Ciclos do Destino
Clara estava sentada em sua mesa, organizando a agenda do Senhor Romeu, antes de sair de férias. Romeu era o dono da empresa onde ela trabalhava e, apesar de ser um homem de meia-idade, com cabelos grisalhos e um sorriso encantador, tratava Clara como se fosse sua própria filha. Ele admirava o comprometimento e a dedicação dela, confiando plenamente em sua competência. Agora que Clara estava prestes a tirar um mês de férias, ele se preocupava sobre como seria delegar suas tarefas à secretária de seu filho, que, apesar de igualmente dedicada, ficaria sobrecarregada com o acúmulo de responsabilidades.
Estava quase no fim do expediente, e Clara combinara de sair com os amigos para comemorar. Era sexta-feira, e suas férias começariam oficialmente na segunda. Essa era sua chance de se despedir em grande estilo.
— Clara, tudo certo para mais tarde? — perguntou Elisa, sua colega de trabalho e secretária do filho de Romeu.
— Com toda certeza, Elisa! Não perco esse after por nada!
As duas riram, compartilhando a empolgação. Clara já pensava no que inventar para sua mãe, Cleonice, que nunca gostava de vê-la sair para baladas. Cleonice era superprotetora e se preocupava com os perigos das madrugadas, mas Clara, aos dezenove anos, estava determinada a aproveitar sua liberdade.
Quando finalmente o relógio marcou o fim do expediente, Clara e Flávia, outra colega, combinaram de se arrumar juntas antes de encontrar o restante do grupo na casa de Elisa. Clara estava especialmente animada: iriam a uma boate de cinco estrelas, um lugar que ela sempre quis conhecer.
Saindo do prédio, Clara caminhava ao lado de Flávia até seu Corsa vinho. O carro, embora modesto e sem grandes luxos, era um presente dos pais dela, comprado com muito esforço quando Clara tirou a carteira de motorista.
— Amiga, o Bruno vai. — Flávia comentou, com um sorriso malicioso.
Clara revirou os olhos. Bruno, o "faz-tudo" da empresa, vivia atrás dela com gestos de carinho exagerados, mas Clara nunca se interessara por ele. A diferença de vinte anos entre eles era algo que ela não conseguia ignorar.
— Isso nem me interessa. — respondeu Clara, secamente.
— Ele é tão apaixonado por você, Clara. Não acha que devia dar uma chance?
— Eu não me interesso por homens mais velhos, Flávia. Principalmente por alguém com idade para ser meu pai.
— Eu daria uma chance. Ele é bonito e muito gente boa. — Flávia respondeu, dando de ombros.
— Então, amiga, fica pra você! — Clara respondeu com uma risada sarcástica.
Flávia riu, mas percebeu que Clara estava desconfortável e mudou de assunto. Elas chegaram ao carro, e Clara destravou as portas manualmente. Embora o carro não fosse dos mais modernos, Clara tinha muito carinho por ele.
No caminho para casa, as duas conversaram sobre a expectativa para a noite. Quando estacionaram na frente da casa de Clara, Flávia percebeu o movimento familiar na sala de estar. A família de Clara estava reunida, como de costume, rindo de algo que passava na TV. Assim que Clara entrou, largou as chaves em uma mesinha próxima à porta e foi cumprimentar os pais, Cleonice e Roberto, além da irmã mais nova, Cíntia.
Flávia observava a cena com uma pontada de inveja. Apesar de gostar de Clara, não conseguia evitar o ressentimento ao ver a amiga com uma família tão unida, algo que ela mesma nunca teve. Flávia, criada apenas pela mãe, sentia que a vida havia sido injusta com ela.
— Como foi o último dia de trabalho, querida? — perguntou Cleonice, com um sorriso amoroso.
— Foi ótimo, mãe. Deixei tudo pronto para não sobrecarregar Elisa, mas foi bem corrido.
Cleonice olhou para Flávia, já desconfiada de que a filha estava planejando sair à noite.
— Boa tarde, Flávia. — cumprimentou, polida.
— Boa tarde, dona Cleo. — respondeu Flávia, cumprimentando o restante da família em seguida.
Roberto, mais descontraído do que Cleonice, convidou Flávia a se sentar.
— Vai sair hoje à noite, Clara Cunha? — Cleonice perguntou, cruzando os braços.
Clara engoliu seco. Sabia que viria um sermão. Sua mãe nunca aprovava suas saídas, mas ela estava determinada a aproveitar.
— Mãe, é só uma comemoração com os amigos do trabalho. Minha última noite com eles antes das férias.
— Você sabe que eu não gosto que você fique na rua de madrugada. — retrucou Cleonice. — Por que não vão a um restaurante, algo mais tranquilo?
