{Lucien}
O Reino de Silverlake erguia-se como uma fortaleza imponente sobre o lago prateado. As pedras negras de seu castelo refletiam a chuva que escorria como lágrimas de aço pelas muralhas. Guardas perfilavam-se nas passagens, e o ar carregava o peso da expectativa: afinal, naquele dia, o Arquiduque receberia a jovem destinada a honrar o pacto firmado anos atrás.
••• Após batalhas infindas e conquistas que transformaram meu nome em lenda, alcancei o mérito que outrora pertencia apenas ao sangue de meu pai. O norte, que chamava os Silverlake de bestas mortais, agora teme o som de meu passo. Fiz de uma cidade esquecida um trono, e de meu povo, guerreiros. Sou Lucien Silverlake, o Arquiduque. E hoje, uma dívida antiga será finalmente cobrada. •••
A lembrança era clara: um barão presunçoso, de valor tão frágil quanto o brilho de suas roupas caras, ousara atravessar os vales proibidos. Uma besta alada quase o partira em dois. Eu o salvei, mas o preço foi selado em sangue: uma de suas futuras filhas seria entregue a mim, como noiva, quando atingisse a maioridade.
Agora, o tempo cobrava sua promessa.
A carruagem Kensington aproximou-se do castelo sob o estrondo dos trovões. O som das rodas contra a pedra ecoou até o salão principal, onde eu aguardava em meu trono.
••• Não sabia o que esperar. Se a jovem herdara o caráter do pai, seria uma praga em minha casa. Mas havia em mim uma centelha de curiosidade — uma expectativa estranha, quase incômoda, de ver o rosto daquela que chegava não por escolha, mas por pacto. •••
As portas abriram. Eleanor Kensington caminhou pelo salão, seus passos medidos, a cabeça inclinada em reverência. Os ministros, mercadores e nobres presentes prenderam a respiração. Afinal, aquele era o dia em que eu, Lucien Silverlake, revelaria diante de todos a mulher que, por obrigação do destino, deveria se tornar minha esposa.
••• Ela não me fitava. Seus olhos permaneceram baixos, e a cada passo, eu ansiava que levantasse o rosto. Quando enfim parou diante de mim, pude vê-la. Seus cabelos castanhos ondulavam como se guardassem o perfume da chuva, e seus olhos, quando ergueram-se por um instante, eram como o céu do amanhecer — belos e inconstantes, azuis e cinzentos ao mesmo tempo. Naquele instante, percebi que ela não era apenas uma moeda de troca. Não. Havia nela algo que faria tremer o curso de minha própria vida. •••
O vestido que usava era simples, quase modesto diante da opulência do salão, mas nela assumia a dignidade de uma rainha. O contraste era um desafio, e aquele desafio despertava em mim algo quase selvagem.
— Vossa Excelência, Arquiduque — anunciou Lavosk com solenidade —, apresento-vos a Baronesa de Kensington, filha mais nova do Barão Art Victoria Kensington.
Ergui uma sobrancelha.
— Filha mais nova? Não imaginava que o Barão entregaria justamente a caçula. Ainda assim… — meus olhos se estreitaram, comparando-lhe os traços — há semelhança. Especialmente nos olhos. Diga-me, senhorita, qual a sua idade?
Eleanor ergueu-se com firmeza inesperada.
— Meu senhor, completo dezoito anos hoje.
Sorri de canto.
— Dois motivos para celebração, então. Levem a Baronesa aos seus aposentos e preparem-na para a cerimônia.
A ordem ecoou pelo salão. Todos se curvaram em reverência antes que eu deixasse o trono.
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No quarto, o barão encontrava-se pensativo. Enquanto os servos o ajudavam a vestir-se, sua mente estava fixada nos incríveis olhos azuis da baronesa. Nunca havia visto um céu tão azul, mas ao mesmo tempo tão cinzento. Era uma mistura de tons que o deixava sem o que pensar. Logo, sua atenção voltou-se para os lábios pequenos e esculpidos da jovem, sem mencionar o rosto que traçava uma linha curva, tornando-a ainda mais delicada.
Antes que seus pensamentos o dominassem completamente, o barão dirigiu-se aos aposentos da baronesa, onde a encontrou ainda mais bonita do que em seus vestidos simples.
Eleanor estava diante do espelho, envolta no vestido que os criados haviam preparado para a cerimônia. O cetim cor de champanhe refletia a luz das velas, e cada dobra parecia desenhar um segredo antigo. A renda rendilhava-lhe os ombros nus, expondo a delicadeza de sua pele, mas havia algo de desafiante naquela exposição — como se a própria vulnerabilidade fosse sua arma.
...{Eleanor}...
