Dias difíceis

Dentro do carro, sentia meu corpo se acalmando lentamente. Minha respiração estava mais controlada, e eu já tinha decidido que falaria com Kevin sobre o ocorrido. Ele parecia imóvel no volante, sem me olhar, mas também sem demonstrar raiva. Coloquei minha mão sobre sua perna, o que finalmente o fez virar o rosto para mim.

— Você se acalmou? Ou vou ter que dirigir mais um pouco? Já passamos a rua da sua casa umas cinco vezes.

Eu não pude evitar um riso nervoso. Era estranho, mas algo na situação parecia engraçado. Kevin me lançou um olhar incrédulo, e agora estava visivelmente irritado.

— Ainda vamos para a boate hoje? — perguntei com um sorriso, tentando descontrair.

Ele me ignorou, como se não pudesse acreditar no que eu tinha acabado de dizer.

— Tá, então eu vou sozinha. — desafiei.

Kevin parou o carro bruscamente. Seu olhar encontrou o meu com uma intensidade que quase me fez recuar.

— O que você está esperando que eu diga? — perguntou, mantendo a voz baixa, mas carregada de emoção.

Dei de ombros, tentando esconder o desconforto, o que só pareceu irritá-lo mais.

— Acabamos de causar um climão entre nossos amigos, e você ainda pensa em sair? — ele retrucou, cheio de desdém.

— Eu não tenho culpa se a Amanda quis dar em cima de você. Ela me olha com desprezo desde que voltei, e ainda tem as provocações. — Minha irritação estava crescendo.

Kevin desviou o olhar para a janela, como se estivesse tentando se controlar. O silêncio dele me confundia, e eu não entendia por que ele parecia tão chateado.

— Você parou para pensar em como a Amanda vai se sentir? — murmurou ele, quase num sussurro.

Aquilo foi o suficiente para me fazer perder a paciência. Saí do carro, batendo a porta com força. Ele só podia estar brincando comigo. Comecei a andar rápido, mas Kevin me alcançou em questão de segundos.

— O que você quer? — perguntei, acelerando os passos para me afastar dele.

Ele tentou segurar meu braço, mas desviei, e ele correu um pouco à minha frente, bloqueando meu caminho.

— Eu só quis dizer... — começou ele, sem conseguir terminar.

— Que eu exagerei? — interrompi, cheia de sarcasmo. — Tenho noção disso. Mas Amanda não é uma coitadinha. E só de você defendê-la depois do que aconteceu entre vocês dois...

— Não aconteceu nada entre nós dois! — interrompeu Kevin, irritado, a voz firme.

— Será mesmo, Kevin? — retruquei, com um sorriso debochado.

O olhar de decepção que ele lançou me fez hesitar por um segundo, mas logo continuei andando. Eu já estava próxima de casa, e dessa vez Kevin não me seguiu. Eu sabia que tinha ultrapassado o limite mais uma vez, mas algo dentro de mim ainda queimava. Não era só raiva — era mágoa, era confusão... e, no fundo, talvez algo que eu não queria admitir: medo de perder Kevin.

Quando cheguei em casa, encontrei meu pai sentado na varanda, ainda com a farda do trabalho, um copo de whisky na mão e o olhar perdido no horizonte. O peso nos ombros dele parecia maior do que nunca.

— O que o xerife está fazendo bebendo a essa hora? — brinquei, tentando aliviar o clima com um sorriso.

Ele abaixou a cabeça, suspirando profundamente. Eu sabia que ele estava abatido com a partida da minha mãe para visitar minha avó no Brasil. Mas, no fundo, eu temia que ele soubesse o mesmo que eu: ela talvez não voltasse.

— Sua mãe já fez as malas. Ela parecia bem apressada. — Sua voz saiu mais baixa, quase quebrada, enquanto ele tomava mais um gole da bebida.

Sentei-me ao lado dele, e num gesto espontâneo, bati de leve no braço dele, pedindo um gole. Ele hesitou, o que era esperado, já que eu só tinha dezesseis anos. Mas, por fim, cedeu, me passando o copo.

— Ela vai voltar, papai. — Falei com firmeza antes de tomar um gole do whisky, surpreendendo-o por não fazer careta.

Ele me observou em silêncio, como se já soubesse que, nos últimos meses, eu tinha esvaziado discretamente algumas garrafas para anestesiar minhas próprias dores. Não era algo que ele aprovava, mas também não era algo que ele conseguia controlar.

— Sua mãe e eu estamos brigando mais do que o normal. Não acho que vai ter volta dessa vez. — Ele balançou a cabeça e encheu o copo novamente, como se isso fosse a única coisa que pudesse aliviar sua frustração.

Peguei sua mão antes que ele tomasse outro gole e, num movimento decidido, tomei o copo de suas mãos. Levantei-me e despejei o restante do whisky no jardim.

— Já chega por hoje. Você tem que ir trabalhar daqui a pouco. Quer que eu prepare o almoço pra você? — Perguntei, pegando a garrafa antes que ele pudesse contestar.

Ele me olhou por um momento, seu rosto uma mistura de resignação e gratidão.

— Sim, por favor. — respondeu com a voz desanimada, antes de recostar na cadeira.

Entrei na casa com a garrafa em mãos, determinada a cuidar dele, mesmo quando ele parecia incapaz de cuidar de si mesmo.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!