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Ciclos do Destino

Boate

Clara estava sentada em sua mesa, organizando a agenda do Senhor Romeu, antes de sair de férias. Romeu era o dono da empresa onde ela trabalhava e, apesar de ser um homem de meia-idade, com cabelos grisalhos e um sorriso encantador, tratava Clara como se fosse sua própria filha. Ele admirava o comprometimento e a dedicação dela, confiando plenamente em sua competência. Agora que Clara estava prestes a tirar um mês de férias, ele se preocupava sobre como seria delegar suas tarefas à secretária de seu filho, que, apesar de igualmente dedicada, ficaria sobrecarregada com o acúmulo de responsabilidades.

Estava quase no fim do expediente, e Clara combinara de sair com os amigos para comemorar. Era sexta-feira, e suas férias começariam oficialmente na segunda. Essa era sua chance de se despedir em grande estilo.

— Clara, tudo certo para mais tarde? — perguntou Elisa, sua colega de trabalho e secretária do filho de Romeu.

— Com toda certeza, Elisa! Não perco esse after por nada!

As duas riram, compartilhando a empolgação. Clara já pensava no que inventar para sua mãe, Cleonice, que nunca gostava de vê-la sair para baladas. Cleonice era superprotetora e se preocupava com os perigos das madrugadas, mas Clara, aos dezenove anos, estava determinada a aproveitar sua liberdade.

Quando finalmente o relógio marcou o fim do expediente, Clara e Flávia, outra colega, combinaram de se arrumar juntas antes de encontrar o restante do grupo na casa de Elisa. Clara estava especialmente animada: iriam a uma boate de cinco estrelas, um lugar que ela sempre quis conhecer.

Saindo do prédio, Clara caminhava ao lado de Flávia até seu Corsa vinho. O carro, embora modesto e sem grandes luxos, era um presente dos pais dela, comprado com muito esforço quando Clara tirou a carteira de motorista.

— Amiga, o Bruno vai. — Flávia comentou, com um sorriso malicioso.

Clara revirou os olhos. Bruno, o "faz-tudo" da empresa, vivia atrás dela com gestos de carinho exagerados, mas Clara nunca se interessara por ele. A diferença de vinte anos entre eles era algo que ela não conseguia ignorar.

— Isso nem me interessa. — respondeu Clara, secamente.

— Ele é tão apaixonado por você, Clara. Não acha que devia dar uma chance?

— Eu não me interesso por homens mais velhos, Flávia. Principalmente por alguém com idade para ser meu pai.

— Eu daria uma chance. Ele é bonito e muito gente boa. — Flávia respondeu, dando de ombros.

— Então, amiga, fica pra você! — Clara respondeu com uma risada sarcástica.

Flávia riu, mas percebeu que Clara estava desconfortável e mudou de assunto. Elas chegaram ao carro, e Clara destravou as portas manualmente. Embora o carro não fosse dos mais modernos, Clara tinha muito carinho por ele.

No caminho para casa, as duas conversaram sobre a expectativa para a noite. Quando estacionaram na frente da casa de Clara, Flávia percebeu o movimento familiar na sala de estar. A família de Clara estava reunida, como de costume, rindo de algo que passava na TV. Assim que Clara entrou, largou as chaves em uma mesinha próxima à porta e foi cumprimentar os pais, Cleonice e Roberto, além da irmã mais nova, Cíntia.

Flávia observava a cena com uma pontada de inveja. Apesar de gostar de Clara, não conseguia evitar o ressentimento ao ver a amiga com uma família tão unida, algo que ela mesma nunca teve. Flávia, criada apenas pela mãe, sentia que a vida havia sido injusta com ela.

— Como foi o último dia de trabalho, querida? — perguntou Cleonice, com um sorriso amoroso.

— Foi ótimo, mãe. Deixei tudo pronto para não sobrecarregar Elisa, mas foi bem corrido.

Cleonice olhou para Flávia, já desconfiada de que a filha estava planejando sair à noite.

— Boa tarde, Flávia. — cumprimentou, polida.

— Boa tarde, dona Cleo. — respondeu Flávia, cumprimentando o restante da família em seguida.

Roberto, mais descontraído do que Cleonice, convidou Flávia a se sentar.

— Vai sair hoje à noite, Clara Cunha? — Cleonice perguntou, cruzando os braços.

Clara engoliu seco. Sabia que viria um sermão. Sua mãe nunca aprovava suas saídas, mas ela estava determinada a aproveitar.

— Mãe, é só uma comemoração com os amigos do trabalho. Minha última noite com eles antes das férias.

— Você sabe que eu não gosto que você fique na rua de madrugada. — retrucou Cleonice. — Por que não vão a um restaurante, algo mais tranquilo?

— Mãe, a gente quer ir à Boate Kiss. É a primeira vez que vou! Lá deve ser incrível!

— Sabe o que é mais incrível, Clara Cunha? Sua segurança! — Cleonice disse, com um tom preocupado.

— Pega leve, Cleo. — Roberto interveio. — Ela merece comemorar.

— E você sabe os perigos que ela enfrenta nessas madrugadas?

Clara suspirou. Tentou convencer a mãe, mas sabia que nada mudaria a opinião dela. Então, pegou Flávia pela mão e subiu para o quarto. Lá, as duas começaram a se arrumar para a tão esperada noite.

Enquanto se maquiava, Clara pensava brevemente em ceder e ficar em casa para agradar a mãe, mas a empolgação tomou conta. Quando o relógio marcou a hora certa, Clara pegou a chave do carro e, junto com Flávia, saiu pela porta.

