Capítulo Quinze

AURORA

Nos dias em que eu precisava ir para a faculdade e para o trabalho, pedi ao Yanlie ficar dentro do meu dormitório e não sair de jeito nenhum. Como ele tinha essa "habilidade" de comer muito, mas poucas vezes na semana, eu prometi que levaria um bom jantar para ele.

E assim tinha sido por uns bons dias e, sem perceber, comecei a me acostumar com a presença do Yanlie. Minha rotina agora era chegar no meu dormitório e encontrá-lo afundado nos livros de fantasia que eu havia pego na biblioteca ou então no meu notebook, que ele havia aprendido a usar em menos de uma hora.

Outra coisa que começou a fazer parte dos meus dias foi a mão do Yanlie segurando a minha. Toda noite, ele simplesmente sentava no chão ao lado da minha cama e estendia sua mão em um pedido silencioso. E por mais que eu tenha demorado a dormir nas primeiras noites, na terceira noite o sono começou a vir muito mais fácil do que quando eu dormia sozinha. Mesmo sabendo que Yanlie não dormia um segundo, pois eu podia sentir o que ele chamava de cultivo, e eu não sabia se ele tinha conhecimento disso.

Aos fins de semana, Yanlie me ajudava com algumas tarefas da faculdade e eu me perguntava se havia alguma coisa em que ele não era bom.

Assim passou um mês e o elfo estranho aos poucos foi se tornando meu amigo, mas claro com muita dificuldade já que nossas personalidades eram conflitantes.

— Algum progresso hoje? — Perguntei ao acordar e encontrá-lo lendo no meu notebook enquanto segurava a minha mão.

Outra habilidade dele. Ler e cultivar ao mesmo tempo. Eu não sabia quanto tempo ele teria que cultivar para ser capaz de abrir um portal, mas quanto mais os dias passavam, mais eu desejava que ele pudesse ficar um pouco mais.

— Eu me sinto mais forte, porém não quero arriscar ainda — Ele disse e olhou a mão que não estava segurando a minha. — Quanto a minha pesquisa, vocês humanos sabem muito pouco sobre nós e o que teorizam é um pouco ridículo.

Ri baixo ao lembrar de quando Yanlie descobriu que as fadas que "conhecíamos" eram pequenas e às vezes malvadas. Eu tentei argumentar falando sobre a Tinker Bell, mas ele pareceu mais ofendido ainda.

— Sinto muito por isso, pelo menos sabe como voltar de qualquer forma.

— Sei, mas tem algo errado, mesmo quando a toco e sinto meu poder, ainda não consigo abrir um portal — Yanlie disse frustrado e se virou para olhar para mim. — Aliás, você dormiu bem? Senti seu sono inquieto hoje.

Olhei para aqueles olhos de íris tão douradas quanto ouro. Yanlie havia mudado um pouco nas últimas semanas. Antes suas perguntas pareciam rotineiras, mas agora ele me olhava atentamente como se esperasse minha resposta mais sincera.

Observei ele sorrir e só então lembrei que ainda estávamos de mãos dadas e ele tinha acesso aos meus pensamentos. Maldito.

— Às vezes fico assim quando as provas se aproximam — Falei e puxei minha mão da dele. — Pare de xeretar minha mente.

— Aurora, Aurora, se eu não fizer isso como posso saber que você me adora em segredo?

— Quem o adora!? — Bati em sua testa e fiz uma careta ao sentir minha mão doer.

— Quantas vezes preciso dizer para não me bater — Ele disse num tom irritado.

Apesar do tom, suas mãos não eram nada agressivas quando ele afastou meu notebook do seu colo e se virou totalmente para mim em busca de algum ferimento nos meus dedos.

Contive qualquer pensamento agradável sobre aquele ser irritante enquanto ele especionava minha mão. Yanlie riu baixo e massageou meus dedos por mais que eles não estivessem mais doloridos. E ele sabia disso.

— Eu sei que não doem, mas você tem leves ferimentos bem aqui... Onde aconteceu isso? — Ele questionou.

— Na lanchonete, eu precisava pegar umas caixas pesadas e uma caiu na minha mão — Murmurei.

— Você é tão frágil, como podem deixar que carregue coisas!?

Puxei minha mão com agressividade. Ele não sabia mesmo como mulheres humanas funcionavam.

— É o meu trabalho e eu não sou frágil — Retruquei.

— Considerando que seu tapa a machuca ao invés de mim...

— Você é mágico, não conta e também mesmo se fosse humano, você é acima da média com todos esses músculos.

Ele sorriu divertido e eu me amaldiçoei mentalmente. Não era bom elogiar o Yanlie, mesmo que indiretamente.

— Você ainda pensa no meu corpo mesmo não o vendo há semanas?

Peguei meu travesseiro e bati em seu corpo. Sorri satisfeita quando ele me olhou entediado. Eu deveria bater nele com travesseiros a partir de agora...

— Estou apenas comentando — Dei de ombros. — Assim como você não tem interesse em humanos, eu não tenho em seres mágicos.

— Isso é um alívio.

Percebi que ele estava falando sério quando o sorriso sumiu do seu rosto. Mesmo não gostando dele dessa forma, não sabia porque era tão ruim eu desenvolver sentimentos por ele e vice-versa.

Eu sabia que ele era um elfo, mas isso não importava se pensássemos apenas com o coração. Pelo menos era o que eu acreditava.

— Por que um alívio? — Perguntei curiosa.

— Porque eu não pertenço ao seu mundo, Aurora — Yanlie respondeu. — E eu confio em mim, sei que não me apaixonaria por você, mas não sei se posso dizer o mesmo sobre você.

— Não seja tão convecido — Forcei uma risada. — Eu definitivamente não gostaria de você.

— Que bom — Ele sorriu estranho e levantou. — Pois em breve devo partir.

Yanlie saiu do quarto para fazer o possível café na cafeteira do meu dormitório. Ele havia aprendido no primeiro dia que ficou sozinho e por mais que o sabor não fosse muito agradável, eu sempre bebia, pois ele sempre trazia para mim.

Fiquei pensando em seu sorriso não muito sincero e em como o clima havia ficado estranho de repente. Porém, afastei esses pensamentos. Yanlie tinha razão, ele não pertencia a esse mundo e se apaixonar por uma humana seria loucura.

Levantei com o pensamento de que era bom que pensássemos igual.

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