Capítulo - 5

Clara

Enquanto empurro a bicicleta, o tumulto do trânsito atrai minha atenção. Os motores rugem e pessoas gritam, uma troca de ofensas que logo se dissolve em indiferença. Ignoro tudo isso e sigo meu caminho, absorvendo o ritmo frenético da cidade.

A discussão acalorada sobre a foto de Lincon ainda ecoa na minha mente. Bruna e eu debatemos, mas no fundo, ela entendeu que a figura desse homem, chefe da minha mãe, despertou algo em mim. Algo misterioso e inquietante que eu ainda não consigo decifrar.

Enquanto caminho, a noite se instala, envolvendo a cidade em um manto escuro. A luz dos postes se reflete nas calçadas, criando sombras dançantes. Quando me aproximo da entrada da minha casa, um miado agudo ressoa no ar, rompendo o silêncio. Curiosa, sigo o som e, ao chegar perto do portão, vejo uma caixa ao lado dele.

De dentro, um pequeno gatinho de cor preta e branca emerge, seus olhos brilhando como pequenas lanternas na escuridão. Ele me observa, parecendo tão intrigado quanto eu. Atraída por sua fragilidade, me agacho, sorrindo para ele.

— Ei, amiguinho, tudo bem? Quem te deixou aqui? — pergunto, minha voz suave e encorajadora.

O gatinho se aproxima, seu ronronar suave ecoa no espaço entre nós. Ele esfrega seu corpo na minha perna, como se estivesse me escolhendo, e nesse instante, algo quente e reconfortante surge dentro de mim.

— Ei... te deixaram aqui, não foi? Te abandonaram, não é? — digo, envolvendo o gatinho em meus braços com cuidado. Ele se aninha contra mim, buscando calor e segurança, enquanto eu sinto seu pequeno corpo tremendo levemente.

Olho em volta, procurando alguém que pudesse me explicar por que esse bichinho tão vulnerável foi deixado aqui, sozinho. Uma pontada de indignação surge em mim. Como alguém pode simplesmente descartar uma vida tão delicada, assim?

— Não se preocupe, amiguinho. Agora você está comigo — murmuro, acariciando suavemente sua cabeça. Ele fecha os olhos, ronronando, como se entendesse que havia encontrado um abrigo.

Caminho em direção à minha casa, o peso do gatinho se tornando um alívio em meus braços. Ao entrar em casa, a familiaridade do ambiente me envolve como um abraço reconfortante.

As paredes estão adornadas com fotos de momentos felizes, trazendo à tona memórias acolhedoras. Coloco o gatinho na cadeira perto da mesa, enquanto vou até a cozinha buscar um pouco de comida e água para ele.

— Olha só, espero que goste! — chamo, voltando com uma tigela pequena e um pouco d'água. A luz suave da luminária reflete nos olhos do bichano, que me observa com uma mistura de curiosidade e cautela.

Coloco a comida diante dele, e ele hesita por um momento. Então, com um gesto tímido, se aproxima e começa a dar pequenas lambidas. O som suave de sua mastigação ecoa na sala, e um sorriso surge involuntário em meu rosto. É como se ele estivesse se permitindo confiar, e isso me faz sentir um calor no peito.

Entretanto, minha mente volta para a conversa com Bruna. O mistério de Lincon ainda paira sobre mim. O homem que representa tanto para minha mãe, mas cuja história ainda está nebulosa para mim.

O gatinho, com sua presença delicada, traz um acalento, uma pausa nas preocupações que me assombram. Decido dar um nome a ele. "Bichano” parece apropriado, um nome simples que carrega um carinho sincero.

Enquanto o gatinho continua a comer, uma parte de mim ainda se preocupa com a conexão que senti em relação a Lincon. O que realmente está por trás daquela figura imponente que me provocou tanto fascínio?

Mas, por ora, decido deixar essas questões em segundo plano, pelo menos até que a noite me ofereça um momento de clareza. Sentando no sofá, observo Bichano enquanto ele explora a sala. Seus movimentos são ágeis e curiosos; ele investiga os objetos ao redor, como se cada canto revelasse um segredo.

É impossível não sorrir ao vê-lo brincar com uma ponta de fio solta, suas patinhas pequenas e ágeis emaranhando-se no tecido. Ele se torna uma lembrança vívida de que, apesar das incertezas que me cercam, a vida continua.

Minha mãe chega em casa, e logo seu olhar se fixa no Bichano, que brinca alegremente no tapete, perseguindo uma bolinha de papel. Seu semblante, que antes estava relaxado, rapidamente se transforma em uma expressão de confusão.

— O que significa isso, Clara? — pergunta, enquanto se aproxima, deixando sua bolsa de lado com um movimento brusco.

Ela observa o pequeno gatinho com uma mistura de curiosidade e preocupação, seus olhos brilhando à luz suave da sala. O bichano para por um instante, olha para ela com suas grandes pupilas, como se também estivesse tentando entender a situação.

Sorrindo, levanto-me do sofá e caminho até ela. Em um impulso, abraço-a com força, meu rosto colado ao seu, e a beijo suavemente no rosto.

— Eu encontrei ele enquanto chegava em casa, mãe... — digo, a voz carregada de esperança. — Podemos ficar com ele, não é? Diz que sim, por favorzinho.

Ela hesita por um momento, a expressão de dúvida ainda em seu rosto, mas o jeito que o gatinho brinca, inocente e adorável, parece derreter um pouco da sua resistência.

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