A primeira manhã após minha coroação trouxe uma estranha mistura de silêncio e caos. Enquanto os corredores do castelo estavam quietos, como se a tragédia recente ainda pairasse no ar, o mundo político ao meu redor já fervilhava. Descobri isso quando fui chamada ao conselho real, antes mesmo de o sol se erguer completamente no horizonte.
Fui acordada por Clara, minha criada mais antiga. Ela tinha cabelos grisalhos presos em um coque apertado e mãos ágeis que pareciam saber o que eu precisava antes mesmo de eu pedir.
— É um dia importante, Majestade — disse ela, ajustando meu vestido com dedos experientes. Era um traje de veludo azul profundo, com bordados dourados nos punhos e na cintura. Apesar da beleza, ele parecia pesado, como se o tecido carregasse o peso do reino junto comigo.
— O que eles querem discutir? — perguntei, minha voz ainda rouca de sono, enquanto ela colocava um broche em meu ombro.
— Questões do reino, creio eu. Não é meu lugar saber.
Havia um nervosismo contido em sua resposta, como se ela soubesse mais do que dizia. Aquele nervosismo logo se transferiu para mim.
Ao chegar à sala do conselho, fui recebida por uma visão intimidante. A mesa longa estava ocupada por homens mais velhos, rostos sérios e expressões que misturavam cautela e desafio. Eles se levantaram, em reverência formal, mas sem calor.
— Majestade — lorde Fairmont se aproximou, inclinando-se com respeito. Ele era um homem alto e magro, com cabelos grisalhos cuidadosamente penteados. Apesar da postura rígida, havia algo paternal em seu tom. — Hoje é o primeiro de muitos conselhos. Estamos aqui para auxiliá-la em todas as decisões importantes.
"Auxiliar" parecia ser uma palavra gentil para o que realmente acontecia ali. Desde o momento em que me sentei na cadeira do trono, no final da mesa, percebi que eles não estavam interessados em ouvir minha opinião.
— A questão mais urgente é o déficit do tesouro — começou Fairmont, colocando um pergaminho sobre a mesa. — As campanhas militares esgotaram nossos cofres. Precisamos de medidas imediatas para estabilizar as finanças.
— Aumentar impostos seria imprudente — interveio lorde Alaric, recostando-se em sua cadeira com uma confiança irritante. — O povo já está inquieto. Reduzir os gastos da corte seria uma solução mais aceitável.
Alaric era diferente dos outros conselheiros. Ele era mais jovem, com cabelos pretos bem penteados e olhos que pareciam enxergar além das palavras. Havia algo nele que me deixava desconfortável, mas ao mesmo tempo intrigada.
Enquanto os dois discutiam, tentei acompanhar. Eles falavam com tanta segurança, usando termos que eu mal entendia, que me senti uma intrusa em minha própria reunião.
— E o que Vossa Majestade pensa sobre isso? — Alaric se dirigiu a mim, virando o olhar penetrante em minha direção.
Fiquei sem palavras por um momento, sentindo o peso de todos os olhares. Engoli em seco, tentando lembrar das lições de meu pai sobre liderança.
— Talvez devêssemos considerar o impacto em nosso povo antes de decidir qualquer coisa — respondi, minha voz firme apesar da incerteza em meu coração.
Um silêncio pairou por um momento, até que Fairmont assentiu lentamente.
— Uma perspectiva justa, Majestade. Concordo que precisamos de mais informações antes de tomar decisões precipitadas.
O resto da reunião foi um borrão de discussões e anotações. Quando finalmente fui dispensada, senti como se tivesse corrido uma maratona. Minha cabeça latejava, e o peso simbólico da coroa parecia maior do que nunca.
Busquei refúgio nos jardins do castelo, o único lugar onde conseguia respirar livremente. As roseiras estavam em plena floração, espalhando um perfume doce pelo ar. Caminhei entre elas, tentando organizar meus pensamentos.
Era estranho. Apenas algumas semanas antes, minha maior preocupação era se conseguiria memorizar um poema que meu tutor havia me pedido para recitar. Agora, o destino de todo um reino estava em minhas mãos.
— Pensativa como sempre, Eleanor.
Virei-me ao som da voz familiar de minha mãe. Ela estava parada perto da fonte, seu manto azul claro contrastando com os cabelos escuros presos em uma trança elaborada. Mesmo abatida, ela mantinha a elegância que sempre admirei.
— Não sei se estou pronta para isso — confessei, minha voz quase um sussurro.
Ela caminhou até mim, colocando uma mão leve em meu ombro.
— Ninguém está. Nem mesmo seu pai estava quando assumiu o trono.
— Ele parecia saber o que fazer... Eu não sei.
— Seu pai tinha muitos conselheiros, mas também muitos inimigos — ela disse, com um tom que carregava tanto tristeza quanto sabedoria. — Você aprenderá que ser rainha não é sobre certezas. É sobre escolhas.
Antes que eu pudesse responder, Clara surgiu correndo pelo jardim, segurando uma carta lacrada.
— Majestade, uma mensagem urgente chegou.
Peguei a carta e rasguei o lacre com dedos trêmulos. Era de um barão da fronteira sul do reino, relatando que os camponeses estavam se revoltando contra os impostos.
— Eles se recusam a pagar — li em voz alta. — E o exército local foi enviado para conter os tumultos.
Minha mãe permaneceu em silêncio, esperando que eu reagisse.
— O que devo fazer? — perguntei, minha voz carregada de desespero.
— Isso é algo que você deve decidir sozinha — ela respondeu, firme. — É o seu reinado agora.
Voltei para meus aposentos, levando a carta comigo. Passei horas analisando cada palavra, tentando entender o que aquilo significava para mim e para o reino. Minha mente estava uma confusão de cenários: se eu permitisse que o exército reprimisse os camponeses, isso poderia garantir a ordem, mas também aumentar o descontentamento. Se ordenasse que recuassem, poderia parecer fraca diante de meu povo.
A coroa sobre a mesa parecia me observar, como um lembrete de que eu não podia escapar dessa responsabilidade.
Naquela noite, decidi que não poderia me limitar ao papel de uma rainha passiva, manipulada por conselheiros. Eu precisaria aprender a jogar o jogo do poder, mesmo que isso significasse me tornar algo que nunca imaginei ser.
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Atualizado até capítulo 30
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