Há 01 Ano (Nova Iorque, EUA)
Os meus pés parecem aumentar de peso a cada passo que dou na escada exclusiva para os empregados do edifício onde trabalho, ou melhor, onde trabalhei, pois recentemente fui dispensada.
Estou em Nova Iorque há três anos, desde que deixei Villa San Giovanni, uma pequena localidade italiana localizada na região da Calábria, província de Reggio Calabria, no sul do país. Nunca me considero um residente permanente. Para mim, funcionava mais como um confinamento.
Villa San Giovanni é famosa por ser um refúgio acolhedor para visitantes, no entanto, suas ruas de pedra ocultam a real situação dos habitantes: homens agressivos e mulheres submissas, habituadas a tolerar todo tipo de violência, não só contra si mesmas, mas também contra seus filhos.
Ao abandonar aquele local, abandonei não só minha pátria, mas também todas as agressões que sofri e que ainda me assolam. Com dezesseis anos, deixei minha casa e vim morar nos Estados Unidos, longe da opressão de um pai violento e de uma mãe conivente que nunca se esforçou para me proteger adequadamente.
Não posso garantir que essa transição foi ou está sendo fácil. Para ser sincera, ainda não me adaptei totalmente a este novo ambiente e posso afirmar sem medo que a minha existência na América não é nada simples.
É extremamente desafiador viver de forma ilegal em um país como os Estados Unidos. Ao decidir que não suportava mais o tormento do meu lar, que sempre considerei como um autêntico inferno, admito que achei que a mudança seria mais fácil. Qualquer circunstância seria melhor do que permanecer ao lado dos meus pais.
Não tenho orgulho do que realizei naquele período, já que saqueei todas as economias deles para conseguir escapar. Contudo, estou totalmente ciente de que teria perdido a vida se continuasse com eles. O meu pai estava constantemente alcoolizado e, em casa, as discussões e agressões eram comuns. Nunca obtive amor ou amparo, nem mesmo da minha mãe; parecia que ela me responsabilizava pela própria ruína.
A cada amanhecer, eu me esforçava para apenas mais um dia. O lugar que deveria ser um refúgio, a residência dos meus pais, na realidade se converteu num autêntico tormento para mim.
Quando meu pai tentou abusar sexualmente demais de mim, entendi que era o momento de fugir. Sobrevivi a agressões físicas e surras que me deixavam de cama por dias, mas não seria capaz de suportar algo assim. Apesar do medo de deixar tudo para trás, era a única forma de assegurar minha sobrevivência.
Sempre tive conhecimento de onde eles guardavam as economias, bem como estava ciente de que não poderia recorrer à assistência de ninguém na cidade para implementar meu plano. Naquela época, não possuía amigos e me sentia quase confinada naquela casa, o que reforçou minha resolução de fugir e sobreviver.
O início da minha viagem para deixar Villa San Giovanni foi marcado por um ato de desespero. Quando meu pai tentou abusar de mim, consegui escapar ao acertar sua cabeça com uma pedra usada para afiar facas. Andei pelas ruas e me refugiei no sótão de uma casa abandonada por alguns dias, planejando minhas próximas ações. Não possuía documentos, dinheiro ou vestimentas adequadas para fugir, mas tinha consciência de que precisava agir. Era a única chance que eu possuía.
Na noite da minha partida, aguardei até que meus pais tivessem adormecido, pois estava seguro de que eles aguardariam minha volta com um sentimento de derrota. Contudo, isso não aconteceu. Estava familiarizado com a rotina da casa e dos dois. Depois de retornar bêbado, ele se aproveitava da minha mãe em qualquer local da casa e, em seguida, trancava-se no quarto até o amanhecer.
Contei que eles mantinham as mesmas tradições quando entrei na casa pela janela do meu quarto antigo e peguei uma sacola plástica repleta de roupas. Na cozinha, escavei um buraco oculto no chão atrás de um pequeno armário, recolhendo tudo o que conseguiram poupar durante os últimos anos de esforço.