— Mãe, a gente quer ir à Boate Kiss. É a primeira vez que vou! Lá deve ser incrível!
— Sabe o que é mais incrível, Clara Cunha? Sua segurança! — Cleonice disse, com um tom preocupado.
— Pega leve, Cleo. — Roberto interveio. — Ela merece comemorar.
— E você sabe os perigos que ela enfrenta nessas madrugadas?
Clara suspirou. Tentou convencer a mãe, mas sabia que nada mudaria a opinião dela. Então, pegou Flávia pela mão e subiu para o quarto. Lá, as duas começaram a se arrumar para a tão esperada noite.
Enquanto se maquiava, Clara pensava brevemente em ceder e ficar em casa para agradar a mãe, mas a empolgação tomou conta. Quando o relógio marcou a hora certa, Clara pegou a chave do carro e, junto com Flávia, saiu pela porta.
Clara e Flávia chegaram à casa de Elisa pouco depois das 21h. O local era simples, mas acolhedor, com móveis rústicos e uma decoração que refletia a personalidade vibrante de Elisa. Ao entrar, Clara se sentiu à vontade: a música já tocava em um volume moderado, e os amigos estavam reunidos na sala, entre risadas e copos de bebida.
Além de Elisa, estavam presentes Renan, um rapaz expansivo e sempre pronto para uma conversa divertida; Ana, discreta e observadora; Rafael, conhecido por sua energia contagiante; Júlia, que adorava ser o centro das atenções; e Caio, o mais tímido do grupo.
— Até que enfim vocês chegaram! — exclamou Elisa, descendo as escadas enquanto ajustava os brincos. — Achei que tinham desistido!
— Nunca! — respondeu Clara com um sorriso.
Os copos já estavam sendo enchidos com uma mistura improvisada de bebidas. Elisa era conhecida por suas habilidades duvidosas de "bartender", mas ninguém reclamava, porque o clima de descontração era mais importante do que o sabor das bebidas.
— Vamos brindar! — Renan levantou seu copo. — Às férias da Clara e à nossa noite inesquecível!
— À noite inesquecível! — os demais responderam em coro, erguendo seus copos.
A conversa fluía entre piadas e histórias da semana até que Rafael, o mais antenado do grupo, puxou o celular e interrompeu o papo para compartilhar uma notícia.
— Gente, olha isso! — ele disse, virando o telefone para que todos vissem a tela.
Na página de uma revista digital, uma foto chamava atenção: Leonardo Arezzo, o CEO recém-retornado de uma longa viagem ao exterior, posava ao lado de empresários renomados. O título da matéria destacava seu retorno ao Brasil e especulava sobre quais eventos ele poderia frequentar nas próximas semanas.
— Meu Deus, que homem! — Renan exclamou, fingindo abanar-se como se estivesse prestes a desmaiar. — Olha só essa elegância!
— E daí? — Clara perguntou, esboçando um leve sorriso enquanto olhava para a foto.
— "E daí"? Clara, você não tem olhos? — Renan retrucou dramaticamente. — Ele é a definição de perfeição.
— Verdade, ele é um pedaço de mau caminho. — concordou Júlia, com os olhos fixos no celular.
Elisa, que voltara a descer as escadas depois de uma breve sumida, se juntou à conversa:
— O que tá rolando aqui?
— Estamos admirando o homem mais lindo do país! — respondeu Renan, entregando o celular a Elisa.
Ela olhou a foto e ergueu uma sobrancelha, como se analisasse Leonardo com mais atenção.
— É... não é de se jogar fora. — concluiu, sorrindo. — Mas por que estão falando dele?
— Dizem que ele tá de volta e vai começar a aparecer em eventos. Quem sabe ele não vai hoje pra Boate Kiss? — Renan disse, com um brilho de expectativa nos olhos.
— Sonha, Renan! — Ana provocou.
Enquanto o grupo discutia se havia chance de encontrar Leonardo na boate, Clara olhou novamente para a foto. Ele realmente era bonito, com uma presença marcante e um charme que saltava da imagem. Ainda assim, Clara desviou os olhos rapidamente, como se não quisesse se perder na admiração que os outros demonstravam.
— Vamos logo! — Elisa anunciou, agora completamente pronta e impecavelmente maquiada.
— Agora sim, Elisa! Tá incrível! — Clara elogiou.
— Obrigada, amiga. Só espero que hoje valha a pena.
Eles saíram animados, entrando em dois carros e seguindo para a boate mais famosa da cidade. O brilho das luzes da cidade refletia a expectativa no rosto de cada um. O som da música já era audível antes mesmo de entrarem, e a noite prometia emoções inesquecíveis.