••• A cada ajuste das fitas, a cada botão fechado, eu sentia como se estivesse sendo selada dentro de um destino que não escolhi. O vestido era belo, sim, talvez o mais belo que já vesti. Mas não conseguia deixar de vê-lo como uma prisão bordada em fios dourados. Ainda assim, quando o tecido pesado se abriu em ondas na saia, e vi meu reflexo erguido em nobreza, compreendi: se era para ser peça em um jogo, eu escolheria ser a peça que mudaria as regras. •••
Quando a porta rangeu, revelando a figura do Arquiduque, Eleanor permaneceu imóvel, como se o encarasse já de pé num campo de batalha.
Lucien não disfarçou. Seus olhos percorreram o traje, descendo das rendas sutis no colo até a imponência da saia volumosa. A rigidez habitual em sua expressão se quebrou, por um instante, num olhar quase faminto.
— Hm… — sua voz grave soou como trovão abafado — devo admitir, baronesa, não esperava que um vestido simples carregasse tamanha força.
Ele se aproximou, e o peso de sua presença preenchia o quarto como se fosse impossível respirar.
...{Lucien}...
••• Era impossível negar: havia nela uma beleza que não nascia apenas do tecido ou das pérolas no decote. O vestido não a cobria, a coroava. E isso me irritava. Porque cada detalhe que deveria torná-la submissa, apenas a tornava mais soberana. •••
Lucien parou diante dela, inclinando o rosto como quem avalia uma joia rara.
— Lembre-se, Eleanor… este traje não é apenas para adornar-lhe. Ele anuncia ao mundo quem você será ao meu lado.
Mas quando seus olhos encontraram os dela, a ameaça implícita se transformou em outra coisa — respeito, ainda que velado.
Eleanor ergueu o queixo.
— Pois então que o mundo saiba, meu senhor. Este vestido não me faz pertencer-lhe… apenas prova que eu não sou menos do que ninguém nesta corte.
O silêncio após a declaração foi cortante. Pela primeira vez, talvez, Lucien não respondeu de imediato.
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Por um instante, Lucien sentiu um impulso primitivo de arrancar aquele tecido e despir dela não apenas o vestido, mas cada camada de segredo. Ainda assim, conteve-se.
Aproximou-se devagar, sua voz carregada de autoridade e impaciência:
— Conte-me a verdade, Baronesa Kensington. Por que seu pai enviou a filha mais nova em vez da mais velha? Normalmente, os pais são mais apegados aos filhos mais jovens. Não ouse mentir para mim. O mesmo poder que seu odioso pai usou para entregá-la a mim, eu tenho para reduzir toda a sua linhagem a cinzas.
O silêncio após a declaração foi cortante. Pela primeira vez, Eleanor não desviou o olhar. E, num tom calmo, pediu:
— Mesmo que eu revele a verdade... poderia fazer-me um favor?
Lucien arqueou uma sobrancelha, intrigado.
— Você ousa me pedir algo quando está à beira de ser desmascarada? Confesso, admiro sua coragem, baronesa. Fale. Talvez eu considere.
Respirando fundo, Eleanor confessou:
— Não sou quem acreditam que eu seja. Sou uma filha ilegítima. Minha mãe era uma criada. Em um momento de fraqueza e bebedeira do Barão Kensington, fui concebida. A baronesa, esposa dele, tentou me matar antes mesmo de nascer. Mas, por capricho da deusa — ou ironia do destino —, nasci com uma beleza que me salvou. O barão decidiu me manter por conveniência política. Nunca fui nada além de um objeto em suas mãos.
O Duque de Silverlake a fitou, atônito. Por um instante, parecia que as paredes do quarto haviam se fechado em silêncio. Então, a fúria tomou-lhe o olhar.
— Esse desgraçado...! — exclamou, num tom que fez estremecer até as velas no candelabro. — Usar a própria filha como moeda? Você não deveria ter suportado tamanha crueldade.
Lucien se ergueu, impondo sua presença como se a própria sombra dele pesasse sobre o ambiente.
— Escute bem, Eleanor. O casamento permanecerá por três anos, até que seja legalmente anulado. Mas eu juro que, enquanto estiver ao meu lado, não será desrespeitada nem tratada como um joguete. Eu lhe darei o status que merece e a proteção que lhe foi negada desde o nascimento.
Ele se aproximou ainda mais, sua voz agora grave, quase como uma promessa e uma sentença ao mesmo tempo:
— Agora me diga... qual é o seu pedido?
Os olhos de Eleanor brilharam com uma determinação que não vinha apenas da dor, mas de um fogo próprio.
— Conceda-me o poder necessário para destruir a família que arruinou a vida de minha mãe... e que transformou a minha em sofrimento desde o primeiro respiro.
O silêncio voltou a dominar o quarto. Pela primeira vez, Lucien não respondeu de imediato. O peso da revelação, o veneno do pedido e a beleza incômoda daquela mulher se chocavam em seu íntimo. O Duque de Silverlake a encarou — e naquele instante, ele sabia que a história dos dois acabara de mudar para sempre.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Ana Regina Fernandes Raposo
ISSO MESMO SE VINGE COM GRAÇA, ADORANDO A HISTÓRIA.
2024-08-20
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