— É… Isso aí. É assim que vocês chamam? Sabia que na verdade essa palavra tem a ver com retorno ao próprio corpo, mas quando uma alma reencarna como vocês dizem, obviamente ela volta em um corpo diferente e recomeça a vida com outro propósito
— E qual é esse propósito?
— Nescer. Crescer. Se reproduzir e morrer.
— Com certeza esse reproduzir não é o meu propósito.
— O que aconteceu com você, afirmo que não foi sua culpa.
— Culpa de quem então?
— Ninguém! Absolutamente ninguém.
— Vamos voltar ao assunto que me interessa.- Falo olhando para meu pai.
— Então se eu ficar, permanecerei para sempre vagando por aí como um fantasma, até encontrar um ceifeiro de coração bom para abrir a porta de entrada no paraíso. Mas se eu for, por outro lado, poderei regressar algum dia. Foi isso que entendi?
— Poxa! Está melhorando. Já posso ver você retornar a vida terrena em três ou dois "M"
— Esse "M" quer dizer mês?
— Não. Quer dizer milênio. Mas passa tão rápido que parece dias.
Pensei em dizer sim, passar pela luz e deixar esta vida para trás, não por saber que talvez não tinha mais possibilidades de voltar para meu corpo de modo que minha vida continuasse, mas pelo fato de ver o sofrimento de um homem que um dia me proporcionou a vida e agora sem poder fazer absolutamente nada para conservá la, degradando se dia após dia ao lado do leito de morte da propria filha.
Pensei como meus pais, amigos e principalmente Eduardo ficariam após minha partida, se bem que já não deveria estar fazendo falta, pelo tempo que estava no hospital, acredito que todos tenham esperanças de me ver como antes.
Olhei novamente o semblante cansado do meu pai. Parecia que não dormia a dias, me dei conta que assim como meu pai estava, minha mãe também deveria estar.
Quem sabe se eu mesma dando um fim nisso, meus pais voltariam a suas vidas normais, seria difícil nos primeiros dias, meses ou talvez um ou dois anos. Minha mãe transformaria sua triste experiência de perder sua única filha em páginas de algum livro, quanto a meu pai talvez se ocupasse com trabalho e logo esqueceria de mim, lógico que seria mil vezes melhor que passar as noites dormindo sentado.
Voltei a atenção para o homem pálido que agora gentilmente acariciava meu ombro.
— Sei que decisões como essa são difíceis.
Disse bruscamente.
Senti um aperto no coração, senti como se ele estivesse sendo espremido.
— Porque…- Balbuciei choramingando.— Porque isso está acontecendo comigo? Que droga...!
— O destino de vocês humanos é aleatório, nunca acabará da forma que esperam, quem cria o meio e o fim da história são vocês mesmo, Deus apenas toma nota.
— Quer dizer que Deus existe?- Pergunto gentilmente enxugando mais algumas lágrimas com a manga do roupão.
— Ora! Claro que existe.- Afirma abrindo de leve os braços.— Cá entre nós, Deus escreve as decisões que vocês tomam. O que irá acontecer na vida de cada pessoa é por conta de cada pessoa. Quando escreve, Deus não sabe do final.
— Mas Deus sabe que algo irá acontecer, mesmo sendo bom ou ruim.
— Deus escreve certo por linhas tortas, enquanto a humanidade escreve errado por linhas retas.
— Como assim. O que quer dizer?
— Quero dizer que vocês fazem as coisas acontecer, vocês transformam as coisas mais simples em Dificuldades.
— Se entendi, Deus quer que tudo seja simples.
—Exatamente. Deus quer que tudo esteja em perfeito equilíbrio e harmonia. Mas deixa que seus filhos tomem o rumo da própria vida, essa é a lei do livre arbítrio. O caminho que você tomou levou você a estar aqui. Não só você, mas cada habitante da terra. É triste o que acontece com vocês. Do modo em que acaba.
— Triste? Isso é no mínimo bizarro. Mas então quer dizer que fiz algo de errado no passado, por isso então estou aqui?
— Em seu passado muita coisa está incorreta.
