Quarto 101

— Amanda deve ser amiga de sua filha a muito tempo. Intendo que ainda tenha esperanças.- Observa Evandro.

— Amanda e Jeisa se conhecem desde criança.- Responde minha mãe ainda de cabeça baixa.— Creio que as esperanças de Amanda estão voltadas mais a fé do que pela medicina.- Completa minha mãe agora, desviando o olhar para Evandro. 

— Pelos meus anos de residência, acredito que as suas também. 

— Sei que parece estranho! Mas não acredito que Deus possa interferir na situação de minha filha.- Confessa minha mãe se levantando para ir em bora.

— Quero deixar explícito dona Lilian.- Começa Evandro acompanhando minha mão até a porta.— Farei tudo que estiver ao meu alcance para trazer sua filha de volta. Em bora acredite que será em vão, mas reconheço que não será fácil mas certamente não impossível. 

— Intendo perfeitamente doutor. O que acontecerá de certo modo, já me conformei e estou pronta para o pior.- Fala minha mãe passando pelo portal da porta.

 Segui minha me pela recepção e depois para o elevador. Fiquei ao seu lado enquanto o elevador subia para o sétimo andar. 

 O elevador estacionou e as portas se abriram. 

 Onde minha mãe queria chegar, até então não sabia. Caminhando a passos largos tive dificuldade em acompanhá-la com a cadeira de rodas. Minha mãe entrou por uma porta à esquerda, antes que pudesse passar para o outro lado a porta se fechou. 

 Ninguém podia mesmo me ver. Minha mãe fechando a porta na minha frente. E depois mesma enfermeira do elevador passou por mim no corredor, quando pedi que abrisse a porta do quarto 101. A enfermeira continuou seu caminho até em frente ao elevador, chamou o elevador e permaneceu em frente a ele até que o elevador chegasse.

 Enquanto o elevador não chegava, parei ao lado da mulher falando o mais alto que podia, em seu jaleco pude ver seu nome. A enfermeira se chamava Bruna, chamei por seu nome algumas vezes e mesmo assim não pareceu me notar, assim que as portas se abriram ela passou do corredor para o interior do elevador com dois passos enquanto fiquei parada vendo as portas fecharem.

 Ninguém podia me ver, isso significava que algo de errado não estava certo! Como um flash de memória lembrei de um homem. Um homem muito magro, bastante calvo de pálpebras pálidas. Lembrei dele, mas não de onde tinha visto. Não sabia nem mesmo seu nome.

 Voltei para a frente da porta e levei a mão para a maçaneta quando a porta se abriu sem nem mesmo ter tocado na maçaneta. Em frente à porta do outro lado estava o homem de meu flash de memória. 

No interior do quarto também se encontrava Amanda, em pé ao lado de meu pai ao lado da cama. Minha mãe sentada em uma poltrona próximo à janela. Assim que  passei pela porta, o homem muito magro fechou a porta fazendo o máximo de barulho possível. 

 Ninguém ali percebeu a porta se abrir e depois ser federada com um estrondo quase ensurdecedor. 

— Bom te ver Jeisa. De novo! Imagino que não lembre de mim.- Fala o homem.— Entre. Sinta-se em casa.- Convida som rodeios. 

— Que quer dizer com " De novo "? Já nos conhecemos? Lembro de você, de onde é que não tenho recordação.

— Você mesma pode responder. 

— Deixa eu adivinhar! Nós conhecemos de algum lugar, e devido ao acidente que sofri perdi a memória. 

— Resposta errada. Nós nos conhecemos já faz um tempo. E você não perdeu a memória, está mais para perda de casca.

— Virei a árvore para perder casca agora?

— Se prefere assim.- Diz o homem com um breve sorriso. 

— Venha... Junte-se a nós. Estou aqui de penetra, mas, mesmo assim posso lhe convidar, ninguém aqui pode nos ver. Aliás, faça o favor de levantar dessa cadeira. Não precisa dela nesse plano.

— Como assim nesse plano?

— Lá vamos nós outra vez... -Diz o homem levando as mãos à cintura.