Clara e Flávia chegaram à casa de Elisa pouco depois das 21h. O local era simples, mas acolhedor, com móveis rústicos e uma decoração que refletia a personalidade vibrante de Elisa. Ao entrar, Clara se sentiu à vontade: a música já tocava em um volume moderado, e os amigos estavam reunidos na sala, entre risadas e copos de bebida.

Além de Elisa, estavam presentes Renan, um rapaz expansivo e sempre pronto para uma conversa divertida; Ana, discreta e observadora; Rafael, conhecido por sua energia contagiante; Júlia, que adorava ser o centro das atenções; e Caio, o mais tímido do grupo.

— Até que enfim vocês chegaram! — exclamou Elisa, descendo as escadas enquanto ajustava os brincos. — Achei que tinham desistido!

— Nunca! — respondeu Clara com um sorriso.

Os copos já estavam sendo enchidos com uma mistura improvisada de bebidas. Elisa era conhecida por suas habilidades duvidosas de "bartender", mas ninguém reclamava, porque o clima de descontração era mais importante do que o sabor das bebidas.

— Vamos brindar! — Renan levantou seu copo. — Às férias da Clara e à nossa noite inesquecível!

— À noite inesquecível! — os demais responderam em coro, erguendo seus copos.

A conversa fluía entre piadas e histórias da semana até que Rafael, o mais antenado do grupo, puxou o celular e interrompeu o papo para compartilhar uma notícia.

— Gente, olha isso! — ele disse, virando o telefone para que todos vissem a tela.

Na página de uma revista digital, uma foto chamava atenção: Leonardo Arezzo, o CEO recém-retornado de uma longa viagem ao exterior, posava ao lado de empresários renomados. O título da matéria destacava seu retorno ao Brasil e especulava sobre quais eventos ele poderia frequentar nas próximas semanas.

— Meu Deus, que homem! — Renan exclamou, fingindo abanar-se como se estivesse prestes a desmaiar. — Olha só essa elegância!

— E daí? — Clara perguntou, esboçando um leve sorriso enquanto olhava para a foto.

— "E daí"? Clara, você não tem olhos? — Renan retrucou dramaticamente. — Ele é a definição de perfeição.

— Verdade, ele é um pedaço de mau caminho. — concordou Júlia, com os olhos fixos no celular.

Elisa, que voltara a descer as escadas depois de uma breve sumida, se juntou à conversa:

— O que tá rolando aqui?

— Estamos admirando o homem mais lindo do país! — respondeu Renan, entregando o celular a Elisa.

Ela olhou a foto e ergueu uma sobrancelha, como se analisasse Leonardo com mais atenção.

— É... não é de se jogar fora. — concluiu, sorrindo. — Mas por que estão falando dele?

— Dizem que ele tá de volta e vai começar a aparecer em eventos. Quem sabe ele não vai hoje pra Boate Kiss? — Renan disse, com um brilho de expectativa nos olhos.

— Sonha, Renan! — Ana provocou.

Enquanto o grupo discutia se havia chance de encontrar Leonardo na boate, Clara olhou novamente para a foto. Ele realmente era bonito, com uma presença marcante e um charme que saltava da imagem. Ainda assim, Clara desviou os olhos rapidamente, como se não quisesse se perder na admiração que os outros demonstravam.

— Vamos logo! — Elisa anunciou, agora completamente pronta e impecavelmente maquiada.

— Agora sim, Elisa! Tá incrível! — Clara elogiou.

— Obrigada, amiga. Só espero que hoje valha a pena.

Eles saíram animados, entrando em dois carros e seguindo para a boate mais famosa da cidade. O brilho das luzes da cidade refletia a expectativa no rosto de cada um. O som da música já era audível antes mesmo de entrarem, e a noite prometia emoções inesquecíveis.

A fila para entrar na Boate Kiss estava longa e barulhenta. Luzes coloridas piscavam ritmicamente, iluminando a fachada luxuosa, e a música alta já fazia o chão vibrar. O grupo de amigos chegou rindo e animado, mas o clima mudou rapidamente ao se aproximarem da entrada.

Uma funcionária alta e com olhar severo, usando um uniforme preto e dourado, estava na porta controlando a entrada. Ela os olhou de cima a baixo com desdém.

— Vocês têm convites? — perguntou ela, a voz carregada de sarcasmo.

Renan foi o primeiro a responder, segurando os convites na mão com um sorriso confiante.

— Claro que temos. Por que acha que estamos aqui?

A mulher deu uma risada curta, seca.

— Vocês sabem que aqui não é qualquer lugar, certo? Não é para todo mundo.

O grupo ficou em silêncio por um momento, claramente desconfortável. Elisa trocou um olhar com Clara, que segurou a bolsa com mais força, como se estivesse pronta para sair dali. Mas Renan, com toda sua ousadia, deu um passo à frente, levantando o queixo.

— Desculpa, querida, mas quem decide quem entra ou não são esses convites que estão na minha mão, não seu mau gosto. — Ele estendeu os convites na direção dela. — E se precisar, posso te ajudar a arrumar esse cabelo que está meio descompensado.

O grupo ficou surpreso com a resposta de Renan, mas rapidamente seguraram o riso. A funcionária revirou os olhos, mas pegou os convites e analisou, percebendo que eram legítimos.

— Podem entrar. — disse ela, afastando-se com uma expressão de derrota.

Renan virou-se para o grupo com um sorriso vitorioso.

— Vamos, queridos. Eles não estão prontos para a gente.

Todos riram e passaram pela entrada, entrando finalmente no coração da boate. O interior era ainda mais impressionante do que Clara imaginava. Luzes piscavam no teto alto, enquanto o DJ tocava uma música eletrônica contagiante. O bar estava lotado, e as pessoas dançavam em uma pista ampla cercada por sofás de couro e mesas iluminadas por neon.