A fila para entrar na Boate Kiss estava longa e barulhenta. Luzes coloridas piscavam ritmicamente, iluminando a fachada luxuosa, e a música alta já fazia o chão vibrar. O grupo de amigos chegou rindo e animado, mas o clima mudou rapidamente ao se aproximarem da entrada.
Uma funcionária alta e com olhar severo, usando um uniforme preto e dourado, estava na porta controlando a entrada. Ela os olhou de cima a baixo com desdém.
— Vocês têm convites? — perguntou ela, a voz carregada de sarcasmo.
Renan foi o primeiro a responder, segurando os convites na mão com um sorriso confiante.
— Claro que temos. Por que acha que estamos aqui?
A mulher deu uma risada curta, seca.
— Vocês sabem que aqui não é qualquer lugar, certo? Não é para todo mundo.
O grupo ficou em silêncio por um momento, claramente desconfortável. Elisa trocou um olhar com Clara, que segurou a bolsa com mais força, como se estivesse pronta para sair dali. Mas Renan, com toda sua ousadia, deu um passo à frente, levantando o queixo.
— Desculpa, querida, mas quem decide quem entra ou não são esses convites que estão na minha mão, não seu mau gosto. — Ele estendeu os convites na direção dela. — E se precisar, posso te ajudar a arrumar esse cabelo que está meio descompensado.
O grupo ficou surpreso com a resposta de Renan, mas rapidamente seguraram o riso. A funcionária revirou os olhos, mas pegou os convites e analisou, percebendo que eram legítimos.
— Podem entrar. — disse ela, afastando-se com uma expressão de derrota.
Renan virou-se para o grupo com um sorriso vitorioso.
— Vamos, queridos. Eles não estão prontos para a gente.
Todos riram e passaram pela entrada, entrando finalmente no coração da boate. O interior era ainda mais impressionante do que Clara imaginava. Luzes piscavam no teto alto, enquanto o DJ tocava uma música eletrônica contagiante. O bar estava lotado, e as pessoas dançavam em uma pista ampla cercada por sofás de couro e mesas iluminadas por neon.
O grupo se reuniu ao redor de uma das mesas reservadas para eles. Elisa foi ao bar pedir bebidas, enquanto os outros se acomodaram. Logo chegaram copos e garrafas, e o clima ficou descontraído.
Depois de um tempo, no entanto, cada um começou a se dispersar. Gabriela e Mateus foram dançar juntos, Flávia já conversava com um rapaz perto do bar, e até Renan desapareceu, provavelmente em busca de alguém interessante.
Clara ficou sozinha na mesa, bebendo em silêncio. A cada gole, sentia-se mais leve, como se as preocupações do dia a dia fossem evaporando. Elisa, que retornou ao grupo, viu a cena e franziu o cenho.
— Clara, pega leve! — disse ela, pegando o copo da mão da amiga. — Você está bebendo muito rápido.
— Estou só me divertindo, Elisa. — Clara respondeu, rindo, mas já com um tom levemente arrastado.
— Divertir, sim. Ficar bêbada e irresponsável, não. Você está proibida de dirigir na volta.
Clara revirou os olhos, mas sabia que Elisa estava certa. Decidida a melhorar seu estado, levantou-se com um sorriso desafiador.
— Tá bom, mãezinha. Vou dançar para ver se melhora.
Sem esperar resposta, ela caminhou até a pista de dança, onde a música alta fazia o chão vibrar. Começou a se mover no ritmo, tentando se soltar. Aos poucos, sentiu o álcool a deixando mais descontraída, e seus movimentos ficaram mais fluídos.
No entanto, algo chamou sua atenção. Ela sentiu um olhar intenso sobre si. Parou de dançar por um segundo e olhou ao redor, tentando identificar de onde vinha aquela sensação. Foi então que o viu.
No andar superior da boate, uma área exclusiva cercada por vidro escuro, estava um homem encostado no parapeito, observando-a. Ele vestia uma camisa branca aberta no peito, revelando uma pele bronzeada e um físico definido. Seus cabelos estavam ligeiramente bagunçados, com fios caindo na testa, e ele segurava um copo com uma bebida dourada na mão.
O que mais chamou a atenção de Clara foi o olhar dele. Era marcante, penetrante, quase sedutor. Ele parecia estudá-la, como se pudesse enxergar além de seus movimentos na pista. Clara franziu o cenho por um momento. Algo naquele homem parecia vagamente familiar, mas ela não conseguia lembrar de onde o conhecia.
"Devo estar imaginando coisas", pensou, balançando a cabeça e desviando o olhar. Tentou ignorá-lo e voltou a dançar, mas o peso daquele olhar ainda estava com ela, como se o homem não tivesse desviado nem por um segundo.
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Atualizado até capítulo 65
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