As Dores de Durcan
Os ventos do oceano passam sobre a areia de uma praia desértica, em uma pequena ilha no Atlântico, a incitar as fortes ondas de água salgada a tomarem, temporariamente, a orla. Um pássaro sobrevoa a região a fim de repousar dos seus ferimentos, e o grupo que ele acompanhava continua a seguir viagem e deixá-lo para trás:
— Espera, o que é isso?... – (Observa atentamente após pousar na areia da praia) – Alguém está deitado, talvez está a dormir – (se aproxima devagar, para enxergar melhor) – Aparenta estar morto mas está vivo, se está a respirar é porque está vivo. – termina de dizer o pássaro curioso que decide subir em cima do corpo que estava inconsciente na areia. – Ei! Garoto! – Diz a decidir pular insistentemente no peitoral encharcado daquele pequeno ser que estava com o rosto virado para o mar.
Quase inesperadamente, para a surpresa daquele pássaro de venda cinza e tagarela, as pálpebras do menino caucasiano lentamente abriam-se a revelar a sua íris azul claro, a sua pupila dilatada e o seu repentino espanto e medo, sem um aviso, o garoto levanta e o pássaro que estava no seu peito cai na areia.
Com o seu cabelo loiro bagunçado e sujo pela areia, descalço e sem saber onde estava; o seu olhar perdido percorria por todos os lados a procura de alguém que um dia esteve ali:
— Ele tem os olhos do oceano! – Expressa o pássaro tão encantado, com o olhar fixo para ele. – É uma pena esse olhar estar perdido. – diz ao levantar-se e caminhar para o meio da praia, onde as ondas não alcançam.
— Onde eu estou? — Pergunta para si mesmo, enquanto verificava as suas mãos, os seus pés e o seu short azul, até perceber a presença de um pássaro migratório e tentar aproximar-se, para interagir com ele.
Ao perceber a intenção do garoto, o pássaro logo adverte-o: — Nem pense em tocar na minha plumagem com essas mãos sujas! – Voa um pouco acima do menino para não ser alcançado por ele, e fica a pairar no ar.
— Você fala! – Aponta surpreso para a ave, após dizer isso.
— E você enxerga, tão, mas tão bem! Que pode ver que estou machucado e preciso recuperar-me desses ferimentos a tempo… –pousa lentamente de frente para o menino, que tinha sentado com as mãos sobre os joelhos. –... De poder chegar ao meu destino. – diz enquanto o menino o observava curioso.
— Eu estou perdido e não sei onde estou, e não sei nem ao menos, como eu vim parar aqui. Será que você pode me ajudar, pássaro? – pergunta ao levantar-se e sentar ao lado dele, com as pernas cruzadas, de frente ao mar.
— Por que eu ajudaria você? Eu estou sozinho e machucado e ninguém me ajudou.
Em resposta, o garoto olha para os lados e diz ao pássaro de venda cinza:
— Porque eu não tenho mais ninguém que faça isso por mim, e também, você não está mais sozinho. Eu estou aqui com você. – aos poucos o corpo molhado do garoto começa a secar com o sol radiante de um final de tarde.
— Essas palavras teriam algum valor para mim, se tivéssemos um laço sentimental, e não temos, não nos conhecemos e com certeza, não sabemos o que somos, um para o outro. Consegue entender isso? – pergunta a esperar com calma, uma resposta.
— Hum… (pensativo) já sei! Podemos criar laços agora! E eu não me importo em saber que é um pássaro, afinal, quem não quer ser amigo de um pássaro falante? – diz o garoto empolgado pela sua ideia.
— … as pessoas que não gostam de papagaios? – Responde o pássaro, o interrompendo. – Escuta, garoto. A última vez que criei laços com pessoas, foi só para no final, esses mesmos laços prenderem-me numa gaiola.
— Mas eu não vou prender você, e papagaios não falam, eles apenas imitam o que dissemos. — responde o menino, enquanto o sol se põe no horizonte do mar.
— A vida é feita de imitações, alguns dizem que é “inspiração”, mas é só imitação daquilo que já existe, ainda que eles nem mesmo saibam disso.
— Você fala como um humano. – diz ao olhar para o pássaro. – Um humano falaria essas coisas. – olha novamente para o horizonte.
— Não diga isso, eu não sou bom o suficiente para ser visto como um humano. – diz a olhar para o garoto. – Você acordou assustado e até agora não para de olhar para as ondas, elas te assustam? – pergunta ao olhar novamente para o horizonte.
— Não as ondas… (pensativo) o mar, eu tenho medo do mar. – o seu olhar torna-se fixo para o nada, como um olhar perdido para o nada.
— Tem medo do que tem dentro dele, ou…
— Não do que tem dentro dele… do que é, do que ele pode fazer. – Então, o garoto volta a pôr os joelhos para cima, onde apoia o seu queixo, enquanto segura as suas pernas sem deixar de manter o olhar para o nada. — Eu tenho medo de me afogar.
— Você não tem medo de se afogar, até que se afogue. Não pode ter medo daquilo que não aconteceu, porque aquilo, até que aconteça, só existe nos seus pensamentos, e eles nem sempre tornam-se reais.
— Hum… (pensativo) você é real? – olha novamente para o pássaro.
— Quem é real? — responde imediatamente para o garoto.
— Eu sou real… você também é real, é real para mim. – volta a olhar para o horizonte. – preciso voltar para a casa, os meus pais devem estar a esperar-me.
— Não se preocupe, garoto… (suspira) irei ajudar-te a voltar para a casa. — diz a olhar atentamente para o garoto que por um momento, esquece que está ali.
“Ele não está ali… uma crise está. Ele tenta resistir, mas o seu esforço é vão, a crise é mais forte que as suas próprias forças, e entrar nela é como entrar no fundo do mar, quanto mais fundo se entra mais pressão se sente, até os ossos quebrarem e a vida se esvair, é lá mesmo, onde a luz não chega e a ajuda não alcança… afogar-se é só o começo.”
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Atualizado até capítulo 37
Comments
ardem_007
esse pássaro é tipo aquele gato de Alice no país das maravilhas... sábio e sombrio
2024-12-13
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Mah
Nossa, isso foi tão profundamente doloroso de tão verdadeiro que foi 😭
2024-12-18
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