Vozes Na Escuridão

Quando a noite caiu, o castelo parecia respirar em um ritmo diferente. Os corredores que durante o dia estavam repletos de criados e cortesãos agora estavam silenciosos, ocupados apenas por sombras e o som suave de passos distantes. Em meu quarto, o cansaço pesava em meu corpo, mas minha mente se recusava a descansar. A carta do barão ainda estava sobre a mesa, o selo quebrado como um símbolo de algo maior: minha autoridade estava sendo testada.

Eu não estava sozinha. Clara estava ao meu lado, ajustando as cortinas e arrumando as velas que iluminavam o aposento. Ela me lançou um olhar rápido, como se soubesse que algo estava errado, mas não ousasse perguntar.

— Clara, você acha que sou uma boa rainha? — Minha voz cortou o silêncio, surpreendendo até a mim mesma.

Ela parou o que estava fazendo e virou-se lentamente.

— Majestade, é muito cedo para saber. Mas acredito que as escolhas que faz agora definirão seu reinado.

— E se eu cometer erros?

— Todos cometem. A diferença é que os erros de uma rainha afetam muitos.

Suas palavras eram francas, mas não cruéis. Havia uma verdade nelas que não podia ignorar. Antes que eu pudesse responder, ouvimos uma batida suave na porta.

— Entre — ordenei, ajustando minha postura.

Um mensageiro entrou, segurando outro pergaminho. Ele parecia hesitante, como se não quisesse perturbar minha paz, mas também sabia que sua tarefa era importante demais para ser adiada.

— Majestade, um relatório do capitão da guarda na fronteira sul.

Peguei o pergaminho e o abri. As palavras eram diretas e preocupantes: "A situação está se agravando. Os camponeses aumentaram em número e agora ocupam o mercado central. Pedimos permissão para usar força total para dispersá-los."

— Clara, deixe-me sozinha.

Ela hesitou por um momento antes de curvar-se e sair em silêncio. Fiquei sentada, encarando o pergaminho como se ele fosse explodir em chamas. “Força total” significava sangue. Eu sabia disso. Mas qual era a alternativa? Deixar a rebelião crescer era arriscar a estabilidade de todo o reino.

Decidi que precisava de conselhos, mas não dos conselheiros formais que haviam preenchido minha manhã com suas discussões intermináveis. Precisava de alguém que conhecesse o povo, que soubesse o que realmente se passava além dos muros do castelo.

Com um impulso súbito, coloquei uma capa sobre os ombros e deixei o quarto. As tochas iluminavam os corredores do castelo, mas fora disso, a noite era escura. As estrelas estavam escondidas atrás de nuvens pesadas, e o vento carregava um frio que parecia atravessar minha pele.

Dirigi-me às cozinhas, onde sabia que encontraria Matilde, a governanta do castelo. Ela era uma mulher robusta, com cabelos grisalhos sempre presos em um lenço e um olhar que parecia enxergar além das aparências. Ela estava supervisionando os criados que preparavam pão para o dia seguinte, mas quando me viu, fez uma reverência profunda.

— Majestade, o que a traz aqui a esta hora?

— Preciso de sua ajuda, Matilde — respondi, aproximando-me. — Quero saber o que o povo pensa de mim.

Ela ergueu uma sobrancelha, claramente surpresa pela pergunta.

— É muito cedo para que haja uma opinião formada, mas... o povo está desconfiado. Eles sofreram muito nos últimos anos e não têm certeza se uma jovem rainha pode lidar com as dificuldades.

Suas palavras eram duras, mas não havia malícia nelas. Ela estava sendo honesta, algo raro em minha posição.

— E quanto à revolta no sul? — perguntei, minha voz hesitante.

Matilde suspirou, enxugando as mãos no avental.

— Quando as pessoas se revoltam, Majestade, é porque perderam tudo o que tinham. Se elas acharem que não há esperança, lutarão até o fim, mesmo contra o próprio rei ou rainha.

Agradeci por sua franqueza e deixei as cozinhas com mais dúvidas do que respostas. O que Matilde disse fazia sentido, mas isso não tornava a decisão mais fácil. Subi até os aposentos de minha mãe, esperançosa de que ela pudesse me oferecer alguma clareza.

Ela estava sentada em uma poltrona perto da lareira, bordando calmamente. Quando me viu, colocou o bastidor de lado e sorriu levemente.

— Não conseguiu dormir?

Balancei a cabeça e sentei-me na cadeira ao lado dela.

— Recebi outro relatório. A situação está piorando.

Ela assentiu, como se já esperasse por isso.

— E o que você decidiu fazer?

— Não sei — admiti, minhas mãos apertando o tecido do vestido. — Se eu mandar o exército, pode haver mortes. Mas se eu não fizer nada, posso parecer fraca.

Minha mãe olhou para mim por um longo momento antes de responder.

— Eleanor, o trono não é um lugar de certezas. Qualquer decisão que você tomar terá consequências. A questão é: quais consequências você está disposta a aceitar?

Suas palavras ecoaram em minha mente muito depois de eu ter deixado seus aposentos. Passei o resto da noite em meu quarto, pensando, ponderando e, finalmente, escrevendo minha resposta ao capitão da guarda.

Na manhã seguinte, enviei a mensagem com instruções claras: "Negocie primeiro. Ouça suas demandas. Se puderem ser atendidas sem comprometer o reino, façam isso. Se não, mantenham a paz, mas sem derramamento de sangue desnecessário."

Sabia que essa decisão não agradaria a todos, mas era a única que eu podia aceitar sem trair meus princípios.

Ao longo do dia, as notícias do sul continuaram chegando. Os camponeses concordaram em dialogar, mas as negociações ainda eram frágeis. O conselho, é claro, tinha opiniões fortes sobre minha abordagem.

— Isso mostra fraqueza, Majestade — declarou Alaric durante uma reunião. — Abrandar diante de uma revolta só encorajará outros a fazerem o mesmo.

— Prefiro ser lembrada como uma rainha que tentou evitar o derramamento de sangue desnecessário — respondi, minha voz mais firme do que eu esperava.

Fairmont interveio, levantando uma mão para silenciar qualquer discussão.

— A decisão foi tomada. Cabe a nós apoiá-la e garantir que seja bem-sucedida.

Apesar das tensões na sala, senti uma pequena vitória naquele momento. Pela primeira vez, parecia que minha voz tinha peso.

Naquela noite, caminhei novamente pelos jardins do castelo. As roseiras estavam cobertas pelo orvalho, e o ar estava pesado com o cheiro da terra úmida. Lembrei-me das palavras de minha mãe e da governanta. Governar era, de fato, um equilíbrio delicado entre força e compaixão.

Enquanto observava as flores sob a luz da lua, fiz outra promessa a mim mesma: eu aprenderia a ser forte sem perder a humanidade.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!