Entre algemas e grades

Mas não foi. Antes que eu pudesse sair pela janela, que ficava no segundo andar, confesso que não pensei como iria fazer isso sem me quebrar ou morrer, senti um puxão no meu braço e me virei para dar de cara com meu pai. Ele me puxou com força, quase arrancou meu braço. Como ele estava fardado, as algemas estavam com ele, então ele pegou e algemou um dos meus braços na cabeceira da cama.

- Já conversamos. - Disse ele, indo até a janela e a fechando. Ele voltou até onde eu estava e me encarou. - Amanhã vou colocar grade nessa janela. Você não vai sair daqui tão cedo, Fábio.

- Vai me bater mais? - perguntei. Era óbvio que eu estava com medo, eu sempre tive medo dele, mas eu não estava pensando bem.

Ele me encarou mais de perto e segurou meu rosto.

- Hoje não. Você já apanhou bastante pelo visto. - então ele saiu do quarto, me deixando algemado lá.

A sensação de alívio temporário que senti ao ouvir as palavras do meu pai foi logo substituída pelo desconforto crescente que tomou conta do meu corpo. Minhas mãos tremiam involuntariamente, meu estômago se revirava em antecipação da tormenta que estava por vir. Eu sabia o que estava acontecendo, mesmo que não quisesse admitir.

A heroína já não corria mais pelas minhas veias, e o vazio que deixou para trás era insuportável. Cada célula do meu corpo clamava por aquela sensação de euforia e entorpecimento que só a droga podia proporcionar. Mas agora, tudo o que restava era a cruel realidade da abstinência.

Meu coração batia descompassado no peito, uma dor surda pulsando em minhas têmporas enquanto eu lutava para conter os tremores que sacudiam meu corpo frágil. Cada segundo que passava era uma eternidade de agonia, uma prova brutal do preço que eu estava pagando pelas minhas escolhas.

Eu me encolhi na cama, abraçando meus joelhos contra o peito enquanto tentava desesperadamente afastar os pensamentos sombrios que ameaçavam me consumir por inteiro. Mas não havia escapatória, não havia refúgio seguro onde eu pudesse me esconder da dor avassaladora que me assombrava.

As horas se arrastavam lentamente, cada instante uma batalha contra os demônios que habitavam os recantos mais sombrios da minha mente. Eu me sentia como se estivesse à beira de um abismo, à mercê de forças que estavam além do meu controle. E, no fundo do meu coração, sabia que essa era uma batalha que eu não podia vencer.

Então, enquanto a escuridão da noite envolvia o quarto, eu me entreguei à dor e ao desespero, permitindo-me afundar no abismo negro que se abria diante de mim. E, no silêncio sufocante da minha própria angústia, eu soube que estava sozinho, perdido em um mar de tormento sem fim.

Eu gritava de dor e medo. Eu não queria ficar sozinho. Mas ninguém foi. Cada momento era uma luta incessante, uma batalha contra os sintomas físicos e emocionais que me assolavam sem piedade. O suor frio escorria pela minha testa, enquanto calafrios percorriam minha espinha, como se o próprio inferno estivesse se manifestando dentro de mim. Cada músculo doía, cada respiração era um esforço doloroso, e eu me sentia como se estivesse à beira da insanidade.

Os pensamentos turbulentos dançavam em minha mente, sussurrando palavras de tentação e desespero, enquanto eu lutava para manter minha sanidade frágil. A voz do meu pai ecoava em minha cabeça, suas palavras cruéis ecoando como um mantra de auto-recriminação. Eu me culpava por tudo, pelos erros do passado, pelos fracassos do presente, e pela incerteza do futuro.

No dia seguinte, meu irmão e meu pai entraram no quarto. Renato estava com a cabeça enfaixada, por algum motivo eu achei aquilo engraçado e ri. Meu pai só me deu um tapa no rosto que quase arrebentou os ossos da face. Renato se sentou na minha frente, arrogante como sempre.

- Consegue comer ou prefere que eu te trate na boca?

Ignorei ele. Meu pai se aproximou de mim.

- Você vai comer tudo e vai ir tomar um banho. Eu não vou repetir.

Obedeci em silêncio, sem forças para argumentar ou resistir. Engoli cada pedaço da comida que meu pai me ofereceu, mal conseguindo sentir o gosto amargo da derrota que se misturava ao alimento insípido. Cada mastigada era um lembrete brutal da minha própria fraqueza, uma confirmação dolorosa de que eu estava completamente à mercê da vontade implacável daqueles que me dominavam.

Depois de terminar a refeição, meu irmão me conduziu até o banheiro, enquanto meu pai colocava a grade na janela.

Enquanto a água quente caía sobre o meu corpo trêmulo, eu me permiti fechar os olhos e me perder na sensação reconfortante do calor contra a minha pele fria. Por um breve momento, eu me permiti sonhar com um futuro diferente, um mundo onde o peso do passado não pesava mais sobre os meus ombros, onde a esperança podia finalmente florescer em meio à escuridão.

Mas era apenas uma ilusão fugaz, um vislumbre efêmero de redenção em um mar de desespero. Quando abri os olhos novamente, a realidade cruel estava lá para me receber de volta, implacável e impiedosa em sua brutalidade. Quando finalmente saí do banho e voltei para o quarto, me vi diante de uma verdadeira prisão: grade e cadeado na janela e na parede oposta à cama, pude notar uma corrente grossa presa firmemente por um suporte metálico. No final da corrente, havia uma argola de algema, claramente destinada a prender no tornozelo, como pude constatar quando meu pai prendeu meu tornozelo.

Os dois saíram do quarto. Eu me deitei na cama, exausto e resignado ao meu destino sombrio. Quis chorar, mas não tinha lágrimas mais, estava exausto e com dor e a dor não era das surras. Era da falta daquela substância que tinha sido minha fonte de carinho e felicidade por quase um ano.

Enquanto a noite avançava, mergulhei em um sono agitado e perturbador, assombrado por pesadelos vívidos e memórias dolorosas que se recusavam a me deixar em paz. Cada sonho era uma jornada para os recantos mais sombrios da minha mente, onde eu era confrontado com os meus piores medos e arrependimentos mais profundos.

E quando finalmente despertei na manhã seguinte, foi com o peso opressivo da realidade sobre os meus ombros, a consciência dolorosa do que me aguardava no dia que se iniciava. Mais uma vez, eu me vi diante da perspectiva sombria de mais um dia de sofrimento e tormento, mais um dia de luta pela minha própria sobrevivência em um mundo que parecia cada vez mais hostil e implacável.

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Atualizado até capítulo 65

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