— Como o que? Pode me dar um exemplo?- Questiono tentando lembrar de momentos da minha vida.
— É uma longa história. Não queira colocar a carroça na frente dos bois, geralmente essas coisas acabam mal.
— O que irá acontecer com meus pais?
— Disso não sei, não tenho acesso a essas informações.
— E claro que não. Mas me refiro após minha morte.
— Segundo a lei natural. Continuaram a vida. Claro que será de certa forma, mais complicada.- Termina encolhendo os ombros.
— Depois de um tempo esqueceram de mim. Não é.
— Esquecer não é bem a palavra, nem o sentido. Eles apenas se conformaram com o que aconteceu, aceitaram sua ausência. Você já perdeu um ente querido? Não ouse mentir, sei de muita coisa sobre você.
— Minha tia.- Falei.
— Como se sentiu?
— Vazia... Durante meses... Nada fazia sentido.
— É exatamente assim que sua família irá se sentir. Oque você sentia passou. Esse sentimento desapareceram?
Respondi com um aceno de cabeça.
— E você aceitou a ausência dela?
Fiz outra afirmação com a cabeça.
— Guardou para si apenas memórias boas, momentos alegres que passou em sua presença. Por isso digo, não tenha medo de deixar essa vida Jeisa. Quem deixar para trás não irá lhe fazer falta, e sim, você fará falta para algumas pessoas, é como falei, com o passar do tempo aceitaram sua perda, e cultivaram somente as memórias boas referentes a você.- Termina fazendo outro afago em meu ombro.
— Não sei se estou pronta.- Falo deixando escapar outro soluço.
— Talvez se você se permitir…- Começa mas para abruptamente.
— Se permitir o que?
— Desculpe-me. Não era para ter usado esta expressão. Quero dizer que está receosa de deixar quem ama. Acredita que não viveriam sem você.
— Não estou dizendo isso, nem mesmo estou com medo algum.- Falei esfregando a palma da mão sobre o nariz— Sei que não será fácil para eles.- Continuei.— Sei o que é perder um familiar, já passei por isso, e sei o que pode causar. E sei também que continuaram com ou sem mim.
— Viu! Você está aceitando seu destino.
— Não disse isso. Não disse que estou aceitando meu destino.- Discordo o encarando friamente.
— E precisa dizer... As palavras dizem tudo, mesmo que não sejam da maneira que eu gostaria de ouvi-las.
— Que Queria ouvir? "Um sim" ou "Eu aceito o que está por vim"?
— Mais ou menos isso. Entendo que no momento está dividida entre seus sentimentos e as suas decisões. Tem receio que uma decisão possa prejudicá-la. E seus centímetros estão acima de qualquer coisa.
— Não sei como sabe disso, mas creio que esteja certo. Desde que entrei nesse maldito quarto, soube o que está acontecendo, sabia que teria que tomar uma decisão.
— Antes que possa tomar qualquer atitude. Quero que me acompanhe a alguns lugares.- Diz estendendo a mão para a porta por onde entramos.
— Que lugar?- Perguntei com um olhar desconfiado.
— Um lugar onde já esteve, várias e várias vezes, mas que talvez não tenha recordações mas, tenho certeza que este lugar lhe trás boas recordações, alguém que conhece, cuida muito bem desse lugar.
Baixei a cabeça enquanto ouvia essas palavras, imaginei que estivesse falando de Eduardo. Não entendi onde queria chegar, nem onde me levar ,mas fui tomada por um súbito encorajamento, algo me dizia que deveria segui-lo. Assim que levantei o olhar meu guia já se encontrava do lado de fora do quarto me encarando.
Assim que me juntei a ele fiz uma única pergunta.
— Para onde vai me levar?
Quanto a essa pergunta não obtive resposta. O homem pede que eu fechasse os olhos, no momento seguinte senti um vento forte e me senti sendo carregada.
Quando mandou-me abrir os olhos novamente, nós nos encontrávamos em frente a uma casa com um belo jardim.
— Onde estou?- Pergunto olhando para a casa e depois para o jardim.
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Atualizado até capítulo 30
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