 Estavamos ainda próxima a porta, minha mãe e Amanda conversam sem desviar os olhos da cama. Meu pai parecia estar tendo um colapso, era difícil de entender o que estava passando, os três ali mantinha o olhar fixo em alguém só rê a cama. 

— Venha Jeisa. Junte-se a seus familiares e amigos.- Fala o homem de preto andando alguns passos até a cama.

 Me juntei a ele, antes de me dar conta que estava olhando para mim mesma deitada sob a cama.

— Levante se desta cadeira Jeisa. Assim terá uma vista mais periférica.- fala o homem batendo com a ponta da bengala em minhas pernas.

Levantei vagarosamente da cadeira, me apoiando na cama para caso viesse a cair. Ao menos era isso que esperava.

 Logo que fiquei sob as planta dos pés senti uma coisa dura e maciça cair sobre meus pés, olhei de relance para baixo, os gessos que cobriam minhas pernas tinha se dividido em quatro partes. 

 Nesse momento tive um segundo flash de memória. Percebi que já havia estado neste mesmo quarto.

 Reparei nos aparelhos, o monitor de batimentos cardíacos, a sonda e o cilindro de oxigênio estavam perfeitamente onde estavam durante a primeira visita. 

 Olhei para o relógio digital que agora marcava oito e dez da manhã. Em um terceiro flash, vislumbrei exatamente de que quando estive no quarto o relógio marcava meia noite e trinta e oito minutos. 

 Da primeira vez eu não havia notado ou o relógio não marcava a data. 

 Me virei para encarar o homem. 

— Aquele relógio. Ele está correto?

— Como da primeira vez que o viu, está corretíssimo. 

 Olhei novamente para o relógio. Aquilo significava que estava vivendo o dia vinte e três de maio do ano de dois mil e vinte e três.

 Um quarto flash de memória surgiu me revelando partes da visita. 

— Já estive aqui!- Afirmo sem ter a devida certeza. 

— Sem dúvidas?

— Estive aqui. Estive aqui com você. Porque me trouxe aqui novamente?

— Desta vez não tive nada a ver com isso. Veio porque quis.

 O quinto e último flash veio como um martelo em minha testa. 

 O flash de meu acidente. Onde tudo começou.

Quando voltei para a realidade, encaro o homem ao meu lado.

— Então é verdade! Assim como Evandro falou, estou em coma esse tempo todo. Estou quase morta.- Falo gaguejando as últimas palavras. 

— É isso aí...- Afirma o homem dando a volta da cama e se prestando de frente ao monitor de batimentos cardíacos. A linha subia e descia fazendo um som sonoro. 

— Seus batimentos estão meio baixos. Como uma estudante de engenharia não deve ter conhecimento dessas coisas. Isso significa alguma coisa para você?- Diz batendo na tela do aparelho com o nó do dedo indicador. 

Meus batimentos cardíacos estavam em 35 bpm. 

 O homem me encara e lança um sorriso. 

— Estou a ponto de ter uma parada cardíaca!-Falo espantada observando o número verde no canto superior esquerdo da tela.

— Não se preocupe.- Começa o homem.— Se estivesse já estaria morta. Desde que passou pela sua segunda cirurgia seus batimentos cardíacos são esses. 

 Termina o homem voltando para meu lado. 

— Estou sendo controlada pelos aparelhos. Quanto mais batimentos cardíacos, mais a pressão sanguínea aumenta. 

— Podendo causar danos ao cérebro. Já que está fraca e debilitada.- Fala o homem me interromdo e ao mesmo tempo completando meu raciocínio.

— Amanda tem esperanças de me ver em pé novamente.- Falo olhando para minha amiga que segurava minha mão com firmeza.

— É uma amiga e tanto. Tem sorte de tê-la por perto. E também de ninguém precisar desse quarto de UTI. 

— Como ceifeiro já deve ter levado muitas almas. Porque não me levou ainda?- Pergunto sem rodeios. 

— Simplesmente por não ser seu momento.

— E precisa ser?

— Todo mundo precisa. Não é porque está morrendo que tudo precisa ser apressado. 

