Os catorze

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Renato chegou em casa e encontrou sua mãe sentada no chão do lado de fora da casa, com as mãos tapando os ouvidos.

- Eu não aguento mais escutar os gritos dele. - disse ela.

Renato olhou no celular.

- E ele ainda consegue gritar? É o décimo catorze de hoje.

- No começo estava pior. Ele resistia, brigava.

Renato e Solange ficaram sentados lá, até que o homem que estava com o Fábio saiu.

- Vou ver como ele está.

Ao abrir a porta do quarto, Renato encontrou Fábio encolhido em um canto, visivelmente machucado e exausto.

- Não, por favor, eu não aguento outro. - choramingou Fábio.

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Renato se aproximou de mim.

- Tudo bem. Não tem mais ninguém para hoje.

Eu estava tão cansado e machucado. Às quatro horas da manhã meu pai "gentilmente" me acordou com uma cintada por cima da coberta.

- Levante e vai tomar café.

- Estou sem fome. - respondi sonolento.

- Então vai tomar banho e se arrumar. Você tem cliente daqui quarenta minutos.

- Mas, pai... - ele me fez calar a boca com um tapa.

- Banho agora. Antes de eu ir para o trabalho, eu venho conferir se está arrumado e te aconselho a estar pronto, se não quiser levar uma surra já de madrugada.

Meu pai é policial e alguns dias ele tinha que cumprir expediente mais cedo. Quando eu era mais novo meus dias favoritos eram aqueles que meu pai saia de madrugada de casa e só voltava depois que eu já tinha ido dormir. Esses eram os melhores dias. Agora era indiferente.

Como prometido, antes de ir para o batalhão, meu pai voltou para inspecionar se eu estava pronto. Eu tinha tomado banho e vestido o máximo de roupa que eu consegui. Estava torcendo para ele não perceber, mas ele percebeu. Então esperei a surra, porém ele riu.

- O que pensa que está tentando fazer? Você pode vestir todas as peças do guarda roupa que ainda assim vai terminar do mesmo jeito: pelado, sendo um bom menino para os clientes. então não faça papel de idiota e espere com no máximo uma bermuda e uma camiseta.

É, eu preferia ter apanhado.

Depois que meu pai saiu, alguns minutos se passaram e chegou o primeiro cliente. Eu estava esperando no outro quarto, quando ele chegou eu até pensei que teria uma chance de escapar, mas não foi o que aconteceu. Levei uma surra e ele não foi nada gentil comigo. Aliás, nenhum era gentil.

Eu tentava resistir de todas as formas possíveis, mas era tudo inútil. Só me restava gritar de dor, raiva e angústia. Isso quando deixavam. Alguns não gostavam de escutar nada, que já batiam.

A cada batida de porta, meu coração acelerava, antecipando o próximo episódio de horror que estava prestes a se desdobrar. Cada cliente era um novo capítulo de agonia, uma repetição brutal de um ciclo vicioso que parecia não ter fim.

O segundo cliente foi um empresário de sucesso, frio e calculista. Ele não tinha paciência para "atrapalhos" e exigia total submissão. Cada golpe era acompanhado por palavras afiadas, reforçando meu lugar como um objeto para seu prazer perverso.

No terceiro programa, encontrei-me com um homem aparentemente gentil, um rosto angelical que escondia sadismo. Ele explorou minha vulnerabilidade, alternando entre gestos falsamente carinhosos e momentos de violência extrema. A verdade é que ele era um sádico assumido. Cada soco e cada palavra de degradação eram acompanhados por risos maliciosos. Ele parecia extrair prazer da minha agonia, alimentando-se da minha dor como se fosse um banquete macabro.

No quarto encontro, meu algoz usava uma máscara, uma figura sem identidade que tornava tudo ainda mais aterrorizante. Ele preferia a quietude, as punições ocorrendo em um silêncio sepulcral que aumentava o horror da experiência. Ele era tão implacável que parecia determinado a me quebrar completamente. Cada chicoteada era como um eco dos tormentos anteriores, consolidando a dor como uma companheira indesejada.