O grupo se reuniu ao redor de uma das mesas reservadas para eles. Elisa foi ao bar pedir bebidas, enquanto os outros se acomodaram. Logo chegaram copos e garrafas, e o clima ficou descontraído.

Depois de um tempo, no entanto, cada um começou a se dispersar. Gabriela e Mateus foram dançar juntos, Flávia já conversava com um rapaz perto do bar, e até Renan desapareceu, provavelmente em busca de alguém interessante.

Clara ficou sozinha na mesa, bebendo em silêncio. A cada gole, sentia-se mais leve, como se as preocupações do dia a dia fossem evaporando. Elisa, que retornou ao grupo, viu a cena e franziu o cenho.

— Clara, pega leve! — disse ela, pegando o copo da mão da amiga. — Você está bebendo muito rápido.

— Estou só me divertindo, Elisa. — Clara respondeu, rindo, mas já com um tom levemente arrastado.

— Divertir, sim. Ficar bêbada e irresponsável, não. Você está proibida de dirigir na volta.

Clara revirou os olhos, mas sabia que Elisa estava certa. Decidida a melhorar seu estado, levantou-se com um sorriso desafiador.

— Tá bom, mãezinha. Vou dançar para ver se melhora.

Sem esperar resposta, ela caminhou até a pista de dança, onde a música alta fazia o chão vibrar. Começou a se mover no ritmo, tentando se soltar. Aos poucos, sentiu o álcool a deixando mais descontraída, e seus movimentos ficaram mais fluídos.

No entanto, algo chamou sua atenção. Ela sentiu um olhar intenso sobre si. Parou de dançar por um segundo e olhou ao redor, tentando identificar de onde vinha aquela sensação. Foi então que o viu.

No andar superior da boate, uma área exclusiva cercada por vidro escuro, estava um homem encostado no parapeito, observando-a. Ele vestia uma camisa branca aberta no peito, revelando uma pele bronzeada e um físico definido. Seus cabelos estavam ligeiramente bagunçados, com fios caindo na testa, e ele segurava um copo com uma bebida dourada na mão.

O que mais chamou a atenção de Clara foi o olhar dele. Era marcante, penetrante, quase sedutor. Ele parecia estudá-la, como se pudesse enxergar além de seus movimentos na pista. Clara franziu o cenho por um momento. Algo naquele homem parecia vagamente familiar, mas ela não conseguia lembrar de onde o conhecia.

"Devo estar imaginando coisas", pensou, balançando a cabeça e desviando o olhar. Tentou ignorá-lo e voltou a dançar, mas o peso daquele olhar ainda estava com ela, como se o homem não tivesse desviado nem por um segundo.

Descobertas

Leonardo sentava-se na ponta da longa mesa de mogno, em um dos luxuosos escritórios da sede da construtora Arezzo & Filhos. O relógio na parede marcava quase dez da noite, e o ar no ambiente era denso, carregado de tensão. Arlindo Arezzo, seu pai e fundador da construtora, estava encostado no canto da sala, esfregando as têmporas enquanto analisava uma pilha de documentos.

— Isso é inaceitável, Leonardo! — Arlindo exclamou, jogando uma pasta sobre a mesa. — Anos de trabalho, de suor, para sermos traídos assim por alguém em quem confiamos!

Leonardo mantinha uma expressão séria, mas seu olhar era frio, calculista. Ele tinha passado as últimas horas cruzando números, rastreando transações e montando o quebra-cabeça que confirmava o que ele temia: um dos dois sócios da construtora estava desviando dinheiro há meses.

— As evidências são claras, pai. É o Roberto. As transferências coincidem exatamente com os projetos que ele gerenciava. Ele criou contratos falsos para empresas inexistentes e desviou milhões para contas offshore.

Arlindo bufou, andando de um lado para o outro na sala.

— Eu sempre desconfiei da ambição do Roberto, mas nunca pensei que ele fosse capaz disso. E o Marcelo? Ele está envolvido?

— Não parece, pelo menos não diretamente. — Leonardo respondeu, passando as mãos pelo cabelo. — Mas precisamos ter cuidado. Se isso vazar para a imprensa antes que tomemos uma atitude, será um escândalo. O nome da Arezzo será arrastado na lama, e nossos acionistas vão nos abandonar.

Arlindo parou e olhou fixamente para o filho.

— O que sugere, então?

Leonardo se levantou e caminhou até o enorme painel de vidro que dava vista para a cidade iluminada. Respirou fundo antes de responder.

— Primeiro, precisamos suspender todos os projetos sob supervisão do Roberto. Isso nos dá tempo para minimizar os danos e impedir novos desvios. Depois, confrontamos ele com as provas que temos. Se ele colaborar e devolver o dinheiro, podemos evitar levar isso à justiça e à mídia.

— E se ele não colaborar? — Arlindo perguntou, cruzando os braços.

Leonardo virou-se, o rosto implacável.

— Então não teremos escolha. Vamos denunciá-lo. Mas antes disso, precisamos proteger a empresa. Tenho um contato em um escritório de advocacia que pode nos ajudar a reestruturar os contratos e blindar os nossos ativos.

Arlindo suspirou pesadamente, sentando-se na cadeira de couro.

— Não posso acreditar que chegamos a esse ponto. A Arezzo sempre foi um símbolo de integridade.

— E continuará sendo, pai. — Leonardo disse, com determinação. — Nós vamos superar isso.

O silêncio pairou por um momento, enquanto os dois homens absorviam a gravidade da situação. Arlindo pegou um copo de uísque que estava na mesa e o girou entre os dedos.

