Narrado por Lilith
Eu fiquei em silêncio, encarando o chão enquanto minha mente corria. Aceitar significava entrar em um mundo que eu sempre rejeitei, assumir um legado que ia contra tudo o que eu acreditava. Mas, ao mesmo tempo, era a única conexão que eu tinha com o meu avô e, de certa forma, com a verdade sobre quem eu realmente era.
Finalmente, levantei o olhar para Cléber, determinada.
— Eu não sei o que vou fazer ainda — respondi, a voz firme. — Mas vou descobrir. Se meu avô me deixou esse legado, então há algo que ele queria que eu soubesse, algo que eu preciso entender. E vou começar por aí.
Cléber assentiu, respeitando minha decisão de não tomar uma escolha precipitada. Sabia que eu precisaria de tempo para processar tudo aquilo e que o caminho que eu escolheria a partir dali definiria meu futuro de uma maneira que eu nunca poderia ter previsto.
Mas uma coisa era certa: a Lilith Santorini de antes já não existia mais. O que o futuro traria, eu ainda não sabia, mas estava pronta para descobrir, custasse o que custasse.
Saber que meu avô, aquele que sempre pensei ser um homem íntegro, era na verdade um traficante disfarçado de bom moço foi um baque imenso. Logo eu, uma advogada que sempre viveu pelo lema "bandido bom é bandido preso," descubro que fui criada com o dinheiro de um bandido. A ironia disso era cruel, quase impossível de aceitar.
Saí do escritório de Cléber atordoada, com a cabeça girando. As verdades que ele revelou desmontaram tudo o que eu pensava saber sobre minha vida, sobre quem eu era. Era como se o chão tivesse sido arrancado debaixo dos meus pés, me deixando perdida em um abismo de dúvidas e incertezas.
Caminhei pelas ruas sem rumo, as palavras de Cléber ecoando na minha mente. Meu avô, o homem que me ensinou tudo, que me deu tudo... era parte do mundo que eu sempre combati. E agora, eu precisava decidir se iria abraçar esse legado sombrio ou se continuaria lutando contra ele, mesmo sabendo que ele estava ligado a mim de uma forma que eu jamais poderia mudar.
Talvez fosse hora de rever meus conceitos, de reconsiderar o que realmente importava na minha vida. Mas, naquele momento, a única coisa que eu sabia com certeza era que nada nunca mais seria como antes. Eu precisaria redescobrir quem eu era e o que queria fazer da minha vida, começando do zero, como se todo o meu passado fosse uma mentira que eu finalmente começava a desmascarar.
Ao chegar em casa, as palavras de Cléber e os olhares dos traficantes que cruzaram meu caminho me assombravam. A ideia de ser a herdeira de um traficante me pesava nos ombros como uma carga insuportável. Durante semanas, fiquei reclusa, sem ao menos pisar no fórum. Deixei meus casos nas mãos da Gabriela, precisando desesperadamente de um tempo para mim mesma. Ontem eu era uma advogada renomada; hoje, estou lidando com o luto, com a dolorosa descoberta de que meu avô não era quem eu pensava, e com o fato de que agora sou herdeira de um morro. É coisa demais para a minha cabeça.
Mas, por mais que isso me perturbe, sei que não posso simplesmente ignorar o legado do meu avô. Mesmo que ele nunca tenha me contado sobre essa parte de sua vida, e mesmo que eu não faça ideia de como me tornar dona de um morro, não posso fugir dessa responsabilidade. Só que, por ora, ainda estou completamente perdida, sem saber por onde começar.
Era por volta das 21:00 quando a campainha tocou. Arrastei-me até a porta, ainda com a mente pesada pelos acontecimentos recentes. Era a Gabi, minha amiga, e sua presença inesperada me fez hesitar. Ela estava toda arrumada, o que só aumentou minha surpresa.
— Oi, amiga — eu disse, tentando não demonstrar o quanto estava desanimada. — Acho que você errou de casa.