— Sabe! Não entendo. Enquanto algumas pessoas tem uma morte instantânea e sem sofrimento, outros são submetidos a uma morte dolorosa e agonizante. 

— A vida é uma caixinha de surpresas, não é mesmo Jeisa? Seu corpo assim como Amanda estam lutando para que fique.

— Então porque...

— Xiiii... Ainda não terminei.- Me interrompe erguendo o dedo indicador em frente aos lábios.— Seu corpo está tentando de todas as maneiras. E tentará até a exaustão, quanto sua amiga... Não tenho certeza, essa vai ser osso duro de roer. Mas também cairá, será apenas questão de tempo. Dias para ser mais exato. Agora continue com seu raciocínio.- Diz juntando as mãos em frente ao corpo. 

— Se estou... Quer dizer! Meu corpo está lutando por minha alma. Porque não acontece nada? 

— Seu corpo não manda nada. Um exemplo disso, sua alma ainda está fora dele. Assim como um filho que pede um brinquedo para seus pais e eles o ignoram. 

— Quer dizer que meu corpo são os pais e minha alma é a criança?

— Ao contrário. Seu corpo é uma criança, ele pede, mas você o ignora.

— Então se eu não o ignorar...- O homem me interrompe novamente.

— Podría tentar. Se o filho pedir e o pai não tiver dinheiro, isso não mudará nada. 

— O filho passa vontade e logo esquece.- Falo gesticulando com os ombros. 

— Seu corpo está à beira disso. Como chegou a essa conclusão?

— Já fui criança. 

— Já pediu algo a seus pais e eles recusaram. 

— Na verdade, não foi bem um pedido. Foi um acordo. 

— Que tipo de acordo?

— Quando completei quinze anos. Estava disposta a trocar minha festa de aniversário por uma viagem. 

— Eles aceitaram?

— De primeiro momento sim. Decidiria para onde iria viajar na semana seguinte. Quando decidi, achei improvável que topassem, mas resolvi tentar e o resultado foi desastroso. 

— Queria conhecer outro país?

— Outro país. Outro lugar. Queria ir para os Estados Unidos, minha vontade era conhecer Hollywood. 

— Seus pais disseram não! Deixa eu adivinhar, com o tempo esqueceu de seu sonho. 

— Ainda quero. Não com a mesma intensidade. Mas agora acho impossível que aconteça.-Falo encolhendo ombros. 

— Não quero dar palpite muito menos criar esperanças mas, se sair desse hospital, recomendo Paris. 

— Porque? Só pela Torre Eiffel?

— Também! Mais é pela história da França. 

— Confesso que a única coisa que sei da história do país, é caçada às bruxas. E também sei que o último surto de peste negra ocorreu em Marselha em 1720, quando foi erradicada. Tem mais alguma coisa que preciso saber?

— Não. Na verdade não sei o porque entramos nesse assunto.- Diz o homem virando-se para me encarar.— Onde estávamos?

— Na parte em que meu corpo quer minha alma de volta. 

— Há sim...! Infelizmente não será possível. 

— Isso porque meu corpo já está morto! 

— Se estivesse morto, seu corpo já não estaria mais aqui. E sim em um cemitério.

— Obrigada por ser tão direto.

— Eu é que pesso desculpas, esse é meu trabalho. Simplesmente falar a verdade.

— Se não estou morta porque você está aqui?— Porque não consigo voltar?

— Poxa! Voce é boa com perguntas. Para isso vou dar a oportunidade de você mesma poder respondê-las. Você tem vinte e quatro horas. Depois lhe trarei de volta sem aviso prévio. 

— De volta! De volta de onde?- Pergunto o encarando enquanto levantava um dos braços diante de meu nariz com o punho cerrado.

— Saberá quando chegar. Agora vá. O tempo está passando.-Termina estalando os dedos. 

 O estalar dos dedos me fez fechar os olhos involuntariamente, em um décimo de segundo tudo escureceu. Podia sentir que  ainda estava em pé e com os olhos abertos. O quarto bem iluminado onde estava foi substituído por uma escuridão profunda. E então parecia que tinha caído para trás sobre algo macio e confortável.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!