— E quanto a Marcelo? Ele precisa saber disso.

Leonardo hesitou antes de responder.

— Vamos incluí-lo amanhã. Mas não antes de termos tudo pronto. Se ele não está envolvido, não queremos dar a ele motivos para se sentir traído por desconfianças precipitadas.

Arlindo assentiu lentamente, e então, com um suspiro, levantou o copo.

— À Arezzo. Que esse seja apenas mais um obstáculo no caminho.

Leonardo ergueu seu próprio copo.

— À Arezzo.

Os dois brindaram em silêncio, mas Leonardo sabia que aquilo era apenas o começo. O confronto com Roberto seria delicado, e qualquer erro poderia custar não só a reputação da empresa, mas também a estabilidade financeira da família.

Depois da reunião, enquanto Leonardo dirigia de volta para casa, uma mensagem no celular chamou sua atenção. Era de um amigo próximo, convidando-o para sair naquela noite.

“Boate Kiss hoje. Você precisa relaxar um pouco.”

Ele hesitou por um momento. Sabia que a situação na construtora exigia toda sua atenção, mas também precisava de uma pausa, algo para aliviar a mente. Finalmente, respondeu:

“Estarei lá.”

Leonardo sabia que não era apenas um momento de diversão que buscava. Era uma forma de se preparar para o que vinha a seguir: enfrentar Roberto, proteger a Arezzo e, se necessário, reconstruir tudo do zero.

No caminho para casa, o som das notificações chamando atenção no painel do carro fez Leonardo desviar o olhar da estrada por um instante. Ele conectou o celular ao sistema do veículo e percebeu que tinha várias chamadas perdidas de sua namorada, Sofia. O nome dela piscava repetidamente na tela, acompanhado de mensagens cheias de pontos de exclamação.

Com um suspiro pesado, ele parou o carro em um acostamento e discou o número dela. Não demorou muito para que Sofia atendesse, mas sua voz do outro lado da linha não era a usualmente doce.

— Finalmente resolveu dar sinal de vida, Leonardo? O que você estava fazendo? Esqueceu que existo?

Leonardo esfregou a têmpora com uma mão enquanto segurava o celular com a outra.

— Sofia, eu estava em uma reunião importante com meu pai. Descobrimos um problema grave na empresa, e meu celular ficou desligado o dia todo.

— Ah, claro! — Ela respondeu, com sarcasmo. — Sempre a empresa, sempre o trabalho. E eu? Onde eu fico nisso tudo?

— Você sabe que não é assim, Sofia. Eu já expliquei como minha vida é exigente.

— Exigente demais para sequer me mandar uma mensagem? Nem que fosse só para dizer que estava vivo? — A voz dela subiu um tom, transbordando frustração.

Leonardo bufou, tentando manter a paciência.

— Eu não tinha como! Não posso largar tudo para atender o telefone no meio de uma crise.

Do outro lado da linha, o silêncio foi breve, mas cheio de tensão. Então, Sofia disse, com firmeza:

— Sabe de uma coisa, Leonardo? Eu cansei. Cansei de ser a última prioridade na sua vida. Se é assim que vai ser, melhor terminarmos de vez.

Aquelas palavras atingiram Leonardo como um soco. Ele tentou argumentar, mas Sofia não deu espaço.

— Não adianta, Leonardo. Não estou disposta a continuar desse jeito. Boa sorte com sua empresa. Adeus.

A ligação foi encerrada abruptamente, deixando Leonardo estático por alguns segundos. Ele apertou o volante com força, os dentes trincados enquanto sentia a raiva e o orgulho ferido tomarem conta.

— Ótimo. Só o que me faltava. — Murmurou para si mesmo.

Em vez de seguir para casa, ele desviou o caminho e decidiu ir direto para a boate. Sua cabeça estava a mil, e ele sabia que não conseguiria relaxar sozinho. Precisava de distração, de algo que tirasse aquele gosto amargo da discussão.

Chegando à Boate Kiss, Leonardo passou direto pela entrada, cumprimentando rapidamente o segurança que já o conhecia. O lugar estava lotado, a música alta reverberava nas paredes, e as luzes coloridas criavam um ambiente vibrante e intenso.

Seu amigo Gustavo o avistou do outro lado do salão e acenou. Leonardo se aproximou, recebendo um abraço amigável.

— Cara, finalmente apareceu! Achei que fosse dar para trás.

Leonardo forçou um sorriso, escondendo a fúria e a mágoa que o consumiam.

— Tinha muita coisa acontecendo hoje, mas estou aqui agora.

Sem dar detalhes, ele pediu um uísque duplo no bar. E depois mais um. E mais um. O álcool desceu quente, mas era exatamente o que ele precisava para amortecer os pensamentos. Gustavo tentou puxar conversa, mas Leonardo se manteve evasivo, sem querer compartilhar o ocorrido com Sofia.

Em determinado momento, já sentindo o álcool percorrendo suas veias, Leonardo se afastou do grupo e caminhou até o parapeito que dava vista para a pista de dança. Ele apoiou os braços na grade, segurando um copo de bebida, e deixou o olhar vagar pela multidão.

Foi então que seus olhos se fixaram em uma mulher.

Ela estava dançando no meio da pista, com movimentos fluidos e envolventes, a música parecendo ser uma extensão dela mesma. Seu cabelo brilhava sob as luzes, e algo em sua presença o cativou de imediato. Leonardo não piscava, incapaz de desviar o olhar.