Não senti arrependimento pelo que realizei. Embora eu soubesse que estava equivocada, a realidade é que eu precisava me libertar daquele ciclo de agressões que a cada dia mostrava sinais de que poderia se agravar.
Na noite em que deixei o porão da casa abandonada, a chuva descia ininterruptamente, como se o céu estivesse se lamentando por mim e pelo meu destino. Andei até o cais, com a intenção de embarcar de forma ilegal em um navio com destino à América. A escuridão foi a minha companheira exclusiva e, ao longo do trajeto, orei para que ninguém me notasse.
Esgueirando-me pela escuridão, consegui entrar no navio e me esconder na sala de máquinas. Quando amanheceu, à medida que o navio se distanciava da costa italiana, notei que estava deixando para trás um passado misterioso, mas também que estava entrando em um universo desconhecido e cheio de dúvidas.
Ao longo das duas semanas de viagem, meu apetite esteve frequentemente vazio. O meu organismo foi prejudicado pela escassez de alimentos e água, dado que tinha poucas oportunidades de consumir. Contudo, não me arrependi do que fiz, apesar de ter quase desmaiado diversas vezes.
Por fim, ao aterrissar nos Estados Unidos, tive que fazer uma escolha sobre o que seguir, já que não poderia usar os documentos que trouxe comigo, pois rapidamente notariam que eu era menor de idade e imigrante ilegal. Certamente, me enviariam de volta. Desde aquele instante, eu era um estrangeiro em um território desconhecido.
Estive vários dias nas ruas, utilizando apenas uma pequena porção do dinheiro que possuía. No entanto, passados alguns dias, encontrei uma senhora que me acolheu em sua residência, prevenindo que eu tivesse que dormir ao relento. Dei uma pequena contribuição com o que tinha para auxiliar nas despesas da casa, já que ela também passava por problemas financeiros; a senhora era mais uma sobrevivente neste mundo tão injusto.
Morei lá até o dia em que ela veio a falecer, há algum tempo. Portanto, tive que fugir novamente para evitar ser descoberta, pois ainda resido de forma ilegal no país. Obtive um trabalho como empregada doméstica em um prédio de alto padrão, e aceitei porque a verdade é que o salário era bastante baixo, considerando que eu era uma imigrante ilegal.
Infelizmente, muitas pessoas se aproveitam da fragilidade alheia para obter benefícios. Vivo com medo de que meu passado me atinja, então aceito as pequenas oportunidades que aparecem e continuo sobrevivendo dia após dia. Parece não existir outra opção.
Depois de três anos morando nos Estados Unidos, me transformei em uma batalhadora, alguém que aprendeu a se virar sozinha em um mundo hostil, especialmente para mulheres solitárias como eu. A cada amanhecer, estou ciente de que terei mais um obstáculo pela frente, mas estou ciente de que devo enfrentar qualquer obstáculo que possa surgir.
À medida que desço as escadas do edifício, meus olhos se enchem de lágrimas. As minhas economias estão se aproximando do fim e não sei o que farei caso não consiga outro trabalho em breve. Neste momento, não desejo voltar a dormir nas ruas. A cidade está consideravelmente mais insegura do que quando entrei.
- Oi! - Sinto alguém me esbarrar assim que deixo o edifício. - Por que você não verifica onde está andando\, menina?
- Desculpe - respondi\, secando as lágrimas antes de estender a mão para auxiliar a menina que tropeçou.
- Você está em prantos? - Ela me olha com um olhar que mostra remorso pela maneira áspera como me comunicou. - Peço desculpas pelo que disse. Deve ser um dia desafiador para você\, e sinto que contribuí para piorá-lo.
- Não há problema. Estou tranquilo. - Sorrio\, mesmo consciente de que minha expressão não conseguiu transmitir serenidade - Você se feriu? - Questiono para confirmar que ela está bem antes de me distanciar.
