Rotina

Em paralelo ao meu mergulho nas trevas do vício e da criminalidade, o meu corpo começava a ceder sob o peso de abusos contínuos. Cada golpe, cada humilhação, cada agulha perfurando minha pele para a próxima dose de heroína contribuía para um declínio físico e emocional.

Minhas roupas agora pendiam frouxas em meu corpo magro e machucado. Eu era a personificação do horror que eu vivia. As doses não estavam mais suficientes. Quanto mais eu usava mais eu precisava e mais rápido o efeito passava.

A heroína, apesar de ser minha única fonte de alívio momentâneo, estava se tornando uma mestra tirânica, ditando cada movimento da minha dança com a autodestruição. A felicidade fugaz que experimentava durante os momentos de êxtase era rapidamente eclipsada pela dor física e emocional que se seguia.

A realidade distorcida que habitava tornava-se cada vez mais difícil de distinguir da ilusão criada pela droga. Eu era um prisioneiro em uma cela de desespero, com grades formadas pela dependência química e pelas escolhas que fiz sob sua influência corrosiva.

A minha existência se desdobrava como um pesadelo contínuo, onde a linha entre vítima e perpetrador se desvanecia, deixando apenas uma sombra dilacerada de um garoto que um dia sonhara com algo melhor.

Enquanto meu corpo definhia e minha mente se perdia nas brumas do vício, a felicidade tornava-se uma ilusão distante. A realidade cruel de cada novo dia era ofuscada pelo desespero que se agarrava a mim como uma sombra indelével.

E assim, envolto nas correntes do vício e da autodestruição, eu dançava no precipício da minha própria ruína, com a esperança de um futuro melhor desvanecendo-se como uma vela frágil na escuridão implacável.

Então, meus dias eram resumidos em uma monotonia angustiante: apanhava do meu pai e do meu irmão e apanhava dos clientes, ia para a escola para poder usar mais heroína. Acordava às quatro e meia da manhã, entre às cinco e às cinco e quarenta e cinco, fazia um atendimento. Tinha até seis horas em ponto para tomar banho, juntar meus cacos e esperar meu pai, meu irmão ou minha mãe para ir para a escola. Às seis e cinco era dado a partida no carro.

A escola ficava a vinte minutos da minha casa. Então às seis e meia eu já estava na escola e tinha que esperar até às sete horas. O bom era que eu tinha tempo para chorar no banheiro ou, o que eu tinha feito muito ultimamente, cheirar um pouco. Onze e meia a última aula acabava. E no máximo onze e quarenta meu pai ou meu irmão encostava o carro, isso quando já não estava me esperando.

Chegava em casa, almoçava, fazia o dever de casa, tinha "direito" a brincar entre meia hora até uma hora, desde que eu tivesse me comportado bem. Depois, por volta das quatro horas da tarde tomava banho e me arrumava, daí até o cliente chegar eu podia brincar, desde que a brincadeira não me sujasse ou me machucasse.

Quando o cliente chegava eu esperava no topo da escada, gostava de ficar lá imaginando aqueles seres asquerosos rolando escada a baixo. Confesso que tinha que me segurar para não empurrar ninguém, porque eu sabia que as coisas iam piorar para mim. Então apenas imaginava. Íamos para o quarto e lá eu era surrado e abusado.

A rotina angustiante se desenrolava como um ciclo interminável, onde a dor física e emocional entrelaçava-se com a busca incessante pela próxima dose de heroína. Cada dia era uma jornada pelo precipício da ruína, com a esperança esmaecendo diante da escuridão que envolvia minha existência.

Meus dias tornaram-se uma sinfonia dissonante, onde as notas discordantes de violência doméstica, abusos de clientes e a névoa da heroína criavam uma melodia agonizante. O relógio ditava meu destino, uma marionete cujos fios eram puxados por mãos cruéis que controlavam cada passo e cada escolha.

A escola, muitas vezes, era uma pausa sombria entre os tormentos. Os intervalos eram preenchidos com lágrimas solitárias e escapadelas para buscar alívio na névoa química. A monotonia angustiante da rotina era pontuada por momentos roubados para cuidar das feridas invisíveis e da alma destroçada.

Então, a noite caía sobre o teatro das minhas angústias, marcada pelo ritual de banho e preparação para os encontros com novos clientes. Às dezenove horas e meia eu jantava. E das vinte horas até às vinte e duas horas, eu era violentado. Depois disso, eu podia tomar um banho e ir dormir. Mas geralmente, eu desmaiava e alguém tinha que me levar para a minha cama, geralmente era o Renato.

E assim, entre lágrimas e sorrisos forçados, eu continuava minha jornada tumultuada, perdido na espiral de uma existência onde as sombras da minha realidade se misturavam com os ecos de um sonho distante que, a cada dia, se desvanecia um pouco mais.

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Atualizado até capítulo 65

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