Capítulo 16 • Vittoria Fainello

Oh. Meu. Deus!

O que aconteceu aqui neste quarto?

Por um momento, sinto que já faz muito tempo desde que eu estava sentada no chão, sob uma chuva forte, pedindo para que Deus me libertasse dessa vida de dor. Mas a verdade é que não faz nem duas horas desde que deixei o quarto e fui em direção à tempestade.

Alessandro tem a capacidade de transformar tudo ao seu redor. Ele é tão intenso e poderoso que, por alguns momentos, acho até que ele consegue controlar o tempo, mesmo sabendo que isso é impossível para um humano.

Minhas bochechas ficam vermelhas enquanto ele se aproxima calmamente de mim, trazendo uma bandeja com comida cujo aroma está maravilhoso.

Meus olhos se encontram rapidamente com os da mulher antes que ela feche a porta do quarto, nos deixando sozinhos novamente. Ai, o que será que ela pensou ao nos ver dessa forma? Alessandro está usando apenas uma calça que não disfarça o volume entre suas pernas, e eu estou vestindo uma das suas camisas largas.

– Você está com fome, Vittoria? – Alessandro senta-se ao meu lado, cruzando a perna esquerda sobre a cama. Depois de tirar a tigela com o caldo quente e encher uma colher, ele a aproxima dos meus lábios.

– Não muito – respondo sinceramente, porque depois de tudo que aconteceu entre nós, a última coisa em que consigo pensar é em estar com fome de comida.

– Vittoria, você jantou hoje? – pergunta Alessandro enquanto coloca mais uma colherada na minha boca. Eu balançava a cabeça em negação – Você emagreceu – ele comenta.

– Talvez um pouco.

– Por que não estava se alimentando, Vittoria?

– Não estava com fome – ao ouvir isso, ele estreita os olhos para mim.

– Mas é necessário comer para se recuperar mais rápido – ele me dá outra colherada e foca nos meus lábios – Agora, mais ainda – ele finaliza com a voz rouca. Desvio o olhar para o meu colo, envergonhada por perceber o verdadeiro significado do que ele disse.

– Alessandro, eu...

– Sem desculpas, la mia ragazza. Apenas coma – interrompeu minha tentativa de justificar-me com seu olhar decidido.

Aceito a próxima colherada, mas a comida parece sem gosto diante do turbilhão de emoções na minha cabeça. O desejo, a vergonha e a confusão se misturam em um coquetel que me deixa tonta.

Quando acabo a refeição, Alessandro leva a bandeja embora. Nossos olhares se encontram de novo. A tensão entre nós é intensa, como uma corrente elétrica no ar.

– O médico chegou para te examinar – informa Alessandro, quebrando o silêncio após atender uma chamada no celular. Ele vai até o closet e volta usando uma camisa preta simples, que realça seu corpo e evidencia os braços musculosos.

Eu apenas aceno com a cabeça, sem conseguir encontrar palavras para expressar a confusão dos sentimentos que me invadem. Alguns minutos depois, a porta se abre e o médico entra no quarto. É o mesmo que tem estado comigo nos últimos dias, um homem de meia-idade, usando óculos de aro metálico e sempre com uma expressão séria no rosto. Alessandro se levanta para cumprimentá-lo.

– Dr. Connelly – Alessandro estende a mão para ele, que retribui o cumprimento.

– Vamos verificar como você está – diz o médico, já se aproximando e tirando alguns instrumentos da maleta. Ele me examina sob o olhar atento de Alessandro, que fica em silêncio, mas observa cada movimento do doutor – Parece que você está se recuperando bem da lesão no tornozelo, Vittoria. Está sentindo dor ou desconforto significativo? – pergunta o médico.

– Apenas as dores habituais, Doutor - eu respondo, evitando fixar o olhar em Alessandro. Depois de me examinar, ele anota algumas informações em seu tablet e me ajuda a colocar a bota ortopédica que trouxe.

O médico finaliza o uso de seus instrumentos e faz mais anotações em seu bloco de receitas. Por fim, me oferece algumas medicações para fortalecer a imunidade e se volta para Alessandro, pronto para sair do quarto.

– Se precisar de algo mais, Vittoria, estou aqui - diz Dr. Connelly, olhando para mim com um leve sorriso.

– Obrigada, Doutor - eu digo.

Alessandro observa tudo atentamente. O médico acena para ele e vai em direção à porta do quarto, mas antes que consiga abrir a maçaneta, Alessandro o chama de volta.

– Dr. Connelly, uma última coisa – o médico se volta para Alessandro, aguardando que ele fale o que precisa – Eu gostaria que você prescrevesse um método contraceptivo para Vittoria – diz Alessandro, me pegando de surpresa.

Meu coração dispara e sinto o rosto esquentar, provavelmente criando um contraste bem visível com a palidez da minha pele.

