Capítulo Dezesseis

YANLIE

Olhei para o relógio na pequena sala do dormitório da Aurora, o lugar que eu estava começando a chamar de casa inconscientemente.

Quando o relógio marcou oito horas da noite decidi ir buscá-la. Era a primeira vez que eu faria isso e não sabia porque não tinha pensado nisso antes. Andar a noite era perigoso e eu sabia disso até porque Aurora havia sofrido duas situações de risco em momentos noturnos.

Descobri onde ela trabalhava há algumas semanas quando disse que eu precisava saber caso precisasse da ajuda dela, mas ela pediu para eu nunca aparecer apenas em casos extremos. Mas como já fazia dias desde essa conversa, imaginei que ela pudesse ter mudado de ideia. Afinal agora éramos amigos.

Amigos. Essa palavra ainda soava estranha quando eu pensava em mim e Aurora, talvez parceiros fosse mais apropriado. É, eu gostava mais disso.

O ar frio que me rodeava enquanto eu caminhava pelo local onde a Aurora estudava fazia eu me lembrar de casa, mesmo que minimamente.

Os olhares nada discretos de algumas humanas não me passou despercebido, mas agi naturalmente como se eu estudasse naquele lugar ou pelo menos parecesse um visitante decente. Felizmente ninguém ousou conversar comigo e imaginei que as roupas que a Aurora havia me dado ajudassem nisso já que antes minhas vestes da Terra da Lua chamavam muita atenção.

Em um belo dia, no quinto em que eu estava com ela para ser preciso, Aurora trouxe algumas roupas para mim e eu li na sacola o nome "brechó", imaginei que ela não fizesse ideia de que eu tinha conhecimento sobre esse lugar, afinal na Terra da Lua era comum que alguns nobres vendesse roupas que não queriam mais como um comércio.

Mas isso não me ofendeu, eu sabia que, nas condições dela, esse era o melhor que ela podia me dar. E mesmo sendo um príncipe, eu sabia reconhecer generosidade. Minha mãe havia me ensinado isso. Já meu pai havia me ensinado que toda boa ação tinha um preço, mas eu gostava de pensar que com a Aurora era diferente. Não devíamos nada um ao outro, mas caso um dia colocássemos em dívida, eu com certeza estaria com uma bem maior que a dela.

Chegando naquele estabelecimento de alimentação, que eu havia esquecido o nome, pensei em entrar no segundo em que vi a Aurora por uma das grandes janelas de vidro. Porém, meus sentidos ficaram completamente em alerta quando notei que um homem a olhava. Um olhar sujo.

Aurora seguiu seu caminho segurando uma bandeja com algum líquido quente em uma xícara e eu pude ver através da expressão do homem. Eu podia sentir cada ideia suja que estava surgindo em sua mente.

Ele estava levantando e caminhando na direção dela, e eu sabia o que ele queria fazer. Ele esbarraria em Aurora e faria aquele líquido molhar suas roupas que possivelmente a queimaria no mesmo instante e ela teria que tirar sua camisa no meio de todos os clientes.

Como se eu estivesse em um dia comum na Terra da Lua, me teleportei para frente da Aurora antes que o homem colidisse com ela. Fiz uma careta quando ele colidiu comigo e, pelo susto, Aurora derramou o que reconheci como café em minhas costas.

— Yanlie! — Ela disse surpresa e preocupada.

Todos nos olhavam e alguns cochichavam querendo saber de onde eu tinha surgido.

— Olha por onde anda — O homem esbravejou para mim e tentou olhar para Aurora.

Meu sangue ferveu. Nem mesmo com a minha interrupção ele parava com os pensamentos sujos. Sua mão empurrou meu braço numa tentativa de me afastar da Aurora para ver se ela "estava bem".

Assim que senti o toque da sua mão no meu braço pude ouvir todos os seus pensamentos. Repulsa tomou conta de mim ao descobrir quantas moças ele já havia assediado com esse truque imundo.

Pude ver quando ele sujava as garçonetes de propósito e oferecia ajuda, uma ida ao hospital ou até mesmo sua casa para prestar "primeiros socorros". Ele as tocava de forma imprópria até que elas se sentissem desconfortável e tentassem sair. Algumas não conseguiam.

— Quantas vezes já fez isso? — Esbravejei.

