Enquanto caminhavam de volta para casa, o silêncio entre os irmãos era preenchido pelos pensamentos conflitantes de Ken. Ele ainda estava assustado com a brutalidade de Sho, mas também sentia uma felicidade calorosa pelo fato de seu irmão ter se importado o suficiente para defendê-lo.
Ken olhou de relance para Sho, que caminhava com as mãos nos bolsos e o olhar distante. Ele não parecia arrependido ou sequer incomodado com o que tinha acontecido no terreno abandonado. Talvez, pensou Ken, essa frieza fosse resultado do tipo de vida que Sho havia levado com o pai.
De repente, Ken teve uma ideia. Talvez ele pudesse fazer algo para mostrar sua gratidão e tentar se aproximar mais de Sho. Ele sorriu internamente, decidido a colocar seu plano em prática.
— Sho... — começou Ken, tentando parecer casual.
— Hm? — Sho respondeu, sem virar o rosto.
— O que você mais gosta de ver no mundo? Tipo, o que te deixa feliz?
Sho parou por um momento, surpreso pela pergunta. Ele franziu o cenho, como se estivesse realmente pensando, antes de responder.
— Gosto de armas brancas. Katanas, principalmente.
Ken arregalou os olhos, surpreso.
— Katanas?
Sho deu de ombros.
— É. São bonitas. Elegantes. E eficientes. Tenho algumas facas e adagas que coleciono também.
Ken tentou esconder seu espanto, mas rapidamente transformou a surpresa em entusiasmo.
— Isso é... interessante. Eu não sabia que você colecionava coisas assim.
Sho não respondeu, apenas continuou caminhando. Para ele, o assunto parecia encerrado. Mas para Ken, a ideia de criar algo especial para seu irmão agora estava mais forte do que nunca.
Assim que chegaram em casa, Sho foi direto para o banheiro, avisando que ia tomar um banho. Ken aproveitou o momento e correu para seu quarto, animado.
Ele pegou seu caderno de desenhos, sentou-se à mesa e começou a esboçar. A ideia era criar uma katana única, algo que representasse Sho de alguma forma. Ele começou com o formato tradicional da lâmina, mas adicionou detalhes especiais: uma guarda em forma de dragão e uma empunhadura com textura de escamas.
Enquanto desenhava, Ken imaginava Sho segurando a katana. Ela parecia combinar perfeitamente com a aura fria e imponente do irmão.
— Espero que ele goste... — murmurou Ken para si mesmo, determinado a fazer o melhor desenho que já tinha feito.
A cada traço, Ken sentia estar se conectando mais a Sho, tentando entender quem ele realmente era através da sua arte.
Ken mergulhou em seu trabalho, ajustando cada detalhe com cuidado. Ele usou sombras e traços para dar profundidade à lâmina e ao cabo, criando uma ilustração que parecia quase real. Queria que o desenho transmitisse a força e a intensidade de Sho, mas também algo mais sutil: um desejo de conexão, de união entre irmãos.
Depois de cerca de uma hora, ele se afastou para observar o que tinha feito. A katana no papel era impressionante, com um design que exalava poder e elegância. Mas ainda faltava algo. Inspirado, Ken adicionou ao fundo uma paisagem: uma noite estrelada com montanhas ao longe e uma lua cheia brilhando intensamente.
Ele segurou o caderno com um sorriso satisfeito.
— Perfeito.
Assim que Ken terminou, ouviu a porta do banheiro se abrir. Sho saiu com o cabelo molhado e uma expressão relaxada pela primeira vez desde que chegara.
— Sho, posso te mostrar uma coisa? — Ken perguntou, hesitante, mas com um brilho nos olhos.
Sho olhou para ele, levantando uma sobrancelha.
— O quê?
Ken pegou o caderno, nervoso, e caminhou até o irmão. Ele hesitou por um momento antes de mostrar o desenho.
— Eu fiz isso pra você.
Sho olhou para o desenho sem dizer nada, seu olhar frio agora focado nos detalhes da katana e na paisagem ao fundo. Ken sentiu o coração acelerar; e se Sho não gostasse?
Após alguns segundos de silêncio, Sho finalmente falou:
— Foi você que fez isso?
— Sim... eu sei que não é grande coisa, mas... eu queria te agradecer por hoje. Você me protegeu, e... bom, é só um presente.
Sho ficou em silêncio novamente, mas algo em sua expressão mudou. Ele pegou o caderno, segurando-o com mais cuidado do que Ken esperava, e olhou o desenho mais de perto.
— É bom. Muito bom. — Sua voz era firme, mas havia um tom de admiração.
Ken sentiu uma onda de alívio e felicidade.
— Você... gostou mesmo?
Sho devolveu o caderno e olhou para o irmão.
— Sim. É impressionante. Você tem talento.
Ken abriu um sorriso enorme, algo que raramente fazia. Sho notou, mas não comentou.
— Talvez... um dia eu faça uma katana assim. — Sho acrescentou, olhando para o desenho com um brilho discreto nos olhos.
— Sério? Você faria isso?
— Por que não? Eu gosto de coisas bem feitas.