Havia algo vagamente familiar naquela mulher, mas ele não conseguia identificar o quê. Ele permaneceu ali, imóvel, o olhar firme e intrigado, enquanto o som da música e a energia da boate desapareciam ao seu redor.

Era como se, por um instante, todo o restante não importasse.

Leonardo desceu os degraus que o separavam da pista de dança com passos firmes, apesar do efeito do álcool em seu corpo. Ele não tirava os olhos da mulher que havia capturado sua atenção, como se fosse guiado por uma força irresistível.

Clara, por sua vez, continuava dançando, agora mais entregue à música do que nunca. O calor da boate, a energia ao seu redor, e a leveza proporcionada pelas bebidas a faziam esquecer de tudo. Quando ela o percebeu se aproximando, seus olhares se cruzaram, e um arrepio percorreu sua espinha.

Sem dizer uma palavra, Leonardo parou à sua frente e a acompanhou na dança. Seus movimentos eram naturais, como se tivessem ensaiado aquilo antes. Clara sorriu, um sorriso despreocupado e levemente desafiador, enquanto ele se inclinava para dizer algo ao ouvido dela, a música abafando sua voz.

— Você dança bem.

— E você observa bem — ela respondeu, de forma provocativa, inclinando a cabeça para ele.

A proximidade entre os dois era eletrizante. Clara sentia o perfume dele misturado ao cheiro do álcool e da noite. Leonardo, por sua vez, estava hipnotizado pelo sorriso e pela energia contagiante dela.

— Você vem sempre aqui? — Ele perguntou, tentando manter a conversa casual.

Clara riu, uma risada leve que foi quase perdida no som da música.

— Hoje é a primeira vez. E você?

Leonardo hesitou, mas deu de ombros, o álcool em seu sistema tornando suas respostas despreocupadas.

— Talvez seja a última, ou talvez não.

Eles continuaram a dançar, os corpos próximos demais para ser casual. Quando Clara tropeçou levemente, Leonardo a segurou pela cintura, e seus olhos se encontraram novamente, cheios de algo mais profundo do que simples atração.

— Vamos sair daqui? — Ele sugeriu, a voz rouca e os olhos ardentes.

Clara o olhou, considerando por um breve momento. Sua mente estava enevoada pela bebida, mas, ao mesmo tempo, uma parte dela gritava que essa era a noite de esquecer tudo.

— Vamos.

Eles saíram da boate de forma apressada, ignorando os olhares curiosos ao redor. Clara sentiu o ar fresco da noite tocar sua pele quente, mas não teve tempo para refletir sobre nada. Leonardo chamou um táxi, e eles entraram, trocando olhares e sorrisos discretos durante o trajeto.

O destino? Um motel discreto e próximo.

Assim que chegaram, os dois mal tiveram paciência para atravessar a recepção. No quarto, as luzes suaves e o silêncio do lugar criaram o cenário perfeito para o desejo que já não conseguiam conter.

Leonardo segurou o rosto de Clara com ambas as mãos, seus lábios se encontrando em um beijo intenso e cheio de urgência. Eles se livraram das roupas enquanto avançavam pelo espaço, os corpos se explorando com fervor.

Foi uma noite que ambos viveram intensamente, sem hesitações ou arrependimentos, como se o amanhã não existisse.

Depois do envolvimento apaixonado, a exaustão tomou conta. Clara adormeceu primeiro, sua respiração calma indicando um sono profundo. Leonardo ficou acordado por mais alguns instantes, observando-a ao seu lado. Algo nela parecia estranhamente familiar, mas ele não conseguiu identificar o que era.

Pouco depois, ele também sucumbiu ao sono, enquanto a noite escondia o que o destino ainda reservava para os dois.

Noivado Forçado, Segredos

Leonardo despertou com a luz do sol invadindo parcialmente o quarto, atravessando as cortinas semiabertas. Ele piscou algumas vezes, sentindo a ressaca começando a pulsar em sua cabeça. Ao virar o rosto, viu Clara, ainda profundamente adormecida ao seu lado.

Por um momento, ele a observou, intrigado. O rosto dela era sereno, a expressão tranquila, e ele se pegou pensando no quão familiar ela parecia. Porém, antes que pudesse aprofundar qualquer reflexão, o som estridente de seu celular o tirou daquele devaneio.

Pegando o aparelho do bolso da calça jogada ao chão, Leonardo viu o nome de Sofia piscando na tela. Ele bufou, rejeitando a ligação imediatamente. Contudo, a ação fez com que ele notasse outras notificações: várias chamadas perdidas de seu pai e mensagens insistentes.

"Leonardo, precisamos finalizar a questão da fraude. Me ligue assim que puder e venha para a empresa. Não podemos perder tempo!"

Leonardo passou uma mão pelo rosto, tentando organizar os pensamentos enquanto lia as mensagens. Era evidente que o problema da construtora estava longe de ser resolvido, e ele precisava agir. Não podia se dar ao luxo de perder mais tempo.

Levantando-se com cuidado para não acordar Clara, ele vestiu suas roupas rapidamente. Antes de sair, deu uma última olhada nela, hesitando. Não queria parecer rude, mas sabia que precisava partir. Pegou um pedaço de papel no criado-mudo e escreveu um bilhete breve:

"Desculpe sair antes de você acordar. Foi uma noite incrível, mas preciso resolver assuntos urgentes. Espero que nos encontremos novamente um dia. Leonardo."

Deixando o papel dobrado sobre o travesseiro ao lado dela, ele saiu do quarto e acertou a conta na recepção antes de seguir para o carro.

No caminho para a empresa, enquanto dirigia, o celular tocou novamente. Desta vez, era Sofia. Relutante, ele atendeu.