- Sim\, estou bem\, não se preocupe. - Ela me olha com tranquilidade\, como se tentasse entender minha essência - E você\, como se encontra? Posso auxiliar em algo?
- Estou bem\, foi apenas um empurrão - Respondo de forma rápida - A não ser que você tenha uma oportunidade de trabalho para mim\, acredito que não possa me auxiliar\, mas não se preocupe. Vou me recuperar - Afirmo sem pensar\, ao recordar da minha condição atual. Sem considerar que a moça poderia realmente fazer algo por mim\, me preparo para prosseguir.
- Trabalho? - Ela ergue a sobrancelha - Você está deprimido porque precisa de um emprego?
- De fato\, acabei de ser dispensada - explico\, olhando para o edifício ao lado. - Em suma\, não se preocupe. Preciso ir - tento me distanciar\, mas a garota me puxa pelo braço\, forçando-me a desistir.
– Como se chama?
- Vittoria. Vittoria Fainello.
- Vittoria\, é um prazer conhecê-la. Eu sou a Mia. - Ela estende a mão para mim com um sorriso largo no rosto. - Posso convidá-la para um café? - Ela aponta para a cafeteria localizada do outro lado da rua. - Acho que poderíamos aproveitar para conversar.
Estou com vontade de rejeitar, mas ela aparenta ser uma pessoa gentil. Talvez eu realmente necessite conversar um pouco com alguém para desabafar. Desde o falecimento da senhora que sempre me auxiliou, sinto-me cada vez mais isolado nesta cidade, apesar de estar cercada por tanta gente.
- Mia\, aceito o café. - Aperto a mão que ainda estava estendida para mim. - Talvez eu esteja realmente necessitando de alguém para conversar.
Assim que nos acomodamos no café, Mia pede dois capuccinos duplos, juntamente com muffins e croissants. Ela quase percebe que ainda não comeu nada hoje. Ela percebe minha inquietação com o seu pedido, já que não tenho recursos para pagar, e me tranquiliza dizendo que foi ela quem me convidou. Apenas assim consigo descontrair um pouco.
Mia aparenta ser uma pessoa gentil, contudo, é bastante inquisitiva e inicia uma sequência de questionamentos. Estou convencido de que posso confiar nela, então respiro profundamente e compartilho não somente os últimos eventos, mas toda a minha jornada, desde que me evadi da Itália.
Presumo que nunca mais a verei, mas no momento, estou feliz por ter alguém com quem conversar, mesmo ciente de que essa pessoa pode não estar presente na minha vida após sairmos deste café.
- Vittoria\, meu Deus. - Surpreendo-me ao segurar minha mão sobre a mesa - Temos a mesma idade\, e você já viveu tantas experiências que eu nem consigo conceber.
- Mia\, escuta... - Iniciei a conversa\, tentando ser sincera sem soar rude\, mas retiro a mão que ainda estava em suas mãos - Não quero que sinta pena de mim. Na realidade\, não entendo a razão pela qual compartilhei isso contigo. Apenas senti a necessidade de expressar minhas emoções\, então agradeço pelo café\, pelos muffins e por me escutar. – Levanto-me\, ciente de que nosso diálogo terminou.
- Vittoria\, por favor\, aguarde um momento. - Ela pede\, levantando-se também - Não é que eu tenha pena de você\, mas simplesmente não acho justo que você tenha que lidar com tudo isso sozinha. - Percebo a sinceridade em seu olhar\, então aceno afirmativamente - Talvez eu possa te auxiliar no trabalho.
- Qual é a sua intenção? Você está se referindo a algo sério?
- Sério. - Ela sorri - Agora\, sente-se novamente. Vamos conversar sobre negócios. - Não consigo evitar me sentar rapidamente na cadeira. Talvez Deus finalmente tenha tomado a decisão de me ver e me proporcionar algum auxílio.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Solange Coutinho
Essa história está chegando com tudo em cima
2025-03-11
1
Maria Socorro Netos
mia é a filha do chefe da máfia 🤔🤔🤔🤔🤔
2024-11-25
2