S/N
Afasto-me de König ao ouvir um arranhar de garganta. O olhar penetrante de Elmos encontra o meu, carregado com uma ponta de raiva contida. Contudo, suas palavras são diretas:
— Precisamos ir.
Evito o olhar de König, um gesto instintivo em meio à culpa que pesa em meus ombros e ao receio do que transpirou entre nós. O abraço repentino ainda reverbera na atmosfera, deixando-me num estado de desconforto e reflexão. Elmos, imperturbável, conduz-nos para fora da cabana, onde o silêncio tenso parece ecoar nas escolhas recentes e as consequências iminentes.
Nos aproximamos de um carro preto, militarizado, assim como o que König estava dirigindo na estrada, na noite do sequestro. Neymar entra pelo lado do motorista e Elmos senta na frente com ele, já König fica ao meu lado no banco de trás. No entanto, age como se eu não estivesse lá.
Tudo em nossa volta parece confuso, a minha mente está confusa. Eu só queria ser médica, fazer a minha faculdade e finalmente realizar algo que eu sempre sonhei em fazer, ajudar pessoas e crianças em situações de risco em países pobres. Mas cá estou, sendo sequestrada de um sequestro, no qual, ao menos conheço o homem que pretende “Me ter”. O pensamento me enoja...
— Ela sabe? – A voz de Neymar preenche o carro, enquanto ele dirige pela estreita estrada de terra, abrindo caminho pelas árvores altas e quase fechadas.
Vejo os olhos de Elmos se fixando em mim pelo retrovisor, mas tento ignorar enquanto deixo as minhas mãos no meu colo e olho pela janela.
— Ela sabe o que precisa saber.
Suspiro. — Podem parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui?
Eles voltam a ficar em silêncio.
— Eu não me importo se vocês são espiões, policiais ou do exército. Apenas quero sair viva disso e voltar para a minha família... – Praticamente sussurro as últimas palavras, mesmo que, no fundo, talvez eu realmente não queira nada disso.
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— Sim... Entendido. – Elmos desliga o rádio e o guarda novamente, se virando e alternando o seu olhar entre König e eu. — Recebemos novas ordens.
Ela acena para Neymar ao seu lado, que vira o carro num estacionamento subterrâneo e procura uma vaga disponível, mesmo que praticamente todas estejam disponíveis.
— Você ficará com a Sinclair aqui. – Ela abaixa a voz antes de continuar. — Parece que conseguiram encontrar a localização do comprador, precisamos investigar isso.
— Comprador? – Indago, mas Elmos apenas me ignora e se vira novamente para frente.
König me lança um olhar rápido antes de pegar as suas coisas e sair do carro, quando Neymar já estacionou.
— E König... – Ela chama, fazendo o homem parar. — Toma cuidado, você sabe que esse cara... É perigoso.
A batida da porta do carro é o suficiente para me tirar da ponderação em suas palavras. Comprador? Perigoso? A cada minuto que passa, tudo fica mais confuso e perturbador.
Abro a porta e saio do veículo, enquanto Neymar da ré e não demora muito para sair do estacionamento, nos deixando sozinhos com a pouca iluminação.
— Para onde vamos? – Pergunto, olhando em volta.
Franzo o nariz de nojo ao olhar para o chão e ver um papel molhado de baixo do meu pé.
— Não podemos ficar aqui.
König da de ombros e se vira, enquanto caminha para às escadas.
— Ei, espera! – O sigo, correndo para tentar acompanhar os seus passos.
Assim que chegamos ao topo do prédio, uma sensação de admiração me envolve ao contemplar a vista da cidade. Ao longe, as montanhas cercam o horizonte, criando uma moldura natural para a paisagem. As luzes das casas e dos comércios formam um mosaico brilhante, que se estende até onde os meus olhos podem ver.
A cidade ganha uma aura mágica, com suas ruas movimentadas agora parecendo serenamente adormecidas. Os edifícios altos se destacam contra o céu escuro impressionante. A brisa suave da gelidez que sopra me envolve, trazendo consigo os sons distantes da cidade e da noite.
— Nossa...
— O que está olhando?
Me viro, enquanto percebo König tentando entender o porque de tanta fissura perto do para-peito.
— A vista... É tão... Lindo!
Sorrio, sob a sua carranca que me encara fixamente.
— É só a cidade. – Ele diz, enquanto cruza os braços, me dando a visão dos seus músculos se tensionando.
Desvio o olhar, tentando não pensar muito nisso.
— É... A primeira vez que vejo uma vista dessas. – Forço um sorriso, enquanto sinto o homem se aproximando e parando ao meu lado, alguns centímetros mais alto que eu - Seria eufemismo falar assim, mas é impossível existir alguém tão alto assim! -
Mordo o lábio inferior, talvez pelo constrangimento que me atinge ao perceber que até agora, a minha vira era chata e tão sem graça.
— As únicas vezes que estive num lugar tão alto, eram nas coberturas dos hotéis que ficava ao viajar para fazer shows, desfiles para Vogue e... – Dou de ombros, parando um segundo antes de continuar. — Bem... Isso não importa mais.
Sinto o vento acariciar suavemente meu rosto, fazendo mechas soltas dançarem ao redor. Ao meu lado, König parece perdido em pensamentos, seu olhar fixo em algum ponto em meu rosto. Quando ele se aproxima, seu toque é suave, como se temesse quebrar algo frágil. Seus dedos deslizam pelas mechas rebeldes do meu cabelo, suavemente prendendo-as atrás da minha orelha.
O contato é inesperadamente íntimo, e meu coração dá um salto dentro do peito. Sinto-me hipnotizada pelo calor da sua mão contra minha pele, pela intensidade do seu olhar enquanto seus dedos traçam o contorno do meu rosto. Por um instante, o mundo ao nosso redor parece desaparecer, deixando apenas nós dois em um universo particular de quietude mútua. É como se o tempo congelasse, e por um breve momento, esqueço tudo o mais, imersa na eletricidade do momento e na promessa silenciosa de algo mais.
Uma buzina de algum carro na rua faz com que nos afastemos um do outro, sinto o meu rosto quente, e logo começo a soluçar. Droga...
— Mmm... Você deveria dormir, já está tarde e...
— S-sim, você está certo. Eu vou... – Olho em volta, percebemos que estamos no telhado do prédio. — Bem... Eu vou deitar naquele canto ali.
Aponto para algum lugar qualquer e me afasto rapidamente, ora afastando os pensamentos que parecem me assolar, ora desejando enterrar o meu rosto no concreto e não sair mais.
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Atualizado até capítulo 54
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