— O que você quer, Sofia? — perguntou, já cansado antes mesmo que ela começasse a falar.

— O que eu quero? Quero entender por que você simplesmente desapareceu ontem! Eu te liguei várias vezes, Leonardo! — Sofia disparou, sua voz carregada de raiva e frustração.

— Eu estava em uma reunião com o meu pai. Meu celular estava desligado, e, sinceramente, tenho coisas mais importantes para resolver agora — respondeu ele, tentando manter a calma, mas já sentindo sua paciência se esgotar.

— Mais importantes? Claro que você tem, não é? Tudo é mais importante do que eu! — Sofia retrucou, sua voz elevando-se ainda mais.

— Olha, Sofia, eu não estou no clima para discutir isso agora. Estou indo para a empresa. Precisamos finalizar algo muito sério. Podemos conversar mais tarde? — Leonardo sugeriu, tentando encerrar a conversa.

— Conversar? Você nem se importa mais, não é? — Ela suspirou do outro lado da linha. — Tudo bem. Depois do seu trabalho. Mas você vai até minha casa, Leonardo. Precisamos resolver isso.

— Certo, eu vou ao final do dia. Agora, por favor, me deixa resolver meus problemas primeiro.

Depois de uma pausa, Sofia respondeu com um tom menos agressivo:

— Tudo bem. Mas não me deixe esperando de novo.

Leonardo desligou, soltando um longo suspiro enquanto voltava a se concentrar na estrada. Sua mente ainda estava dividida entre a situação tensa da construtora, o término com Sofia e a mulher desconhecida que ele havia deixado para trás naquela manhã.

"Essa manhã promete ser longa," ele pensou, acelerando em direção ao prédio da empresa, sem saber que a noite anterior marcaria um ponto de virada em sua vida.

Leonardo chegou à empresa com o semblante carregado, o peso de várias responsabilidades recaindo sobre seus ombros. Passando pela recepção, ele acenou brevemente para a secretária, que parecia querer chamá-lo para resolver algo, mas ele não tinha tempo para distrações. Caminhou diretamente para a sala do pai.

Ao entrar, encontrou Marcelo sentado em uma das poltronas de couro ao lado de Arlindo, o chefe do setor financeiro. Ambos o aguardavam com expressões sérias.

— Finalmente, Leonardo. — O pai comentou, ajustando os óculos. — Precisamos finalizar isso antes que seja tarde.

— Já sabemos que o desfalque é obra de Roberto. — Arlindo começou, folheando um dossiê repleto de papéis. — Ele desviou milhões ao longo dos últimos dois anos. Esses contratos superfaturados e as contas falsas estão completamente documentados.

Leonardo assentiu, pegando os documentos para revisar.

— E as provas? Já estão organizadas? — perguntou, percorrendo os papéis com rapidez.

— Tudo aqui. — Marcelo respondeu. — Mas precisamos decidir como agir. Não podemos permitir que ele destrua a reputação da empresa, ainda mais agora que você está assumindo mais responsabilidades.

— Concordo, mas também não podemos deixar passar impune. — Leonardo respondeu, pensativo. — Alguma ideia?

Arlindo suspirou, cruzando os braços.

— Com a ajuda dos advogados, podemos encurralá-lo sem causar muito alarde. Eles estão prontos para mover uma ação interna contra ele, mas precisamos da máxima discrição. Se a mídia descobrir, isso será um desastre.

Marcelo concordou, mas o olhar grave indicava sua preocupação.

— O importante agora é evitar que isso respingue em nossos clientes e acionistas. Uma crise de confiança poderia ser o fim.

Leonardo fechou o dossiê com firmeza.

— Então é isso. Reunimos as provas, notificamos a diretoria e agimos rápido. Mas precisamos estar preparados para um contra-ataque de Roberto. Ele não vai cair sem lutar.

A tarde avançou, os três homens revisando estratégias com os advogados e organizando cada detalhe para lidar com Roberto. A sala de reuniões tornou-se um espaço de tensão, com decisões importantes sendo tomadas a cada minuto.

Já quase ao final do expediente, Roberto entrou abruptamente na sala, sua expressão carregada de fúria.

— O que está acontecendo aqui? — Ele exigiu, cruzando os braços. — Por que todos os meus projetos foram suspensos? E por que meus contratos estão sendo transferidos para Leonardo?

Marcelo olhou para Leonardo e Arlindo, mantendo a calma.

— Roberto, estamos revisando algumas estratégias para otimizar os processos. — Marcelo respondeu com uma falsa tranquilidade. — Logo resolveremos isso.

— Resolver? Isso está sabotando meu trabalho! — Roberto exclamou. — Quero uma explicação.

Leonardo, apesar da irritação crescente, se manteve firme.

— Roberto, estamos apenas reorganizando a distribuição dos projetos. Isso não é pessoal, apenas uma questão estratégica.

Roberto estreitou os olhos, desconfiado.

— Espero que sim. Porque não vou aceitar que tentem me passar para trás.

Ele saiu da sala, batendo a porta, e os três respiraram aliviados.

— Ele suspeita de algo. — Arlindo comentou, com uma expressão tensa.

— E por isso precisamos agir rápido. — Marcelo afirmou. — Não temos tempo a perder.

Quando finalmente encerraram os trabalhos, já era noite. Leonardo deixou a empresa exausto, sentindo o peso do dia inteiro de decisões difíceis e a tensão do confronto com Roberto. No entanto, ele sabia que ainda tinha outro desafio à sua frente: Sofia.

Dirigindo sem muito ânimo, ele foi até a casa dela, já preparado para mais uma discussão. Apesar de tudo, não conseguia decidir se queria realmente salvá-la ou se estava pronto para deixá-la ir de vez.