– O que? – minha voz sai mais baixa do que eu queria, mas meu olhar confuso ainda se dirige a Alessandro.

O médico mantém um semblante neutro, completamente profissional. Ele ajusta os óculos e lança um olhar rápido em minha direção, mas não espera por uma confirmação ou rejeição antes de colocar sua maleta na mesa novamente e pegar um bloco de receituário.

– Você tem alguma preferência quanto ao método contraceptivo, Vittoria? – pergunta ele, tentando lidar com o assunto de forma gentil, mas deixando claro que fará o que Alessandro pediu independentemente da minha vontade – Pílula, injeção, implante hormonal... – Ele me apresenta opções – Hoje temos muitas alternativas disponíveis. Posso prescrever algo agora mesmo, mas recomendo que consulte um ginecologista.

– Eu... eu não sei, Doutor – Gaguejo minha resposta, constrangida com a intimidade da conversa repentina – Talvez não seja o momento...

Alessandro parece ignorar meu desconforto e me interrompe.

– Prefiro tomar precauções desde agora, Vittoria. Uma gravidez é algo que eu não consigo lidar – ele diz, desviando o olhar de mim e voltando-se para o médico. – Prescreva algo para usar imediatamente. Depois vou marcar a consulta com a ginecologista.

O Dr. Connelly concorda, claramente habituado a lidar com esse tipo de situação, mas em nenhum momento questiona a ordem direta de Alessandro.

– Claro, posso prescrever algo para agora.

Eu assinto com a cabeça, ainda muito envergonhada e sem acreditar na mudança repentina no meu atendimento. O médico entrega o papel a Alessandro e sai do quarto logo em seguida. Mesmo com meu olhar incrédulo, Alessandro parece contente com sua escolha.

– Só quero garantir que estamos cuidando de todos os detalhes, Vittoria – diz ele como se fosse algo completamente normal. – Você me deseja tanto quanto eu te desejo, então vamos simplificar as coisas.

Fico em silêncio, pensando sobre o que acabou de acontecer. Alessandro parece decidido a moldar o futuro conforme seus desejos, sem se importar muito com os meus, e isso me deixa incomodada. O médico pode até receitar o contraceptivo como ele mandou, mas só eu posso decidir se vou usá-lo ou não.

Deixar que ele cuide de mim é uma coisa; permitir que ele interfira em aspectos da minha vida que não são da conta dele é outra. Prefiro evitar brigas agora, mas sei dentro de mim que essa é uma decisão que cabe somente a mim.

– O Dr. Connelly falou que você está bem, Vittoria, mas saiba que, a partir de hoje, vou ficar ainda mais atento a você – Alessandro quebra o clima tenso ao sentar na beirada da cama. A tensão continua no ar e, além disso, sinto o peso do olhar dele em mim.

– Está tudo bem – digo, percebendo que minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.

– Vittoria, a respeito do que pedi ao médico... – ele inicia, mas eu o interrompo, pois essa conversa não vai nos ajudar em nada, principalmente porque essa decisão é somente minha.

– Não precisa se explicar, Alessandro. Eu entendi – Desvio o olhar, tentando esconder a forte emoção que ainda está presente em mim.

– Não é só isso – ele suspira, parecendo procurar as palavras certas – Eu não deveria ter... Deveria ter falado com você antes.

– Falado sobre o que, Alessandro?

– Sobre mim e sobre como eu levo minha vida, Vittoria.

– Eu já sei, Alessandro – respondo, pois mesmo sem ninguém me contar com palavras, assim que entrei nessa casa, percebi quem Alessandro é.

– Sabe? – ele pergunta como se não conseguisse acreditar, e eu afirmo com a cabeça.

– Sei, mas Alessandro, por favor... vamos deixar isso de lado. Não é importante agora – respondo, já receosa do que mais poderia ser falado e preocupada que Alessandro desista de continuar comigo, pois não sei se quero entrar nesse assunto delicado.

– Claro que é importante, Vittoria. Como poderia não ser? Se você sabe quem sou, entende as consequências de estar ao meu lado. Tem certeza de que é isso que deseja? – ele pergunta, e eu aceno com a cabeça – Então vamos esclarecer tudo. O que você sabe sobre mim? O que gostaria de saber? Este é o momento, ragazza.

Alessandro me observa fixamente, seus olhos em busca de qualquer indício de dúvida. Percebo a seriedade no seu rosto e sei que ele não vai seguir em frente até termos essa conversa.

– Sei que você é Alessandro Pivani. Não só o empresário e pai da minha amiga, mas também o guardião da Calábria, o chefe da ‘Ndrangheta."

– Mia te contou? Como você ficou sabendo?

