa, ainda processando o que havia acontecido nas últimas horas. Ao volante, Raven mantinha o olhar fixo na estrada, enquanto Lina, sentada no banco ao lado, cantarolava baixinho uma melodia desconhecida, a mão sempre próxima da arma presa à cintura.
— Chegaremos à base antes do sol ficar alto, anunciou Raven, sem olhar para trás.
— E o que acontece comigo quando chegarmos lá? — perguntou Elise, a voz embargada de preocupação.
Raven respondeu sem hesitar, com seu tom firme habitual:
— Você descansa. E depois conversamos. Mas todos lá precisam entender quem você é e por que está conosco. Sem isso, você não terá a confiança deles.
Lina soltou um pequeno riso, quase debochado.
— Ou seja, uma boa apresentação será essencial. Raven não gosta de surpresas.
Raven lançou um olhar breve, mas afiado, para Lina.
— E você deveria guardar a língua. Ainda estamos em território arriscado.
A base da Resistência apareceu diante delas como um oásis de aço e concreto em meio ao deserto. Torres de vigia feitas com restos de metal se erguiam ao redor das ruínas de uma antiga fábrica, e a atividade lá dentro era frenética. Grupos de pessoas carregavam caixas de munição e ferramentas, enquanto sentinelas armados patrulhavam os portões.
Raven parou o veículo e desceu sem cerimônia.
— Bem-vinda ao que chamamos de lar, ela disse para Elise.
Elise desceu com cuidado, ajustando os óculos que quase caíram durante a travessia. Observava ao redor, fascinada e, ao mesmo tempo, assustada com o movimento constante e os olhares desconfiados lançados em sua direção. Lina pulou da carroceria com a mesma agilidade de um gato e estendeu a mão para Elise.
— Vai precisar de mim para navegar por aqui. Não se preocupe, você se acostuma com o cheiro. Eventualmente.
Raven ignorou a troca entre as duas e fez um gesto para que a seguissem.
— Venham. Precisamos falar sobre muitas coisas.
O trio atravessou os corredores estreitos da fábrica até chegar a uma sala improvisada, onde mapas e anotações cobriam uma mesa central. Uma lâmpada pendurada balançava levemente, lançando sombras nas paredes. Raven pegou uma cadeira e se sentou, gesticulando para que as outras fizessem o mesmo.
— Antes de qualquer coisa, vocês precisam entender com quem estão lidando. Elise, você não está em uma organização de caridade. Somos uma resistência com um objetivo claro: derrubar o Império e libertar o que resta desse mundo. E cada pessoa aqui tem uma história que define por que lutamos. Vou começar com a minha.
Ela se inclinou para frente, o rosto endurecido pelo peso das memórias.
Raven se levantou e caminhou até uma janela quebrada que dava para o campo de treinamento da base.
— Quando eu era criança, minha vida era normal. Tinha uma família. Meu pai era um engenheiro que trabalhava para reconstruir o que o mundo perdeu. Mas ele acreditava que o progresso não deveria custar a liberdade das pessoas. Quando o Império Tecnocrata começou a se formar, ele se recusou a entregar seus projetos. Isso o transformou em um alvo.
Ela parou, observando os jovens treinando com rifles improvisados.
— Eles vieram à noite. Eu tinha doze anos. Meu pai tentou resistir, mas foi morto na minha frente. Minha mãe... Ela tentou me proteger, mas não teve chance. Eu fui capturada e jogada em uma cela com outros sobreviventes. Fiquei lá por meses, até que consegui escapar durante um ataque rebelde. Desde então, fiz uma promessa: nunca deixar o Império destruir outra família.
Ela olhou para Elise, os olhos queimando com intensidade.
— É por isso que luto. Não por vingança, mas porque ninguém mais deveria passar por isso.
Lina, que estava recostada na parede, soltou um suspiro e caminhou até a mesa, pegando uma faca para girar entre os dedos.
— Minha história não é tão nobre quanto a de Raven, mas aqui vai: eu era uma garota comum em uma vila esquecida pelo mundo. Até que o Império decidiu que aquele pedaço de terra tinha valor. Eles envenenaram o poço e queimaram as casas. Minha família morreu em menos de uma semana. Uma freira me encontrou e me escondeu no porão de uma igreja. Foi a única razão para eu estar viva hoje.
Ela parou de girar a faca e cravou a lâmina na mesa.
— Depois disso, aprendi a me virar. Roubei. Matei. Fiz o que era necessário para sobreviver. Quando encontrei a Resistência, percebi que podia usar as mesmas habilidades para algo maior. Espionar o Império é arriscado, mas é minha maneira de fazer justiça por tudo o que perdi.
Elise hesitou, olhando para as duas. Com um suspiro, ela começou:
— Eu era uma cientista. Cresci longe desse caos. Minha vida era simples. Trabalho, pesquisa... Quando o colapso ambiental começou, dediquei minha vida a tentar ajudar. Foi assim que o Império me encontrou. Me recrutaram, e eu pensei que poderia fazer a diferença. Mas tudo o que queriam era poder. Eles usaram meu trabalho como uma arma.
Ela apertou os punhos sobre a mesa.
— Eu tentei fugir quando percebi o que estavam fazendo. E agora, tudo o que quero é garantir que minha pesquisa não seja usada para controlar ainda mais pessoas. É só isso que me importa.
Raven assentiu, satisfeita com as histórias.
— Agora sabemos quem somos e por que estamos aqui. E se quisermos sobreviver, precisaremos confiar umas nas outras.
Antes que alguém pudesse responder, o som de um alarme ecoou pela base. Luzes vermelhas piscavam, e gritos eram ouvidos do lado de fora. Lina foi a primeira a sacar sua arma.
— O que está acontecendo?
Um soldado entrou correndo na sala, o rosto pálido de terror.
— Algo está vindo do deserto! É grande... e rápido!
Raven se levantou, já pegando sua arma e gesticulando para que as outras a seguissem.
— Bem, parece que a apresentação acabou. Hora de trabalhar.
Elise sentiu o coração disparar enquanto seguia as duas para fora. Quando alcançaram os portões, viram a figura monstruosa avançando através da areia, um rugido ecoando pelo ar seco.
Eram os monstros do novo mundo.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Hairunisa Sabila
Não consigo parar de ler.
2024-12-22
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Joelma Oliveira
minha imaginação tá "a mil" 🤗 pelo jeito vou devorar esse livro
2025-01-02
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