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As Dores de Durcan

|T01E01| A Praia - Parte 1

Os ventos do oceano passam sobre a areia de uma praia desértica, em uma pequena ilha no Atlântico, a incitar as fortes ondas de água salgada a tomarem, temporariamente, a orla. Um pássaro sobrevoa a região a fim de repousar dos seus ferimentos, e o grupo que ele acompanhava continua a seguir viagem e deixá-lo para trás:

— Espera, o que é isso?... – (Observa atentamente após pousar na areia da praia) – Alguém está deitado, talvez está a dormir – (se aproxima devagar, para enxergar melhor) – Aparenta estar morto mas está vivo, se está a respirar é porque está vivo. – termina de dizer o pássaro curioso que decide subir em cima do corpo que estava inconsciente na areia. – Ei! Garoto! – Diz a decidir pular insistentemente no peitoral encharcado daquele pequeno ser que estava com o rosto virado para o mar.

Quase inesperadamente, para a surpresa daquele pássaro de venda cinza e tagarela, as pálpebras do menino caucasiano lentamente abriam-se a revelar a sua íris azul claro, a sua pupila dilatada e o seu repentino espanto e medo, sem um aviso, o garoto levanta e o pássaro que estava no seu peito cai na areia.

Com o seu cabelo loiro bagunçado e sujo pela areia, descalço e sem saber onde estava; o seu olhar perdido percorria por todos os lados a procura de alguém que um dia esteve ali:

— Ele tem os olhos do oceano! – Expressa o pássaro tão encantado, com o olhar fixo para ele. – É uma pena esse olhar estar perdido. – diz ao levantar-se e caminhar para o meio da praia, onde as ondas não alcançam.

— Onde eu estou? — Pergunta para si mesmo, enquanto verificava as suas mãos, os seus pés e o seu short azul, até perceber a presença de um pássaro migratório e tentar aproximar-se, para interagir com ele.

Ao perceber a intenção do garoto, o pássaro logo adverte-o: — Nem pense em tocar na minha plumagem com essas mãos sujas! – Voa um pouco acima do menino para não ser alcançado por ele, e fica a pairar no ar.

— Você fala! – Aponta surpreso para a ave, após dizer isso.

— E você enxerga, tão, mas tão bem! Que pode ver que estou machucado e preciso recuperar-me desses ferimentos a tempo… –pousa lentamente de frente para o menino, que tinha sentado com as mãos sobre os joelhos. –... De poder chegar ao meu destino. – diz enquanto o menino o observava curioso.

— Eu estou perdido e não sei onde estou, e não sei nem ao menos, como eu vim parar aqui. Será que você pode me ajudar, pássaro? – pergunta ao levantar-se e sentar ao lado dele, com as pernas cruzadas, de frente ao mar.

— Por que eu ajudaria você? Eu estou sozinho e machucado e ninguém me ajudou.

Em resposta, o garoto olha para os lados e diz ao pássaro de venda cinza:

— Porque eu não tenho mais ninguém que faça isso por mim, e também, você não está mais sozinho. Eu estou aqui com você. – aos poucos o corpo molhado do garoto começa a secar com o sol radiante de um final de tarde.

— Essas palavras teriam algum valor para mim, se tivéssemos um laço sentimental, e não temos, não nos conhecemos e com certeza, não sabemos o que somos, um para o outro. Consegue entender isso? – pergunta a esperar com calma, uma resposta.

— Hum… (pensativo) já sei! Podemos criar laços agora! E eu não me importo em saber que é um pássaro, afinal, quem não quer ser amigo de um pássaro falante? – diz o garoto empolgado pela sua ideia.

— … as pessoas que não gostam de papagaios? – Responde o pássaro, o interrompendo. – Escuta, garoto. A última vez que criei laços com pessoas, foi só para no final, esses mesmos laços prenderem-me numa gaiola.

— Mas eu não vou prender você, e papagaios não falam, eles apenas imitam o que dissemos. — responde o menino, enquanto o sol se põe no horizonte do mar.

— A vida é feita de imitações, alguns dizem que é “inspiração”, mas é só imitação daquilo que já existe, ainda que eles nem mesmo saibam disso.

— Você fala como um humano. – diz ao olhar para o pássaro. – Um humano falaria essas coisas. – olha novamente para o horizonte.

— Não diga isso, eu não sou bom o suficiente para ser visto como um humano. – diz a olhar para o garoto. – Você acordou assustado e até agora não para de olhar para as ondas, elas te assustam? – pergunta ao olhar novamente para o horizonte.

— Não as ondas… (pensativo) o mar, eu tenho medo do mar. – o seu olhar torna-se fixo para o nada, como um olhar perdido para o nada.

