Episódio 2

Episódio 2

05 de janeiro de 2015

Estávamos em nossa casa, preparando o jantar, e Sule estava radiante. Ela parecia como se tivesse recebido um aumento no trabalho, sua energia contagiante preenchia o ambiente.

"Meu dia foi tão maluco e... peculiar hoje!"

Exclamou, retirando os pratos do armário e colocando-os delicadamente na mesa, demonstrando alegria na tarefa. Observando-a, fiquei admirado com a sinceridade dela.

Ao fundo, a música retrô tocava, criando uma atmosfera leve, o que contrastava com o que ela compartilhava.

Minhas próprias preocupações e estresses do dia desapareceram enquanto eu a ouvia desabafar sobre seu chefe antiquado e sexista no trabalho. Ela relatou situações desconfortáveis que enfrentou, mas sua determinação em confrontar homens que se julgavam superiores às mulheres era inspiradora.

"Por que você não relata essas questões ao RH?"

Perguntei, preocupado, enquanto arrumava os pratos na mesa.

Apesar dessas dificuldades, Sule não se deixava abater por homens preconceituosos. Sua coragem diária a tornava uma heroína em minha mente.

"Você tem razão. Falarei com o pessoal do RH amanhã."

O aroma de comida fresca enchia o ar, e Sule mencionou que estava experimentando um novo prato, o que me surpreendeu, já que havíamos seguido a mesma rotina alimentar por meses.

Sentei-me à mesa, observando-a servir a refeição com carinho.

"Os telejornais estão falando o dia inteiro sobre possíveis casos de um vírus no Estado. Murat, o que você acha?"

Perguntou, a incerteza refletida em seus olhos que vagavam pela casa.

Abri a boca para formular uma resposta. Ela soltou um suspiro e saiu dali, deixando a comida pronta no micro-ondas. Era a nossa comida favorita desde que nos casamos.

Vendo-a cada vez mais distante, levantei-me rapidamente, sentindo um formigamento intenso na perna. Reclamei enquanto apoiava os braços nas cadeiras, determinado a alcançá-la.

"Sule!"

A vejo cruzar no corredor entre a sala e o nosso quarto, então a chamei, avançando o mais rápido que podia, tentando evitar esbarrar em móveis.

"Por que não conversamos um pouco Sule?"

O som da madeira rangendo no decorrer dos passos lentos trazia um certo receio de se aproximar de Sule. Murat se guiava intuitivamente pelos sons, e isso estava o deixando cansado.

"Por favor, Sule vamos conversar!"

Minhas palavras ecoaram no corredor, carregadas de preocupação e desejo de entender o que estava acontecendo.

Sua sombra se movimentava constantemente, como se ela estivesse ansiosa ou realmente chateada com algo que Murat havia falado, ou dito.

Seguiu onde a sombra estava, respirando fundo enquanto passava pelos pisos de madeira gastos.

Com os olhos vermelhos e lábios trêmulos, Sule aparecia lentamente na entrada da academia em choque. Seus olhos, antes cheios de incerteza, agora estavam úmidos de lágrimas.

Murat parou e a olhou através de seus óculos, pensando em como acalmá-la. Sule parecia muito assustada para responder.

"Sule, por favor, me fale o que houve?"

Murat se aproximou dela com os braços abertos, sentindo a tensão no ar e o coração acelerado de Sule.

Sule manteve-se parada por alguns segundos, comprimindo os lábios e abraçando Murat apertadamente, o que o surpreendeu um pouco. Sule não tinha o hábito de agir assim com frequência; seu rosto mostrava surpresa e vulnerabilidade.

"Vamos para a sala conversar?"

Ele disse suavemente enquanto a abraçava, acariciando seus cabelos macios. Sule sentiu sua respiração regular e deixou que ele a conduzisse até um lugar para sentar.

"Me diga o que houve para você estar assim. Fiz alguma coisa que te chateou?"

Ele perguntou, acariciando seus cabelos suavemente. Com o calor reconfortante das mãos de Murat em seu braço e o toque suave em seus cabelos, a luz suave do fim da tarde pintava a sala de tons dourados.

As lágrimas escorriam pelo rosto de Sule, sua voz tremendo enquanto ela se afastava dele com tristeza e confusão. O choro de Sule ecoava no cômodo, preenchendo o espaço com um som angustiante.

"N-não é isso!"

Disse com voz trêmula. O gosto salgado das lágrimas inundou sua boca, tornando-a ainda mais amarga.

Murat abaixou a cabeça, sentindo o peso de sua própria culpa apertando seu peito. Ele podia ouvir o ritmo de seu próprio coração, ecoando em seus ouvidos, enquanto sua respiração se tornava mais superficial. A sensação de sufocamento começou a dominá-lo, como se o ar estivesse rarefeito.