– Digamos que sou atenta. Você está sempre cercado por homens armados e, claro, também leva uma arma com você. – Ele assente, concordando. – Mas como eu disse, isso não me incomoda. Meus pais me ensinaram que não precisamos ter uma arma nas mãos para sermos perigosos. No fundo, eu sei que você não representa ameaça nenhuma para mim, Alessandro.

– Confesso que raramente alguém consegue me surpreender, Vittoria, mas você conseguiu fazer isso agora. O que te fez pensar que sou o chefe e não apenas um membro?

– Bem... – Eu hesito sobre como responder – Foi só um palpite. Você não parece ser alguém que segue ordens; parece mais alguém que costuma dar as ordens. – Respondo e noto quando ele levanta ligeiramente um canto dos lábios, quase sorrindo.

Vittoria, você é muito perspicaz e atenta, e acertou no seu palpite. Eu não sou apenas um empresário comum – Alessandro começa a se explicar, escolhendo cuidadosamente cada palavra como se precisasse que eu escutasse dele mesmo o que ele deseja que eu saiba – Sou o líder do clã, comandante da ‘Ndrangheta.”

As palavras de Alessandro fazem meu coração disparar. Sim, eu já sabia disso, mas ouvir torna tudo mais real. Como já disse, não o temo, mas entendo que a Máfia envolve um mundo de perigos e segredos que agora estão muito perto de mim.

– Tudo bem. Obrigada por sua sinceridade.

Alessandro concorda com a cabeça, mantendo o olhar firme nos meus olhos.

– Sim, Vittoria. Não quero te esconder nada. A vida que levo é difícil, cheia de desafios e riscos. E eu compreendo se isso mudar nossa relação. Se você quiser voltar atrás, eu vou entender. Por isso pedi ao médico um método contraceptivo. Eu não posso e não quero mais ter filhos. Mia foi a única na minha vida. Se decidir ficar comigo, saiba que não poderei te oferecer o que as garotas sonham: casamento, filhos, uma família e um relacionamento ideal.

Eu engulo em seco enquanto o silêncio impregna o quarto, cheio de significado. O olho para entender melhor suas palavras. Começo a perceber que estou envolvida em algo muito maior e mais arriscado do que imaginava.

Será que eu realmente quero tudo isso que Alessandro disse que não poderia me dar no futuro? E se eu quiser, estarei disposta a abrir mão de tudo apenas para ficar com ele?

– Por que você está me dizendo isso agora? – pergunto, tentando entender suas intenções.

Alessandro respira fundo antes de responder.

– Porque se formos seguir em frente, quero que você tenha plena consciência de tudo, Vittoria. Desejo que tome essa decisão sabendo no que está se metendo. Não quero que depois de um tempo você se sinta enganada. Apesar da sua pouca idade, você é uma mulher e, por isso, tem o poder de fazer suas próprias escolhas com clareza.

Fico em silêncio por um momento, pensativa sobre as palavras de Alessandro. O peso da verdade nos envolve e me vejo diante de uma decisão importante. Olho em seus olhos intensos e percebo sua sinceridade. Ele não me promete nada além do que pode realmente oferecer, mas fico pensando se isso será suficiente, pois algo me diz que assim que ele me tocar, eu sempre irei querer um pouco mais.

– Vittoria, isso muda algo para você? – ele pergunta com uma expressão séria enquanto espera minha resposta, que não vem naturalmente.

Minhas emoções estão confusas, mas mesmo com a sinceridade dele me impactando, algo dentro de mim não me deixa recuar.

– Não, Alessandro. Não muda nada – respondo com segurança – Ainda quero continuar, mesmo sabendo quem você é e quais são as consequências disso.

Alessandro parece surpreso e aliviado ao mesmo tempo. Ele estende a mão e toca meu rosto delicadamente.

– Só tem mais uma coisa, Alessandro – digo enquanto ele passa os dedos suavemente na minha pele, o que me causa um leve arrepio.

– Diga – ele solicita, sua voz soando rouca.

– O que temos acaba quando um de nós decide que não quer mais. Eu serei honesta com você, e você será honesto comigo. Se eu quiser ir embora, você não vai me impedir. Se você não me quiser mais, me deixará sair. Está tudo certo assim?

Alessandro me observa surpreso, talvez porque não esperasse por isso, mas preciso saber que se algum dia o peso for demais para mim, ele me deixará ir sem eu precisar fugir como fiz anos atrás. Não sei se conseguirei enfrentar tudo de novo.

– Para mim, está tudo certo, Vittoria.

O clima entre nós fica tenso. O peso das nossas escolhas e suas consequências recaem sobre nós, mas a sensação de desejo ainda flutua no ar, nos envolvendo como um beijo quente e arriscado.

O olhar profundo de Alessandro busca segurança e certeza nos meus olhos. Neste momento, decidimos seguir juntos, mas não sabemos quanto tempo isso irá durar ou se ainda haverá algo de nós quando essa fase chegar ao fim.

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