Revelações de sangue

Narrado por PH

Não sei o que foi pior: descobrir que tenho uma irmã ou que o Corvo, meu próprio pai, escondeu isso de mim. Enquanto ainda processava o que Lili tinha acabado de jogar na minha cara, o sangue fervia nas minhas veias. Olhei para o Corvo, meu pai, mas tudo o que vi foi um homem envelhecido, um líder cuja máscara estava caindo. Aquela menina, aquela mulher, estava ali, me confrontando com uma realidade que eu nunca soube que existia.

Eu sentia meu corpo agindo por instinto, como se minha mente estivesse desconectada, apenas seguindo-o para fora do baile. O ódio pulsava em cada célula do meu ser, e tudo o que eu conseguia pensar era: por que uma mulher que parece ter classe quer assumir o comando? O que a faz querer ser a herdeira?

Assim que pisei dentro da casa dele, a raiva explodiu.

— Por que você sempre me disse que ela estava morta? Caralho! — Gritei, incapaz de segurar a fúria.

Corvo olhou para mim com aquele olhar cansado, como se tivesse envelhecido mil anos nos últimos minutos.

— PH, você não entende… — Ele começou, tentando recuperar a calma.

Mas eu não estava interessado em desculpas.

— Não, você não entende. — Cortei, minha voz tremendo de raiva. — Tudo o que conquistei, eu lutei pra ter. E agora você me joga essa bomba? Uma irmã que eu nunca soube que existia, que quer tomar um trono que nem deveria ser dela?

Ele balançou a cabeça, a frustração clara em seu rosto.

— Eu penso a mesma coisa, mas diferente do que você está imaginando, eu não sabia que ela ainda estava viva. Eu nunca pensei que ele fosse criá-la. Depois que sua mãe morreu, eu fiquei sem chão, PH. Me afundei nas drogas a um ponto que nem me lembrava mais do que tinha acontecido com ela. Mas aqueles olhos… — Ele parou, a voz quase um sussurro. — Mesmo que eu quisesse, eu jamais conseguiria esquecer aqueles olhos.

Suas palavras cortaram através do meu ódio, trazendo uma nova onda de emoções confusas. Ele parecia mais vulnerável do que eu jamais tinha visto, quase como se estivesse admitindo uma fraqueza que eu nunca soube que ele tinha.

Mas ainda assim, aquilo não era desculpa. Nada justificava o fato de ele ter escondido isso de mim, de ter me deixado viver minha vida inteira na ignorância, enquanto ela estava viva, enquanto ela estava sendo criada por outro homem. Um homem que, pelo que parece, a preparou para reivindicar algo que, por direito, deveria ser meu.

— E agora? — Perguntei, cruzando os braços e tentando esconder a confusão por trás da raiva. — O que você vai fazer agora que ela está aqui, exigindo o que ela acha que é dela?

Corvo me olhou, e por um momento, vi o homem que sempre temi, o líder do PCC, o homem que controlava tudo. Mas agora, ele estava lidando com algo que não podia controlar, algo que tinha escapado por entre seus dedos anos atrás.

— Agora, PH… — Ele começou, a voz firme, mas ainda com aquele traço de vulnerabilidade. — Agora, vamos ver do que ela é feita. E se ela realmente tem o que é necessário para ser a herdeira.

Eu estava cego de raiva quando saí de lá, quase soltando fumaça pelas narinas, mas assim que entrei no carro, uma onda de remorso me atingiu com força. A raiva deu lugar à curiosidade, uma queimarrota no fundo da mente. Quem era a Lili? De onde ela veio? Como ela viveu até agora? E por que, de repente, ela decidiu que queria ser a herdeira do Barão?

Não era que eu estivesse pensando em virar as costas para o PCC, longe disso. Mas havia algo nela, algo que eu precisava entender. O que Lili fez para ser a herdeira do CV? O que a tornou digna de um legado tão pesado? Essa era a questão que agora martelava em minha cabeça, e eu sabia que não poderia descansar até encontrar as respostas.

Eu queria saber o que ela tinha passado, que tipo de vida ela levou longe de tudo isso. Será que ela era tão durona quanto aparentava? Ou tudo aquilo era só fachada? Essa dúvida começou a corroer minha raiva, substituindo-a por uma inquietação que eu não conseguia ignorar. Eu precisava descobrir quem era Lili, por que ela apareceu na minha vida desse jeito, e o que realmente a motivava.

Acelerei o carro pelas ruas escuras, ainda tentando processar tudo. Meu coração batia no ritmo da minha confusão, e minha mente estava a mil. Era difícil acreditar que, de uma hora para outra, eu tinha uma irmã. Mais difícil ainda era aceitar que essa irmã estava decidida a tomar o trono do Barão, o cara que liderou o Jacarezinho por anos e que, ao que tudo indicava, a criou.

Lili apareceu do nada, reivindicando o que acreditava ser dela por direito, mas que ela conhecia desse mundo? Que ela sabia do sangue, da dor, da perda? Cresci no meio desse caos, conquistei cada centímetro do meu território com o próprio suor e sangue. E agora ela simplesmente surgia, sem aviso, para tentar reclamar uma coroa que, honestamente, parecia grande demais para sua cabeça.

Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim ressoava com a presença dela. Talvez fosse o sangue que compartilhávamos, ou talvez fosse a maneira como ela se postou, sem medo, diante de mim e do Corvo. Ela não estava blefando. Lili realmente acreditava no que estava dizendo, e isso, de certa forma, me perturbava.

Enquanto o carro devorava o asfalto, minha mente traçava um caminho diferente. Se Lili queria ser a herdeira do CV, então eu precisava saber se ela era realmente capaz. Não bastava apenas desafiar o Corvo e a mim; ela teria que provar que podia carregar esse fardo. E, para isso, eu precisaria conhecê-la mais a fundo, entender o que a movia, quais eram suas fraquezas e, acima de tudo, suas motivações.

O telefone no banco ao lado vibrou. Eu ignorei. Não estava com cabeça para conversar com ninguém. Não agora. Meus pensamentos estavam todos voltados para Lili. Precisava encontrar uma maneira de me aproximar dela, sem que ela percebesse minhas intenções. Talvez essa seja a única forma de descobrir se ela realmente tinha o que era necessário para sobreviver no mundo que eu conhecia tão bem.

Eu sabia que isso seria complicado. Nada sobre Lili parecia ser fácil. Mas eu já estava envolvido demais para voltar atrás agora. Ela entrou na minha vida como um furacão, e eu precisava ver onde essa tempestade nos levaria.

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