— Tem medo do que tem dentro dele, ou…

— Não do que tem dentro dele… do que é, do que ele pode fazer. – Então, o garoto volta a pôr os joelhos para cima, onde apoia o seu queixo, enquanto segura as suas pernas sem deixar de manter o olhar para o nada. — Eu tenho medo de me afogar.

— Você não tem medo de se afogar, até que se afogue. Não pode ter medo daquilo que não aconteceu, porque aquilo, até que aconteça, só existe nos seus pensamentos, e eles nem sempre tornam-se reais.

— Hum… (pensativo) você é real? – olha novamente para o pássaro.

— Quem é real? — responde imediatamente para o garoto.

— Eu sou real… você também é real, é real para mim. – volta a olhar para o horizonte. – preciso voltar para a casa, os meus pais devem estar a esperar-me.

— Não se preocupe, garoto… (suspira) irei ajudar-te a voltar para a casa. — diz a olhar atentamente para o garoto que por um momento, esquece que está ali.

“Ele não está ali… uma crise está. Ele tenta resistir, mas o seu esforço é vão, a crise é mais forte que as suas próprias forças, e entrar nela é como entrar no fundo do mar, quanto mais fundo se entra mais pressão se sente, até os ossos quebrarem e a vida se esvair, é lá mesmo, onde a luz não chega e a ajuda não alcança… afogar-se é só o começo.”

|T01E02| A Praia - Parte 2

— O que está acontecendo comigo? Eu me sinto tão estranho, tão… estranho, é como se eu soubesse que não estou aqui… eu não estou aqui! Eu devo estar louco, mas… definitivamente não estou em frente a praia, ao lado de um pássaro falante e com apenas esse short… espera… (observa o seu corpo) esse não sou eu! O que eu estou fazendo nesse corpo? Não…, não…, não… devo estar em um sonho, eu não posso acreditar que eu estou aqui e que eu sou assim! Eu não falo desse jeito e com certeza não falo com animais falantes! Se eu visse um animal falante na minha frente, certamente correria. O que eu estou fazendo nessa praia? Porque não consigo correr? Onde estão os meus verdadeiros pés, as minhas verdadeiras mãos e o meu verdadeiro corpo? Onde eu estou?

— Bem aqui ao meu lado… – responde o pássaro, que ouvia tudo o que garoto pensava em voz alta, ainda que fosse apenas sussurros. – Eu tenho uma boa audição, sabia? – com o susto, o menino corre a dar alguns passos para a frente, até perceber que o pássaro estava ali.

— Tinha esquecido que estava ao meu lado… (suspira aliviado) – o que aconteceu? – pergunta a coçar a cabeça sem entender.

— Eu é quem pergunto. Estávamos conversando e após isso, ficamos em silêncio até o sol repousar no horizonte, e de repente, você entrou numa crise. – Explica para ele e voa a dar uma volta em torno dele, e em seguida, retorna onde estava.

— Você ouviu o que eu disse, não foi? – (o pássaro balança a cabeça a indicar que sim, e logo após essa reação de resposta o menino continua) – Então, você pode entender o que eu quero dizer… eu estou em uma corpo que não é meu, em um lugar que não estou, e falando com uma ave que não existe! Porque nada existe, esse lugar não existe, você não existe… eu não existo! – De repente, a ave voa e com o seu bico fere a testa de garoto, que reage com um breve grito de dor, a esfregar a palma da mão na testa levemente.

— Porque fez isso? — pergunta o garoto irritado pelo que o pássaro tinha feito.

— Para trazê-lo novamente à realidade. — responde o pássaro a ser interrompido em seguida.

— Abrindo uma ferida em mim, com o seu bico? — questiona ele, ao olhar para os seus dedos das mão em que passavam levemente no ferimento, percebendo estarem com sangue.

— Algumas feridas são necessárias para nos trazer novamente à realidade. O que vê nos seus dedos não é somente o seu sangue, é a sua vida que saiu do seu corpo para que a veja e não esqueça que ela existe…, você existe! E que ela depende de você para continuar a existir. Você depende de si mesmo para continuar existindo.

— Mas, mas… (começa a chorar) eu não sei lidar com essas crises que tenho… os meus pais, eles… eles não entendem isso. – (lágrimas escorrem pelo seu rosto, sem parar) – O meu pai, ele… ele me culpa muito… – (começa a limpar o rosto das lágrimas enquanto elas continuam a cair. – … Pelo que aconteceu com a minha mãe… eu… eu não tive culpa! Mas eu sinto culpa… – por um instante, o garoto perde as forças das pernas e cai de joelhos.