O quinto cliente era notório por sua frieza. Entrou sem trocar palavras, como se eu fosse apenas uma mercadoria. Cada golpe desferido tinha a precisão de um carrasco imperturbável. Não houve nenhuma empatia, apenas a execução metódica de um ato desumano.

Depois disso só lembro do último. O décimo quarto cliente entrou, trazendo consigo a ameaça palpável de mais dor e degradação. Os detalhes cruéis do encontro são como cicatrizes na minha memória, uma coleção de momentos que eu preferiria esquecer, mas que se fixam como tatuagens indeléveis. No décimo quarto programa, atingi o limite da resistência física e emocional. Cada parte do meu corpo clamava por misericórdia, mas a única resposta era a continuidade da brutalidade. Era como se a jornada através desses programas fosse uma espiral descendente, levando-me a um abismo sem fundo.

Cada surra, cada palavra dura, era uma etapa nesse ritual de desumanização. Eu resistia com o que restava da minha força interior, mas era uma batalha perdida contra forças muito além do meu controle. Gritos eram abafados, e lágrimas eram desperdiçadas na escuridão solitária do quarto.

As nuances desses catorze encontros se entrelaçam em uma tapeçaria de dor e sofrimento. Alguns clientes eram sádicos, outros indiferentes à minha angústia. Cada um deixava sua marca física e emocional, uma lembrança terrível da minha existência distorcida.

E assim, entre a espera ansiosa por cada cliente e a tortura implacável que se seguia, meu corpo e mente eram despedaçados em uma dança macabra de desespero.

Renato me levantou nos braços e me levou para o meu quarto. Antes me deu um banho. Cada ferimento doía e ardia à medida que a água tocava. Mas nada se comparava com a dor que eu estava sentindo na minha intimidade. Minha mente estava destroçada.

Renato me banhou e colocou roupas em mim, depois me deitou na cama. Em seguida, ele se sentou ao meu lado e ajeitou o meu braço para coletar sangue. uma vez por semana ele coletava meu sangue. Primeiro ele fazia aqueles testes rápidos, que tem que furar o dedo e depois tirava sangue para examinar de forma mais detalhada.

- Se lembra se todos usaram camisinha?

Assenti.

- Inclusive no oral?

Neguei.

- ok. Descansa, depois trago algo para você comer.

Assim que ele saiu do quarto, tudo o que consegui fazer foi chorar.

A noite avançava, e o quarto tornou-se uma cápsula de dor e desespero. Cada respiração era um lembrete constante do trauma que marcava cada centímetro do meu ser.

A porta se abriu suavemente, revelando um feixe de luz que cortava a escuridão. Renato retornou com uma bandeja contendo um prato modesto.

- Tente comer um pouco. Vai te fazer bem. - disse Renato, enquanto colocava a bandeja na cama.

Tentei obedecer, levando lentamente a comida à boca, mas a dor física e emocional parecia sufocar qualquer apetite. Cada garfada era um esforço, uma tentativa de encontrar alguma forma de normalidade em um mundo distorcido pelos horrores dos programas.

No instante em que a última garfada foi engolida, Renato retirou a bandeja e se sentou novamente ao meu lado.

- Conversei com o papai, amanhã você pode descansar o dia todo.

Tudo o que consegui fazer foi afundar mais na cama, esperando pelo fim dessa noite interminável. Na verdade eu queria dormir e não acordar mais.

Renato se levantou e saiu. O silêncio persistiu, como se o próprio tempo estivesse em suspenso, respeitando a magnitude da dor que habitava o quarto.

A noite avançava, e a única certeza era a incerteza do que o amanhecer traria. Enquanto a escuridão persistia, me afundei em um sono inquieto, onde pesadelos e lembranças se entrelaçavam, criando um labirinto de tormento. E eu só tinha onze anos.

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Atualizado até capítulo 65

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