Ele fechou os olhos por um momento, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair, mas a pressão emocional era avassaladora. A sala ao seu redor parecia diminuir, como se o mundo inteiro estivesse se fechando sobre ele.

O cheiro do incenso, queimando suavemente no canto do quarto, estava mais presente do que nunca, enchendo o ar com uma fragrância levemente doce e tranquilizadora. Cada inalação profunda parecia trazer um pouco de calma, mas o remorso ainda o consumia.

Murat sabia que precisava fazer as pazes com Sule e resolver o que quer que estivesse causando essa tensão entre eles. Ele se obrigou a levantar a cabeça e enfrentar a situação, mesmo que isso significasse confrontar seus próprios sentimentos e erros.

"Parece que você nunca ligou para mim realmente!"

Gritou entre choro e soluços de frente para Murat, apontando seu dedo diretamente para ele. Seu olhar irritadiço permaneceu nele antes de voltar a se sentar.

Murat se assustou pela ação repentina de sua esposa. Ela poderia estar sobrecarregada no trabalho, bem como os problemas da nossa vida profissional impacta de um jeito ou de outro na nossa vida pessoal.

Percebendo a súbita mudança no humor de Sule, sentou-se cuidadosamente ao lado dela. A cena diante deles era carregada de emoção, com a luz do sol lançando sombras suaves pela sala, acentuando a expressão de tristeza no rosto de Sule.

Ele se aproximou dela novamente, segurando-a pelos braços, procurando compreender o que estava acontecendo.

"Por que está assim comigo?"

Ele perguntou calmamente, encarando a face raivosa dela. O aroma do incenso queimando no canto da sala se misturava com a tensão no ar.

Sule, ainda confusa, respondeu:

"E-eu não sei Murat! Esse é o problema!"

O sabor amargo do arrependimento pairava em suas palavras, como se fosse tangível.

Enquanto Murat tentava consolá-la, uma voz feminina na TV atraiu sua atenção. A notícia sobre um novo vírus chamado "semântico" preencheu o ambiente.

"Os sintomas são variados, mas os sintomas comuns são dor de cabeça, espasmos nas mãos e, em alguns casos, convulsões e distorções da realidade".

Dizia a reportagem

"Segundo os virologistas e cientistas que estão estudando a doença, o principal meio do vírus se espalhar é pela fala. Quando o infectado entra em contato com os não infectados, frases sem contexto nenhum são ditas e até a vítima infectar-se são questões de segundos. Não se sabe se o vírus se propaga pelo ar ou pela saliva, mas as autoridades maiores estão prestando a maior condolências e pedem para a população ficar em casa se possível."

As imagens na TV eram pertubadoras, cada cena retratando o caos nas ruas e nos hospitais. Pessoas correndo, pulando sobre os carros e hospitais clamando por ajuda. Era uma visão impura e repulsiva, que revirava o estômago de Murat e provocava uma sensação avassaladora de repulsa e revolta.

Ela acrescentou que ainda não há uma vacina para a doença ou qualquer forma de prevenção. Murat estava enjoado com essas últimas notícias no jornal. Precisava de alguns minutos para digerir e se preparar para ir a outro lugar com Sule.

Murat desligou a TV, perplexo com as notícias sobre o vírus. Olhou para Sule, percebendo que ela estava parada de costas para ele, inquieta. Ele permaneceu fora de vista chamando-a baixo.

"Sule?"

Ele pronunciou seu nome num tom duvidoso e trêmulo. Sua garganta estava se fechando. A sensação de sufocamento começava a deixá-lo inquieto.

Ela se aproxima, delicamente colocando as mãos nas bochechas de Murat, um sorriso triste brincando em seus lábios. Uma única lágrima cai de seus olhos e rolam lentamente na sua bochecha. Os olhos de Murat caem nas mãos postas nele, seus ombros caem decepcionado consigo mesmo.

"Eu só pensei em mim nessas últimas semanas"

Ele soltou um pesado suspiro, como se carregasse o peso do arrependimento, verbalizando e demonstrando isso claramente com sua postura. Enquanto isso, ela manteve suas mãos nas bochechas dele, o sorriso desaparecendo gradualmente, substituído por uma expressão de compreensão e empatia.

"Por que é tão egoísta? Você pensa em si!"

Ela sussurrou suavemente, suas palavras fluindo suavemente até meus ouvidos, embora, ao mesmo tempo, me causassem uma sensação desagradável de desolação interna. O contraste entre a gentileza de sua voz e o impacto emocional que suas palavras tinham em mim era avassalador.

As mãos de Sule desceram para as mãos dele, e seu toque gélido provocou uma série de arrepios por todo o corpo. Ela envolveu suas mãos com firmeza, apertando-as de uma maneira que estava longe de ser confortável.