— Eu confesso que por um momento, pensei em esperar que desabafasse tudo o que estava a encher o seu interior até transbordar pelos seus olhos, para então, o consolar. Porém, preferi deixar primeiro as lágrimas aliviarem a dor que sente em seu fragilizado e inocente coração, para depois, poder dizer o que penso sobre tudo isso, e você precisa estar calmo para me ouvir bem. – Então, o pássaro pega com o seu bico embaixo de uma das suas asas, um curativo e entrega na mão do garoto, que pega a ter parado de chorar.

— Qual é o seu nome? — pergunta curioso, enquanto colocava o curativo.

— Pardolome… não chore mais, essa crise já passou. Agora enxergue além do que irei dizer. – (Por um momento, o som das ondas diminui)

— Eu queria que essa dor não existisse. – expressa o garoto, já calmo do seu momento de crise.

— A dor é um dos únicos atributos que acompanham os seres vivos, até os seus últimos momentos, se entender isso, poderá sobreviver nesse mundo. Essa dor que você sente é necessária, ainda que não saiba a necessidade… – (de repente, Pardolome começa a sentir os seus ferimentos) — A dor sempre iremos sentir, ainda que seja insuportável, ainda que seja incômoda e o faça esperar e pensar o pior!... Mas a verdade é que a dor sempre iremos sentir, já a ausência dela, nunca. – (a dor intensifica e o faz perder as forças e cair na areia)

— Pardolome!... – grita o garoto que vai até a sua direção para o ajudar. – Eu vou ajudar você a ficar bem, não faça esforço… – coloca o seu curativo em um ferimento encontrado na asa esquerda dele. – posso me curar sozinho, você não… – Ao colocá-lo em seus braços, Pardolome permanece imóvel, a recuperar as suas forças.

— Não tenha tanta certeza…

— Jeremy!... Jeremy Olsen.

— Então esse é o seu nome… — diz surpreso ao retomar a palavra. — Não tenha tanta certeza, Jeremy. — Enquanto falava, por um momento, o garoto consegue ver por uma pequena fresta na venda cinza do pássaro, um olhar penetrante escondido nele.

— Somos amigos, não é? — Pergunta ansioso por um sim.

— O que você acredita ser um amigo, Jeremy? – Responde sem esperar ser respondido.

— Eu… eu não sei. — responde em seguida, ainda a tentar pensar em uma resposta.

— Já esperava que não conseguisse responder a minha pergunta, mas, ainda sim, quis perguntar. Não tenha pressa em querer responder todas as perguntas, muitas delas não tem a resposta que desejamos receber, e, algumas delas, não podem ser pressionadas a serem respondidas, quando ainda não estamos preparados para sabermos. Se insistir antes do tempo, irá frustrar-se e criar uma mentira a fim de preencher os seus questionamentos, e, consequentemente, o impedindo de saber e encontrar a verdadeira resposta.

Repentinamente, o som das ondas aumenta, a lua e as estrelas iluminam a extensa praia até o horizonte.

— E isso é mau? — pergunta Jeremy, querendo entender tudo o que o Pardolome dizia.

— É mau para si mesmo e as pessoas próximas a você. – E então o pássaro vira o rosto em direção ao mar, e o garoto o acompanha na mesma direção. — Não tenha medo do mar, Jeremy, aprenda a nadar…

|T01E03| A Praia - Parte 3

"Não tenha medo do mar, Jeremy, aprenda a nadar e ela irá tornar-se a sua companheira."

Não havia lugar para eles ficarem, a floresta era densa e obscura, até mesmo durante o dia, e a praia cobria todo o entorno da ilha. Jeremy sentia o seu corpo diferente, ele não sentia sono, fome ou sede; a sua estrutura física era fora do comum, e o tempo naquele lugar acelerava, diminuindo o tempo da noite e do dia.

A noite de doze horas findou-se repentinamente após algumas horas, e o amanhecer começou no horizonte:

Jeremy — Até quando vamos andar em círculos nessa praia? — pergunta cansado de caminhar. — Andamos a noite toda…

Pardolome — Primeiro, a noite aqui pode ser mais curta que o comum, segundo, você tem capacidade de recuperar as suas energias rapidamente, e terceiro, olhe por onde anda. — Diz enquanto o acompanha a sobrevoar.

Jeremy tropeça numa pedra escondida na areia e cai de joelhos bruscamente, se cortando num caco de vidro de garrafa:

Jeremy — Que dor... dói muito isso... eu nunca me cortei antes — Diz ao tirar o pedaço de vidro que ficou preso nele. — Pardolome, por que não me ajuda? — chama atenção dele, que se afasta e voa a uma certa altura e distância, completamente em silêncio.

E de repente, a ferida de Jeremy começa a brilhar e curar, sem nenhuma explicação, o que deixa ele sem entender o que acontecera, e ao verificar o ferimento na testa com a sua mão, para o seu espanto imediato, essa ferida também havia desaparecido.