"Uma batalha de cada vez," ele pensou, estacionando em frente à casa de Sofia. A noite prometia mais problemas do que soluções.

Leonardo estacionou em frente à luxuosa casa dos pais de Sofia, um casarão imponente cercado por jardins perfeitamente cuidados. Respirou fundo antes de sair do carro, ajeitando a camisa e ensaiando um sorriso para enfrentar o que quer que o aguardasse.

Ao tocar a campainha, foi recebido calorosamente pela mãe de Sofia, uma mulher elegante e sempre sorridente.

— Leonardo, querido! Que bom que veio! Entre, entre.

O pai de Sofia surgiu logo depois, cumprimentando-o com um aperto de mão firme.

— Como está, rapaz? Faz tempo que não aparece. Já estávamos achando que minha filha tinha te colocado para correr! — Ele brincou, soltando uma risada.

Leonardo forçou um sorriso.

— Andei muito ocupado com o trabalho, senhor Mendes. Mas é sempre um prazer estar aqui.

Os dois o levaram até a sala de estar, onde iniciaram uma conversa descontraída. Leonardo, no entanto, sentia-se inquieto, sabendo que a verdadeira razão de sua visita ainda estava por vir. Após alguns minutos, Sofia apareceu no topo da escadaria.

Ela estava impecável como sempre, vestindo um vestido branco que realçava sua pele bronzeada. Seu sorriso era perfeito, mas seus olhos denunciavam a mágoa que ainda carregava.

— Leonardo, pode me acompanhar até o jardim? — ela pediu, com a voz doce.

Ele assentiu, levantando-se.

O jardim estava silencioso, iluminado apenas pelas luzes suaves espalhadas entre as árvores e arbustos. Sofia sentou-se em um banco de madeira, esperando que Leonardo a acompanhasse. Quando ele se sentou, ela o encarou com firmeza.

— Então, Leo. Por que me ignorou ontem? — ela começou, direta. — Achei que você tinha alguma consideração pelo nosso relacionamento.

Leonardo respirou fundo, sentindo o peso da culpa.

— Sofia, não foi intencional. Passei a noite toda em uma reunião com meu pai e os advogados, lidando com uma situação muito séria na empresa. Meu celular ficou desligado.

— E depois da reunião? — Ela cruzou os braços. — Foi direto para casa, certo?

Leonardo hesitou. Ele sabia que não podia mentir.

— Não. Depois, fui a uma boate. Estava frustrado, precisava espairecer.

— E? — Sofia estreitou os olhos.

— Conheci alguém lá. — Ele admitiu, sua voz baixa. — Nós nos envolvemos, mas eu nem sei o nome dela.

O silêncio caiu entre eles como um peso insuportável. Sofia respirou fundo, seus olhos brilhando de raiva e orgulho ferido.

— Então você me traiu, Leonardo? — Ela sussurrou.

— Eu estava bêbado, Sofia. Foi um erro. — Ele respondeu, sincero.

Sofia o encarou por alguns segundos antes de suspirar.

— Ok. Eu vou te perdoar, mas com uma condição. — Ela disse, a voz agora mais calma. — Você nunca mais, e eu digo nunca mais, pode ver ou ter qualquer tipo de contato com essa mulher. Entendeu?

Leonardo assentiu, mas algo dentro dele parecia se revoltar com a exigência.

Sofia se levantou, caminhou até ele e o abraçou.

— Eu ainda te amo, Leo. Quero que a gente supere isso.

Ela o beijou, e ele retribuiu, mas a sensação não era a mesma. O beijo, que antes era cheio de paixão, agora parecia vazio, quase mecânico.

Quando ela se afastou, segurou as mãos dele com firmeza e sorriu.

— Acho que está na hora de darmos o próximo passo, não acha? Já são três anos de namoro. Quero ficar noiva de você.

Leonardo sorriu, mas o gesto era mais uma máscara do que uma resposta verdadeira.

— Vamos conversar sobre isso depois, Sofia. — Ele respondeu, tentando evitar o assunto.

Ela pareceu satisfeita com a resposta, mas Leonardo, ao olhar para o céu estrelado, sentiu um vazio crescente. O encanto parecia ter desaparecido, deixando apenas um sentimento de obrigação e incerteza.

Assim que Sofia voltou para dentro da casa, Leonardo permaneceu no jardim por alguns segundos, tentando recuperar o fôlego e organizar os pensamentos. Ele sentia o peso daquela conversa ainda pressionando seu peito. Quando finalmente decidiu segui-la, ouviu a voz animada de Sofia ecoando pela sala de estar.

— Mamãe, papai, Leonardo e eu estamos noivos!

Leonardo congelou na entrada da sala. Seus olhos se arregalaram levemente, e sua boca se abriu para protestar, mas a mãe de Sofia foi mais rápida, soltando um grito de alegria.

— Noivos? Meu Deus, finalmente! — disse ela, correndo para abraçar a filha e, em seguida, Leonardo, que ainda estava estático.

O pai de Sofia se levantou com um sorriso largo e apertou a mão de Leonardo.

— Isso é maravilhoso, rapaz! Já estava na hora. Sempre soube que você era o homem certo para minha filha.

Leonardo tentou disfarçar seu desconforto, forçando um sorriso. Ele olhou para Sofia, que mantinha uma expressão de satisfação e orgulho, como se tivesse acabado de conquistar um prêmio.

— Bem, eu... ainda preciso planejar as coisas. Comprar as alianças, organizar os detalhes... — Leonardo começou, tentando ganhar tempo.