Ken riu, ainda radiante.
— Se você fizer, me avisa! Quero ver como fica na vida real.
Sho deu de ombros, mas Ken percebeu um quase sorriso nos lábios dele.
— Vamos ver.
Naquele momento, Ken sentiu que, mesmo com todas as barreiras que Sho parecia ter, havia uma possibilidade de se conectarem. Talvez fossem mais diferentes do que iguais, mas ainda assim, eram irmãos. E isso, para Ken, era o suficiente para continuar a tentar.
Sho fechou a porta de seu quarto e se jogou na cama com um suspiro. O desenho ainda estava em suas mãos, e ele o ergueu para observá-lo sob a luz do abajur. Cada detalhe parecia cuidadosamente pensado, desde as escamas na empunhadura até a lua cheia no fundo. Era algo feito com carinho, algo que ele não estava acostumado a receber.
Ele tirou a toalha dos ombros e vestiu um pijama preto com pequenas katanas brancas estampadas. Enquanto se ajeitava na cama, olhou para o desenho novamente, desta vez com um sorriso discreto no rosto, algo quase imperceptível.
— Então... é assim que é ter uma família amorosa? — murmurou baixinho para si mesmo, ainda encarando o papel.
Sho deixou o desenho no criado-mudo ao lado da cama e ficou em silêncio, olhando para o teto. Pensamentos conflitantes o assaltaram. Ele havia crescido ouvindo de seu pai que sentimentos como amor e carinho eram fraquezas, distrações para quem queria ser forte. Mas agora, com sua mãe e Ken, ele estava experimentando algo diferente, algo que não parecia enfraquecê-lo, mas sim preenchê-lo de um jeito estranho.
Ele olhou para o chão, como se estivesse falando diretamente com o espírito de William.
— Pai... obrigado por tudo o que me ensinou. — A voz de Sho era grave, mas havia uma leve hesitação nela. — Por me preparar, por me mostrar como sobreviver neste mundo. Eu sei que você fez o que achava certo.
Houve uma pausa, enquanto Sho tentava encontrar as palavras certas.
— Mas... isso aqui. Isso que minha mãe e o Ken estão me mostrando... é diferente. — Ele fechou os olhos por um momento. — Não é fraqueza. Acho que pode ser... força também.
Sho balançou a cabeça, como se estivesse tentando afastar a vulnerabilidade que sentia ao dizer aquilo em voz alta.
— Enfim... espero que você esteja em paz, onde quer que esteja.
Ele deu um último olhar para o desenho no criado-mudo antes de apagar a luz. Apesar dos seus pensamentos pesados, havia algo de reconfortante naquela noite. Sho sentiu que, pela primeira vez em muito tempo, ele não estava sozinho. E isso, mesmo que fosse um sentimento novo e estranho, o fazia sentir-se um pouco mais humano.
Ken desceu as escadas correndo, com um sorriso de orelha a orelha. Ele encontrou Miku sentada no sofá, com uma xícara de chá em mãos, assistindo a um programa na TV. Ao ouvir os passos apressados, ela virou o rosto com curiosidade.
— O que foi, Ken? — perguntou ela, sorrindo ao ver o entusiasmo do filho.
— Mãe! — ele começou, quase sem fôlego. — Eu fiz um desenho para o Sho, e ele disse que gostou!
Miku arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— É mesmo? Sho disse isso?
Ken assentiu vigorosamente, sentando-se ao lado dela.
— Sim! Ele disse que foi bom e até pareceu... sei lá, impressionado! Eu acho que ele gostou de verdade!
Miku riu suavemente, sentindo o entusiasmo contagiante de Ken.
— Isso é ótimo, querido. Eu sabia que você encontraria uma maneira de se aproximar dele.
Ken inclinou a cabeça, pensativo.
— Sabe, mãe, ele é tão... sério e fechado. Mas quando ele olhou para o desenho, parecia diferente, como se estivesse realmente... feliz, mesmo que ele não tenha sorrido muito.
Miku pousou a xícara na mesa e colocou uma mão no ombro de Ken.
— Sho passou por muitas coisas difíceis, Ken. Ele teve que crescer rápido com o seu pai sendo tão rígido e disciplinado. Talvez ele nunca tenha tido a chance de ser um garoto normal, de aproveitar as coisas simples da vida, como... um desenho feito por um irmão mais novo.
Ken abaixou os olhos, refletindo sobre as palavras da mãe.
— Eu quero fazer mais por ele, mãe. Quero que ele se sinta em casa, que ele saiba que pode contar comigo.
Miku sorriu, sentindo-se orgulhosa do filho.
— Você já está fazendo isso, Ken. Só o fato de se preocupar com ele já significa muito. Continue sendo você mesmo, mostrando sua bondade. Sho vai perceber, mesmo que demore um pouco.
Ken assentiu, determinado.
— Eu acho que vou desenhar mais coisas pra ele. Ele disse que gosta de armas brancas, principalmente katanas. Talvez eu desenhe um conjunto completo ou algo assim!
Miku riu novamente, acariciando o cabelo de Ken.