— Não errei, não. — Gabi sorriu com um brilho travesso nos olhos. — Não posso deixar você aí, trancada dentro de casa, por semanas a fio. Sabia que existe um mundo fora dessas quatro paredes? Uma amiga me convidou para um baile, e você vai comigo.
— Baile? Você quer dizer numa favela? — Perguntei, chocada. Aquilo era a última coisa que eu esperava ouvir.
— Sim, amiga, numa favela. Para de ser preconceituosa. Aposto que você vai gostar. E, detalhe, é aniversário do dono do morro, que, por sinal, é o peguete da minha amiga — ela disse, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Minha mente começou a girar com as implicações do que Gabi estava sugerindo. O meu avô era do Comando Vermelho, mas lembro-me muito bem de que meu pai e meu irmão são do PCC. Será que eles poderiam estar nesse baile? A ideia de encontrá-los, de cara a cara, em um ambiente tão carregado, fez minha cabeça latejar. Mas, ao mesmo tempo, havia uma curiosidade sombria, uma vontade de confrontar essa nova realidade que me foi imposta.
Puxei meu celular e mandei uma mensagem para Cléber:
— Preciso que me envie uma foto do meu pai e do meu irmão. — Apertei "enviar" e continuei olhando para a Gabi, que ainda me observava com aquela mistura de insistência e paciência.
A resposta de Cléber chegou mais rápido do que eu esperava:
— Já te mando.
Respirei fundo e olhei para Gabi, tentando entender se deveria ou não ir.
— Me responda uma coisa — perguntei, com cautela. — Em que morro é esse baile? Sabe de qual facção ele pertence?
Gabi arregalou os olhos, surpresa pela minha pergunta, mas respondeu sem hesitar:
— Vamos para o Vidigal. Se eu não me engano, é comandado pelo PCC.
Ao ouvir aquilo, meu coração acelerou. Vidigal. O mesmo morro comandado pela facção do meu pai e do meu irmão. Não podia ser coincidência, não podia ser só um simples convite para uma festa. O destino, ou o que quer que fosse, estava me colocando exatamente no caminho que eu vinha tentando evitar. Eu, Lilith Santorini, conhecida como a "Advogada do Diabo," agora enfrentando a possibilidade de encarar, pela primeira vez, meu verdadeiro sangue.
Enquanto Gabi me observava, ansiosa para saber se eu iria ou não, meu celular vibrou novamente com as fotos que Cléber tinha prometido. Olhei para a tela, vendo pela primeira vez os rostos dos homens que, de acordo com tudo o que soube, moldaram o destino da minha vida sem que eu tivesse escolha. Meu pai, Jorge Alencar, o Corvo, com aquele olhar frio e impiedoso. Meu irmão, Pedro Henrique, o PH, um reflexo mais jovem, mas igualmente intimidador.
Aquelas fotos não eram apenas imagens para mim; eram as chaves para um passado que eu nunca conheci, para um futuro que eu estava prestes a descobrir.
— Você tem certeza que é uma boa ideia, Gabi? — perguntei, a voz saindo mais fraca do que eu gostaria.
Ela sorriu, segura como sempre.
— Confia em mim, Lili. Às vezes, a gente precisa sair da nossa zona de conforto para descobrir quem realmente somos. E, honestamente, acho que você está pronta para isso. Além do mais, você não vai estar sozinha.
Respirei fundo, sentindo uma mistura de medo e determinação se entrelaçar dentro de mim.
— Certo — eu disse, mais para mim do que para ela. — Vamos a esse baile.
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Atualizado até capítulo 82
Comments
Elayne Faria
sera que a Gabi sabe de alguma coisa ?
muita coincidência mesmo ou puro Destino
não tem foto do pai e do irmão.?
2024-12-03
1
Leydiane Cristina Aprinio Gonçaves
vai lá lilith e mostra para o seu progenitor e para o seu irmão que você é mais do que eles poderiam imaginar mostra para o c****** do seu progenitor que você apesar do abandono dele você se tornou uma mulher forte e guerreira capaz de fazer tudo para ser feliz é isso que importa lilith
2024-10-03
3