Capítulo - 16

Lincon

Meus olhos encaram Clara com uma firmeza intensa, sua pergunta reverberando dentro de mim. Nesse instante, até meu lobo interior, que falava sem parar, se silencia, permitindo que eu tome coragem para responder.

— Claro, Clara. Eu tenho um sonho, sim.

Ela, com um gesto delicado, coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha, e sua expressão curiosa me incentiva a continuar.

— E qual é? — pergunta, seus olhos brilhando com expectativa.

Engulo em seco, aperto minha mão em punho, e um profundo suspiro escapa de meus lábios. A resposta que eu tanto hesitei em formular finalmente se apresenta:

— Ter minha própria família.

O cenho dela se franze, e a confusão se torna evidente em seu rosto.

— Você não tem pais? — questiona, a voz baixa e cautelosa.

Passo a mão pelo cabelo, um gesto nervoso, e explico:

— Tenho pais, mas estão longe. Digamos que não agrado muito à família. Quando digo que quero ter a minha, refiro-me a construir a minha própria, filhos, um lar… algo verdadeiro.

Ela pigarreia, disfarçando o olhar por um momento. Quando volta a me encarar, há um entendimento silencioso entre nós.

— Entendi. Quem diria, parece que temos muito em comum. Eu também não agrado muito à minha. O que levou meu pai a nos abandonar, e minha mãe a me suportar, justamente porque é minha mãe.

Enquanto levo a taça de água até a boca, a analiso com atenção. Suas palavras ressoam dentro de mim, e, em um impulso, o que eu realmente sinto escapa de mim.

— Pois é, até parece que seríamos ótimos parceiros, não é? Criando a nossa própria família, juntos, à nossa maneira.

Clara, que também estava tomando água, jorra o líquido, surpreendida. Com os olhos arregalados, ela me pergunta atônita:

— Do que você está falando?

“Ela ainda não entendeu?”, questiona meu lobo, voltando à ativa.

— O que estou dizendo é que quero ser seu parceiro, Clara. Na verdade, seu marido — revelo, a verdade escapando de meus lábios como se não pudesse mais ser contida. — Desde o dia em que nos encontramos no elevador, minha vida não foi mais a mesma. E a verdade é que quero você.

A expressão dela muda, como se cada palavra minha tivesse um peso que ela não estava preparada para carregar. O copo, que ainda segura, escorrega de suas mãos, caindo no chão e estilhaçando-se, os fragmentos brilhando sob a luz suave da sala. O ruído do vidro quebrando é quase simbólico, como se representasse o impacto das minhas palavras.

Um silêncio paira no ar, pesado e carregado de emoção. A chuva continua a cair lá fora, criando uma trilha sonora melancólica que contrasta com a intensidade do momento. Clara parece congelada, os olhos fixos em mim, um misto de surpresa e confusão.

A vulnerabilidade que vejo em seu rosto me faz querer protegê-la. Ela respira fundo, tentando se recompor, mas a sensação de que tudo mudou é palpável. Cada um de nós está à beira de uma revelação, e o futuro, que antes parecia tão incerto, agora se torna uma tela em branco, esperando por nós.

— Lincon… — ela começa, a voz hesitante, e sinto meu coração acelerar, esperando o que vem a seguir.

Nesse instante, o que eu mais desejo é que ela compreenda a sinceridade por trás das minhas palavras. Aqui, diante da chuva e dos cacos do copo, talvez possamos encontrar um caminho para construir algo que ambos sempre desejamos, mas nunca tivemos a coragem de buscar.

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