— Ah, Leo já está cuidando disso! — Sofia interrompeu, sorrindo. — Ele mencionou que vai comprar as alianças em breve e que já está pensando no jantar de noivado.

Leonardo sentiu o rosto queimar. Ele nunca havia prometido isso, mas, ao olhar para os pais dela, viu uma felicidade tão genuína que não teve coragem de contradizê-la.

— Sim, claro. — Disse, com a voz mais firme do que se sentia. — Vamos organizar tudo direitinho. Quero que seja especial para todos.

— Que homem maravilhoso você é, Leonardo. — comentou a mãe de Sofia, enxugando uma lágrima de emoção.

O pai dela deu um tapinha em seu ombro, sorrindo de orelha a orelha.

— Não sei o que fizemos para merecer um genro como você. Mas já vou avisando: esse jantar de noivado tem que ser um evento memorável!

Leonardo soltou uma risada sem graça, tentando manter a postura, mas por dentro sentia-se encurralado.

— Com certeza. Eu prometo que marcaremos uma data em breve.

O alívio momentâneo de ver os pais satisfeitos foi substituído por um peso maior quando Sofia se aproximou, segurando sua mão com um sorriso vitorioso.

— Você não imagina como isso significa para mim, Leo. — ela disse baixinho.

Leonardo a encarou, sem saber o que responder. Por mais que tentasse se convencer de que estava fazendo a coisa certa, sentia que algo dentro dele estava se quebrando.

— Eu só quero que você seja feliz. — ele respondeu, desviando o olhar para evitar encarar aqueles olhos cheios de expectativa.

Naquele momento, Leonardo sabia que estava preso em uma situação que não conseguia controlar. Ele prometeu marcar o jantar de noivado, mas, em sua mente, não havia certeza de quando ou se aquele dia realmente chegaria.

Após mais alguns minutos de conversa desconfortável, Leonardo olhou para o relógio e anunciou que precisava ir embora.

— Já está tarde, e amanhã será mais um dia cheio na empresa. Prometo pensar em tudo com calma e falamos sobre os detalhes do jantar de noivado.

Sofia o acompanhou até a porta, segurando seu braço com delicadeza, mas sua expressão estava distante. Quando Leonardo se despediu com um beijo no rosto, ela forçou um sorriso.

— Dirija com cuidado. — disse ela, observando enquanto ele entrava no carro e se afastava.

Assim que as luzes do carro desapareceram na curva, o sorriso de Sofia desapareceu. Ela fechou a porta e voltou para a sala, onde seus pais, Amélia e Eduardo Mendes, estavam sentados com expressões satisfeitas.

— Ele está completamente envolvido. — Amélia comentou, servindo-se de uma taça de vinho. — Foi perfeito, Sofia. Você jogou muito bem.

— É, querida. Finalmente vamos garantir o que precisamos. — Eduardo acrescentou, acendendo um charuto e recostando-se no sofá. — Depois do casamento, não teremos mais que nos preocupar com dívidas. A fortuna dos Arezzo vai nos sustentar.

Sofia permaneceu em pé, olhando para os pais com os braços cruzados.

— Vocês realmente acreditam que isso vai funcionar? Ele mal pareceu animado.

— Homens como Leonardo não precisam de entusiasmo. — Amélia respondeu, tomando um gole do vinho. — Ele tem senso de dever, e isso é tudo o que precisamos.

— Além disso, Sofia, você não tem escolha. — Eduardo disse, com um tom mais severo. — A empresa está no limite, e nossas dívidas já ultrapassaram o aceitável. Esse casamento vai salvar nossa família.

Sofia olhou para o chão, o rosto fechado.

— Vocês não entendem... Eu não quero isso.

— Querida, não é uma questão de querer. É o que deve ser feito. — Amélia insistiu, colocando a taça sobre a mesa.

Sofia balançou a cabeça, respirando fundo.

— Eu amo outra pessoa.

A declaração fez Amélia e Eduardo trocarem olhares tensos.

— Sofia, não comece com isso novamente. — Amélia disse, com a voz carregada de irritação. — Essa história com... aquela atendente do shopping é apenas uma fase. Você vai superar isso.

— Não é uma fase! — Sofia rebateu, sua voz subindo. — Eu amo Rose! Estou com ela há um ano, e não importa o quanto vocês tentem, isso não vai mudar!

— Rose é irrelevante. — Eduardo interveio, a voz fria e autoritária. — Ela não pode te oferecer o que Leonardo pode. Você acha que pode sustentar essa casa com o salário de uma atendente de shopping?

Sofia sentiu os olhos encherem de lágrimas, mas se recusou a chorar na frente deles.

— Vocês estão me vendendo como se eu fosse um produto.

Amélia se levantou, caminhando até Sofia e segurando seus ombros.

— Estamos salvando a família, Sofia. E você também. Leonardo é o homem certo, mesmo que você não perceba isso agora.

Sofia se afastou, secando as lágrimas com as costas da mão.

— Vocês não se importam comigo, só com o dinheiro dele.

Sem esperar resposta, ela subiu as escadas e trancou-se em seu quarto, ignorando as vozes de seus pais a chamando. Sofia sentou-se na cama, pegou o celular e abriu a conversa com Rose.

"Eu preciso te ver."

A mensagem foi enviada, e Sofia ficou olhando para a tela, esperando pela resposta. Rose era sua única fuga, a única pessoa que fazia seu coração bater de verdade. Enquanto esperava, a pressão de sua realidade parecia crescer, sufocando-a.

"Talvez eu não consiga escapar dessa, mas não vou desistir de nós." Ela pensou, determinada a lutar por sua felicidade, mesmo que tivesse que enfrentar os pais e suas manipulações.

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