— Do que está falando? — Ele retrucou com irritação.

— Quantas mulheres já assediou?

Seus olhos se arregalaram e eu senti o medo em seu semblante. Medo de que eu estivesse ali buscando justiça por alguém.

— Não sei sobre...

Não deixei que ele terminasse, puxei os dois braços dele até sentir os ossos deslocarem dos ombros. Ele gritou assim como as pessoas na lanchonete.

Segurei seu rosto e abri sua boca prestes a arrancar aquela língua imunda. Porém, a mão da Aurora tocou meu braço. Sua mão quente, humana, em meio ao frio que me rodeava. Só então percebi como tudo havia escurecido, como eu havia feito o mundo a nossa volta ficar sombrio e gelado. Eu estava usando meu cultivo das sombras.

Mas não queria parar. Aurora não fazia ideia de quem era aquele cara e com certeza me agradeceria depois.

Ouvi um disparo, aquele mesmo disparo que os assaltantes deram contra mim. Um outro homem, que reconheci como possível dono do local por causa do uniforme, estava na rua com algo de metal na mão. Uma arma, Aurora havia me explicado há muito tempo.

— Eu não quero saber o que estão resolvendo, mas saiam do meu estabelecimento.

Eu o ignorei e puxei a língua do ser repugnante na minha frente. Seu grito me fez sorrir instintivamente, mas outro grito se juntou ao seu, o da Aurora.

E por mais raiva que eu precisasse conter naquele instante, soltei o homem e puxei Aurora pela mão que agora estava fria. Dei um último olhar para o chefe da Aurora, o único humano que havia restado já que os outros haviam corrido e o bandido não acordaria tão cedo. Modifiquei suas lembranças e sem dizer nada, apenas nos teleportei para longe, para o seu dormitório.

— Você está...

Aurora se afastou e fiquei surpreso por ver medo em seus olhos. As sombras ainda me rodeavam e pisquei forte tentando fazer com que sumissem.

— Aurora, aquele homem...

— Você enlouqueceu!?

— Aquele homem era um bandido, ele queria...

— Yanlie, você acabou de usar magia na frente de todos, não apenas isso, mas também me levou embora... O que o meu chefe vai pensar!? Eu preciso desse emprego!

— É nisso que está pensando!? Eu salvei a sua vida!

— Eu não lembro de pedir que salvasse!

— Você que parece ter enlouquecido, tem noção do que ia acontecer com você!?

— Tenho certeza que não seria pior que um psicopata arrancando a língua de alguém!

Suas palavras me feriram. Por mais que ela sempre me chamasse de psicopata, eu estava tentando defendê-la, protegê-la, algo que eu nunca... Eu nunca havia feito por ninguém.

— Eu escutei os pensamentos dele, eu vi tudo, ele abusou de inúmeras mulheres nos últimos anos — Falei num tom rígido, pois não queria que ela visse como eu estava chateado. — Ele ia fazer o mesmo com você.

— Eu já lidei com situações de assédio, você não precisava...

— Sim, eu não precisava — A interrompi. — Mas a defendi mesmo assim, mesmo custando o segredo do meu povo, mesmo que eu não devesse usar magia na frente dos humanos.

"Eu fiz por você e não faria por mais ninguém" era o que eu queria dizer, mas isso soava tão estranho e novo para mim que não ousei dizer mais nada.

— Você deveria voltar para a lanchonete, seu chefe deve estar procurando você — Falei. — Eu modifiquei as lembranças dele, seu emprego está intacto.

Aurora me olhou surpresa e vi certo arrependimento em seu semblante. Mas eu já estava magoado, meus sentimentos eram muito intensos com pessoas que eu gostava.

E ao olhar uma última vez para Aurora, percebi que ela havia deixado de ser uma humana insignificante há muito tempo. Porém, ela saiu sem dizer uma palavra e eu conclui que talvez apenas os meus sentimentos tivessem mudado.

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Comments

Lucilene Palheta

Lucilene Palheta

tadinho ,o problema é que ele faz antes de pensar ,mas amei ele defendendo ela ,lindo ❤️🤩😻😍

2024-05-22

3

Tania Loz

Tania Loz

hoooooo 😞😞😞😞

2024-05-22

1

Reni Demetre

Reni Demetre

/Casual//Casual/

2024-05-20

2

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