Pardolome se aproxima dele e o levanta, enquanto o garoto indignado, o questiona:

Jeremy — O que aconteceu, Pardolome? Estava a agir estranho ao se afastar e não me socorrer enquanto eu estava ferido. — Se levanta a pegar a pedra em que tropeçou. — Você não vai acreditar no que aconteceu, consegui curar-me do corte que sofri pelo caco de vidro, e tudo isso por causa dessa pedra no meu caminho! — Atira a pedra para a frente, que acerta uma parede invisível e volta no chão ao lado dele. — O que é isso? — pergunta sem acreditar no que viu.

Pardolome — Encontrei o que procurava, agora estamos um passo próximo de você voltar para a casa, Jeremy.

Jeremy — O quê? Encontrou o que procurava... Um passo próximo de casa... Do que você está a falar? — Diz confuso com toda aquela situação. — Está a dizer que esse negócio invisível que eu não sei o que é, irá levar-me para a casa?

Pardolome — Esse "negócio" que você chama é uma casa, e não é ela que irá levá-lo para a casa, e sim, você mesmo.

Jeremy — Eu? — Olha para ele que voa até em cima daquela estrutura invisível.

Pardolome — Se quiser voltar para casa, precisamos trabalhar juntos. Existe um único jeito de você voltar para a casa, e eu vou ajudá-lo. — Diz enquanto Jeremy apenas o observa atento no que ele dizia. — Toda essa ilha está sob o efeito de um fragmento desconhecido e poderoso, que contamina e afeta tudo o que está na sua área, incluindo nós. Mas não se assuste, podemos usar esse poder ao nosso favor, para levá-lo para casa.

Jeremy — Como?... — Pergunta ao aproximar do grande imóvel invisível e tentar de alguma maneira, trocá-lo.

Pardolome — Esse fragmento foi dividido em partes, o que precisamos fazer é pegar cada uma delas e juntar em um fragmento completo novamente. E não fique a perguntar se vai conseguir, você não está sozinho.

Jeremy — Mas... Eu nem ao menos sei viver sozinho, eu sou só um garoto perdido e com medo de nunca mais voltar para casa. — Diz a expressar desânimo e receio de continuar.

Pardolome — Você saberá viver, se confiar em si mesmo, esse é o seu primeiro passo. Escute, Jeremy, se não confiar em si mesmo, ninguém irá…

Jeremy — ... O que isso tem a ver com voltar para a casa? — ao dizer isso, vira de costa para ele e fica a olhar para o mar.

Pardolome — Jeremy! Se não consegue ser capaz de confiar em si mesmo, e olhar além das suas próprias limitações, junto de alguém que pode ajudar-te, é melhor você seguir sozinho por essa praia a própria sorte, tentando voltar para casa. E não adianta olhar para o mar como se ele tivesse a resposta e o resgate que você procura...

(Enquanto Pardolome falava, a realidade em torno dele se distorcia e o que era, inicialmente invisível, agora podia ser visto, uma casa grande de dois andares)

Pardolome — ... Porque eles não virão ao resgate, ninguém virá... Para nós, esse lugar existe, mas para o restante do mundo, esse lugar não está nem no mapa! Sei bem que nesse momento, deve haver muitas perguntas no seu pensamento, sobre tudo o que acontece nessa ilha, mas, se quiser as respostas que precisa, deve começar a procurá-la agora.

Jeremy não diz uma palavra, apenas a ouvir tudo o que Pardolome lhe dizia, ainda relutante sobre o que faria, mas já convencido que precisava continuar ao lado dele até conseguir escapar daquela ilha:

Pardolome — Essa casa é praticamente a ponte que nos dá o acesso para onde está as partes desse fragmento poderoso, em cada cômodo existe uma entrada para uma dimensão. Todas as partes desse fragmento estão em dimensões diferentes, sob a proteção de alguém que o protege, é semelhante há um ovo dentro de uma toca bem protegida por um animal selvagem. Entramos na toca, eliminamos a ameaça e levamos o ovo connosco... — Explicar ao perceber Jeremy virar para ele, novamente.

Jeremy — Eu sei que devo ter algum poder, já que você mesmo disse que todos os que estão nessa ilha, são afetados... Ainda que eu tenha alguma vantagem com esses poderes, são várias tocas diferentes, vários ovos bem escondidos nelas, e várias ameaças que as protegem...

Pardolome — Não são muitas partes, apenas algumas. E como eu disse antes, você não está sozinho e também...

A venda cinza que estava amarrada nele cai, a revelar os seus olhos reluzentes, que mais pareciam duas nebulosas em constante movimento dentro deles:

Pardolome —... Você não é o único que tem poderes aqui, Jeremy...

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