Sule subitamente cambaleou, perdendo o equilíbrio, e caiu no chão. Seu corpo começou a tremer violentamente, convulsões agarrando-a como garras invisíveis. Murat se aproximou às pressas, o pânico apertando seu peito. Ele pôs a palma na parte de trás da cabeça de Sule, inclinando-a um pouco para frente tentando impedir que ela se machucasse.

Respirando freneticamente, Murat se encontra perdido. Estava incrédulo com tudo isso acontecendo. Balançando a cabeça dos dois lados, considerou ir à cozinha pegar o kit de primeiros socorros. No entanto, deixar Sule sozinha neste estado era inimaginável.

Ele pegou o celular do bolso e discou o número da ambulância, com uma mantendo com o rosto de Sule e a outra no telefone.

"Por favor, precisamos de ajuda!"

Murat implorou para o atendente do outro lado da linha

"Minha esposa está tendo convulsões"

Uma voz calma tentou tranquilizá-lo, mas as palavras eram difíceis de ouvir sobre os sons agonizantes de Sule. A voz do atendente informou que todas as estações de atendimento remoto estavam interditadas no momento.

Murat desligou o telefone sentindo-se frustrado e desamparado. Nenhuma ideia passava pela sua cabeça agora.

Como iria saber se Sule estava bem ou permanecia só inconsciente?

Os gritos e os sons lá fora o assustaram. Não tinha certeza se era a decisão sensata a se fazer, então permaneceu no chão ao lado da sua esposa esperando que ela recuperasse a consciência. Verificou seus pulsos e temperatura, procurando qualquer sinal de melhora.

Sule já não convulsava mais. Seu rosto estava pálido como gesso ao sol. Suas mãos frias ainda permaneciam entrelaçadas nas dele. Em uma posição desconfortável, Murat se contorceu nos braços da amada na esperança de acordá-la. Mas nenhum sinal de consciência.

Sua respiração se tornava mais arrastada, e Murat percebeu isso tarde demais. No momento em que Murat percebeu que Sule não respirava, chorou sobre o corpo apático de Sule. Ele se culpou por todas as ações que cometera contra ela algum dia.

"F-foi tudo culpa minha Sule! E-eu fui idiota deixando você lado!"

Ele exclamou, dando tapas e socos na própria cabeça enquanto balançava os cabelos. Ele não queria deixá-la largada assim, desse jeito. Nunca iria se perdoar por isso.

Murat percebendo a falta de resposta de Sule, finalmente entendeu a gravidade da situação. Com lágrimas nos olhos, ele segurou a mão fria de Sule e se inclinou sobre ela.

"Não, Sule, por favor não"

Ele murmurou, beijando sua testa gelada

"Você não pode me deixar. Eu te amo"

No entanto, Sule permaneceu imóvel. Murat correu para o telefone novamente, desesperado, tentando ligar para a ambulância. Mas o telefone ficou em silêncio, sem resposta. Ele sabia que a ambulância estava sobrecarregada com outros pedidos de emergência na cidade.

Murat olhou para Sule, sabendo que não havia mais tempo. Ele a abraçou, lágrimas rolando por seu rosto enquanto sussurrava palavras de amor no ouvido dela. Mas a vida dela escorreu de seus olhos.

Quando finalmente aceitou a verdade, Murat ficou parado, com Sule nos braços, em um silêncio devastador. Ele sentia uma dor intensa e um vazio profundo. O mundo ao seu redor parecia desmoronar.

A cidade continuava em caos, mas nada disso importava para Murat. Ele estava sozinho, perdendo a única pessoa que ele amava verdadeiramente. A tristeza e o desespero o atingiram como uma avalanche.

Ele caiu de joelhos ao lado de Sule, soluçando incontrolavelmente. Sua mente começou a fraquejar, incapaz de compreender a perda. Ele não conseguia acreditar que Sule estava realmente morta.

Murat, agora à beira da insanidade, se levantou e correu para fora de casa, com os olhos vermelhos e desvairados. Ele correu pelas ruas, sem rumo, gritando o nome de Sule como se pudesse trazê-la de volta.

A cidade estava caótica, com pessoas em pânico devido ao vírus semântico. Murat não percebia nada disso. Ele estava em sua própria realidade distorcida, perdido em sua dor.

Finalmente, ele se encontrou no topo de um prédio alto, olhando para o horizonte. Ele balançou à beira da insanidade, à beira do desespero. O vento frio da noite acariciou seu rosto enquanto ele olhava para as estrelas.

Lá, na beira do abismo, Murat à beira da insanidade, perdido em sua dor profunda e incapaz de enfrentar o mundo que desaba ao seu redor. O vírus semântico continuou a se espalhar, mas Murat não se importava mais. Tudo o que ele amava havia desaparecido.

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Comments

Iranilde Lima

Iranilde Lima

Incrível e desesperador!

2024-03-19

0

Maisarah Asril

Maisarah Asril

Uma viagem literária incrível.

2024-02-25

0

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