Episódio 4

Episódio 4

Murat ainda pensava na mulher da manhã enquanto caminhava pelo asfalto liso e sujo. Cada passo que dava parecia afundar um pouco mais na vegetação que gradualmente consumia os prédios abandonados. A cantoria dos pássaros, que ecoava a quilômetros de distância, preenchia seus ouvidos, como se a natureza transmitisse toda a sua paz. Um sorriso iluminou seu rosto ao imaginar que talvez um dia reencontrasse a encantadora mulher com quem conversara por breves minutos.

Conforme seguia o mesmo caminho de volta para casa, notou viaturas estacionadas em frente às casas dos vizinhos. Franziu o cenho, observando a estranha entrada dos policiais naquele local. Afinal, Murat costumava passar por ali em todas as caminhadas, e o lugar sempre aparentara ser tranquilo e bonito. Diante da estranha movimentação, continuou caminhando com a cabeça baixa, mesmo que contrariasse sua vontade.

A luz no céu desaparecera apenas algumas horas após sua saída do supermercado, deixando apenas a escuridão para guiar o restante do dia. Rajadas de vento ofuscavam sua visão, embaçando as lentes de seus já velhos óculos. Os pingos de chuva molhavam lentamente a terra seca, e o doce aroma fresco de terra molhada permeava suas narinas. Seus olhos se moviam constantemente entre o chão e o caminho à sua frente. Seus dedos batucam ritmicamente no metal gélido do moletom.

Avistando sua casa de madeira à distância, Murat sentiu alívio enquanto observava o chão molhado. Cada passo que dava fazia suas botas rangerem, o som do couro contra o chão ecoando em seus ouvidos e deixando-o irritado. Ele lamentou não ter seus fones de ouvido que costumavam abafar esses sons angustiantes.

A cada instante, sua atenção era capturada pelas viaturas estacionadas na calçada. Enquanto caminhava rapidamente, percebeu um policial interrogando um senhor na porta de sua casa sobre uma ida ao supermercado naquela tarde. O idoso balançou levemente a cabeça e se apoiou na porta, devolvendo a pergunta ao policial.

O oficial meticulosamente anotava tudo em seu pequeno caderno, mantendo seu olhar fixo no idoso, que parecia confuso a cada pergunta feita. Ele sofria de um problema que o assombrava na vida cotidiana, fazendo com que tudo o que tentasse lembrar se perdesse em meio a outras lembranças.

Seus olhos vasculhavam a vizinhança em busca de alguma memória do momento presente. Recordou-se guardando suas compras em uma sacola se pronto para partir, quando um grito o alertou. Decidiu averiguar o ocorrido.

Com cautela, adentrou o estabelecimento. Enquanto observava os corredores repletos de carrinhos enfileirados, entrou em um corredor rotulado como "cosméticos". O que viu ali foi uma prateleira caótica, produtos espalhados pelo chão e alguns quebrados. No meio do extenso corredor, avistou um homem encurralado na prateleira, entre os carrinhos, visivelmente amendontrado. Aproximou-se para investigar.

"O que está acontecendo meu jovem?"

Perguntou retirando um dos carrinhos que o cercavam e apoiando-se nele. O homem ergueu a cabeça, agarrando firmemente seus fones, o olhar carregado de medo. Tentou explicar, sua voz trêmula denotando o desespero.

"Uma disparatada! E-ela veio até mim!"

O idoso, com uma expressão de desconfiança, se aproximou mais, mantendo sua calma característica.

O idoso não acreditava em nenhuma dessas coisas de um vírus por meio da fala infectar alguém. Para ele, tudo aquilo não se passava de uma conspiração sem sentido, criada pelo governo para controlar a população. No entanto, ele estava ali, tentando entender o que realmente acontecera.

"N-não chegue perto de mim!"

O homem se trancafiava no meio do único carrinho tentando parecer ameaçador. Sua voz falhada denunciava o seu desespero.

"Não se preocupe, não farei nada. Apenas quero entender o que aconteceu. Eu estava de saída quando ouvi um grito. Por favor, me conte o que aconteceu, filho."

O idoso encarou o homem através do carrinho, transmitindo tranquilidade, embora sua preocupação com a tensão no ambiente fosse evidente.

O homem engoliu em seco e pigarreou, ajustando sua voz.

"Está bem. Tudo estava indo bem quando uma idosa se aproximou de mim e de um outro cara, que parecia bem esquisito. Uma mulher estava próximo de nós com uma criança ao lado, e a idosa aproximou deles e agora; por isso, chamamos as autoridades. O homem ao meu lado deu os fones para o menino, e uma cerca protocolar foi ativada. Uma parte da loja estava dividida, e do outro lado estavam a idosa, o menino e esse homem. A mãe chorava muito e se desesperou. O garoto também chorava, gritando quando a idosa se aproximou dele. Todos nós tentávamos levantar a cerca, e o homem estava ajudando também, mas eu não sei como ele não se transformou naquela hora.

Ele parou por um momento, observando atentamente o senhor.

"Por fim, o garoto felizmente saiu inteiro, e mantivemos a senhora numa sala atrás do mercado. O cara saiu apressado, ele já deveria ter saído daqui infectado. Eu estou aqui há 2 minutos e nada da polícia!"

Reclamou o homem se ajeitando no chão. Parecia desconfortável estar naquela posição por muito tempo

"A mãe e o filho que você falou ainda estão aqui?"

"Não. Saíram logo depois com medo de levarem o garoto para o instituto."

Acentiu com a cabeça saiu do local.

A mulher atrás da bancada, com os olhos fixos no vazio, mal notou a presença de alguém se aproximando. A velha cerca de metal, outrora pintada de verde, agora exibia tons enferrujados, sua estrutura amassada e coberta por teias de aranha. Cada elo retorcido e solto parecia a própria história de abandono. Enquanto tentava se abaixar, suas mãos tremiam ao tocar os ferros gastos, enquanto suas costas curvadas imploravam por um breve descanso.

O idoso contava por partes a história que ele achava que lembrava para o policial. O homem o olhava e respondia com leves acenos de cabeça encerrando seu rascunho de depoimentos.

"Senhor Myers, obrigado pela cooperação. Com certeza seu depoimento irá ajudar na nossas investigações"

O policial sorriu e estendeu a mão, introduzindo um aperto de mão tradicional. Para não ser rude, o velho Myers apertou firme as mãos grandes do policial.

Olhou de relance por cima dos ombros do oficial, vendo um homem passar entre as viaturas com pressa. O homem de aparência jovem olhou de relance para eles e continuou caminhando em direção ao seu destino. O policial, percebendo que o idoso olhava para outro lugar, tentou seguir seu olhar, perguntando o que havia de incomum.

"Nada, senhor, apenas estava pensando!"

Myers sorriu, ainda observando a travessia do homem, que se encontrava longe. Apenas viu a silhueta subir o morro e virar à esquerda, desaparecendo na chuva.

O policial junto aos outros foram embora do bairro, e o idoso voltou para casa voltando aos seus afazeres pensando.

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