— Tenho certeza de que ele vai adorar. E Ken... obrigada por ser tão amoroso. Vocês dois são tão diferentes, mas isso é o que torna tudo mais especial.
Ken abriu um sorriso tímido, mas brilhante, antes de se levantar.
— Obrigado, mãe. Eu vou pro meu quarto pensar no próximo desenho!
— Boa ideia, querido. E lembre-se: você está fazendo um ótimo trabalho.
Ken correu para as escadas, animado, enquanto Miku suspirava, olhando para a xícara nas suas mãos. Ela sentia que, apesar dos desafios, os dois irmãos estavam começando a construir algo precioso. E isso era tudo o que ela queria.
A madrugada estava silenciosa, mas na mente de Sho, o silêncio era quebrado pelos gritos e pela figura imponente de seu pai. A memória veio como uma tempestade: William exigindo que ele refizesse um movimento de combate com a espada de madeira.
— Mais uma vez, Sho! — a voz grave ecoava. — Não é assim que se segura uma lâmina!
Sho, pequeno e tremendo, repetiu o movimento inúmeras vezes. Quando finalmente parou, pensando ter acertado, sentiu o impacto da mão de William em seu rosto.
— Fraqueza não é tolerada aqui! Se falhar, será inútil!
O sonho terminou abruptamente com Sho acordando ofegante. Seu peito subia e descia rapidamente, o suor escorrendo de sua testa. Ele levou as mãos ao rosto, tentando afastar a memória, mas o eco das palavras ainda estava lá. Ele olhou ao redor, o quarto silencioso, mas apertado, como se as paredes o sufocassem.
— Droga... — ele murmurou, passando a mão pelo cabelo bagunçado.
Sho decidiu sair dali. Ele precisava de algo para acalmar os nervos, então desceu até a cozinha, descalço, com o piso frio o ajudando a se ancorar na realidade. Ele abriu a geladeira para pegar água, mas antes de encher o copo, percebeu uma luz acesa.
Miku estava na cozinha, mexendo uma panela no fogão. O aroma doce de chocolate quente preenchia o ar. Ao notar Sho parado na entrada, ela ergueu o olhar e o observou com preocupação.
— Sho? O que faz acordado a essa hora?
Sho hesitou, tentando compor sua expressão fria, mas seu rosto ainda carregava o vestígio do pesadelo.
— Só vim pegar água. Não consigo dormir.
Miku franziu o cenho levemente, mas não comentou sobre seu estado. Em vez disso, ela abriu um sorriso suave.
— Está com sorte. Estou fazendo chocolate quente. Que tal tomar um comigo?
Sho, desconfortável, balançou a cabeça, mas Miku já estava pegando outra xícara.
— Vai te ajudar a relaxar. Sente-se, querido.
Sem jeito, ele obedeceu, sentando-se à mesa enquanto ela colocava o leite e o chocolate em pó na xícara extra. O silêncio entre eles era pesado, mas Miku não parecia apressada em quebrá-lo. Ela se virou para ele enquanto o chocolate fervia, analisando seu rosto com um olhar compreensivo.
— Sho... você parece preocupado.
Ele desviou o olhar, cruzando os braços.
— Não é nada.
Miku se aproximou, colocando a mão em seu ombro.
— Sho, eu sou sua mãe. Eu consigo perceber quando algo está errado.
Sho hesitou novamente, seu olhar fixo na mesa. Por fim, ele soltou um suspiro pesado.
— Eu só... — Ele pausou, tentando encontrar as palavras. — Eu não quero falhar.
Miku franziu a testa, confusa.
— Falhar em quê, querido?
Ele apertou os punhos, os nós dos dedos ficando brancos.
— Em... atender às suas expectativas.
Miku ficou em silêncio por um momento, processando o que ele acabara de dizer. Sho olhou para ela rapidamente, tentando decifrar sua reação, mas sua mãe apenas suspirou e pegou a xícara de chocolate quente, entregando-a a ele.
— Sho, querido... você acha que eu espero perfeição de você?
Sho pegou a xícara, mas não respondeu. Ele deu um pequeno gole, sentindo o calor do líquido descendo por sua garganta. Finalmente, ele respondeu em voz baixa:
— Meu pai esperava.
Miku sentiu seu coração apertar. Ela se sentou ao lado dele, colocando sua própria xícara na mesa.
— William... ele era um homem complicado. Mas, Sho, eu não sou ele. E não espero que você seja perfeito.
Sho manteve os olhos na xícara, sem saber o que dizer.
— Eu só quero que você seja feliz. É só isso que importa para mim.
Ele olhou para ela finalmente, seus olhos azul-claros brilhando com um misto de confusão e alívio.
— Felicidade?
Miku sorriu.
— Sim, Sho. Felicidade. Não força, não perfeição, não nada disso. Apenas você, feliz.
Sho ficou em silêncio, mas algo em sua expressão suavizou. Ele abaixou a cabeça, refletindo sobre as palavras dela. O silêncio foi interrompido apenas pelo som do chocolate sendo bebido lentamente.
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Atualizado até capítulo 57
Comments
Noxinfinity
eu.... sinto alguma coisa a apertar no meu peito
2025-01-19
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