Na sombra da dor

Como eu queria que tudo fosse só um pesadelo. Porém, a dor no meu corpo, me dizia que era real. Com muita esforço abri meus olhos e percebi que estava no meu quarto, na minha cama. Estava sedento. Não sede de água, mas de heroína. Provavelmente, eu tinha ficado apagado mais de vinte e quatro horas. Estava tentando achar alguma coisa para tomar, quando Renato entrou.

- O que está procurando?

- Eu tô com sede.

- Tem água aí do teu lado. Mas é claro que não é água que você quer, né?

Não respondi nada. Peguei a garrafinha com água e tomei tudo em praticamente dois goles. Mas ele tinha razão. Não era água que eu queria.

- Quer mais?

Neguei.

- Em todo caso, vou deixar mais uma garrafa com água para você. Como estão os machucados? - perguntou se aproximando, recuei. - Deixa eu ver. - Disse autoritário, segurando meu braço. - Não está tão ruim mais. Vamos conversar um pouco.

Disse Renato me fazendo sentar na cama. Ele se sentou ao meu lado.

- Qual a última coisa que você lembra de antes de acordar?

- Surra. - sussurrei.

- Ok. Isso foi antes de ontem. Você mal aguentou chegar na cama, caiu ali na porta e ficou. Eu te dei banho, cuidei dos machucados e te deitei. ontem você acordou por meia hora, ardendo de febre e pedindo heroína. Se lembra disso?

Balancei a cabeça.

- Renato?

- O que é?

- O Henrique... O pai...

Eu sabia que aquilo tinha acontecido, mas tinha esperança que tivesse sido só um delírio. Renato suspirou.

- Eu sinto muito, Fábio.

Eu queria sair daquele lugar, ir para qualquer lugar. precisa achar heroína, eu preciso.

- Eu preciso sair daqui, preciso achar mais, preciso ver o Henrique. Eu... Preciso.

Eu estava em estado de desespero, minhas mãos tremiam e meu coração batia descompassado no peito. Cada fibra de meu ser ansiava pela heroína, uma ânsia avassaladora que parecia me consumir por inteiro. Eu me sentia como se estivesse à beira de um abismo, à mercê de forças que estavam além do meu controle. E, de certa forma, estava.

Minhas palavras saíam em um sussurro entrecortado, minha voz carregada de angústia e desespero. Era como se estivesse perdendo o controle, como se estivesse prestes a sucumbir ao abismo negro que se abria diante de mim mais uma vez.

Renato me olhou com uma mistura de algo que pareceu ser preocupação e compaixão, ou talvez fosse só mais um delírio.

- Fábio, você precisa se acalmar. Eu sei que você está passando por um momento difícil, mas precisamos encontrar uma maneira de lidar com isso juntos. Você não pode simplesmente sair por aí em busca de heroína, isso só vai piorar as coisas. Não quero brigar com você, então deixa eu te ajudar? Isso não precisa ser pior do que já é.

Renato tentou manter sua voz calma e controlada, mas eu não confiava em uma palavra do que ele dizia.

- Eu preciso dela. Eu preciso... Só um pouco. - Minha voz falhou, as lágrimas começando a escorrer por meu rosto. Eu me sentia como se estivesse sendo arrastado por uma correnteza implacável, sem controle algum.

Renato colocou a mão no meu ombro, e me abraçou. E eu, vi a chance de escapar. Peguei o prato que ele tinha levado com comida para mim e quebrei na cabeça dele. Ele ficou desnorteado por um tempo, mas não foi o suficiente.

- Seu vagabundo, lixo. - gritou ele, passando a mão na cabeça que saiu manchada de sangue.

Ele foi até mim e me puxou pelos cabelos e me empurrou para o chão. Então, ele me bateu com socos e chutes. Fiquei atordoado com o golpe repentino, minha visão ficando turva enquanto tentava desesperadamente me recompor. Cada golpe era como uma explosão de dor, meu corpo sendo sacudido pela violência implacável de Renato. Eu tentava me proteger como podia, encolhendo-me e tentando desesperadamente me esquivar dos ataques, mas parecia inútil.

O rosto de Renato era uma máscara de fúria e ódio, seus olhos faiscando com uma intensidade selvagem enquanto ele descarregava toda sua raiva sobre mim. Eu sabia que merecia aquilo, que era o preço a pagar pelos meus erros e fracassos, mas mesmo assim, doía.

Cada golpe era um lembrete brutal da minha própria fragilidade, uma prova cruel de que eu não passava de um mero mortal, impotente diante das forças que se moviam contra mim. Eu me sentia pequeno e indefeso, uma vítima indefesa da minha própria autodestruição.

E então, quando pensei que não poderia suportar mais um segundo daquela tortura, Renato parou. Ele recuou, deixando-me ali no chão, meu corpo tremendo e meu coração batendo descontrolado no peito. Eu me encolhi, tentando me proteger do olhar acusador do meu irmão, mas ele apenas me encarava com uma expressão de desdém.

- Você é patético, Fábio. Um completo fracasso. Eu não sei por que ainda me importo com você.

Eu me senti quebrado e vazio, minha mente girando em um turbilhão de dor e desespero enquanto eu me perguntava se algum dia encontraria uma maneira de escapar desse ciclo interminável de destruição e desesperança. Porém, tentei me recuperar.

- Se importar? - falei, minha boca sangrando. Ele me olhou. - Foi você que me trancou no teu quarto com aquele homem e eu era só uma criança. - Consegui me levantar e nem acreditava que estava enfrentando meu irmão. - Eu chamei, implorei, mas você não abriu a porta. A mamãe também não. E depois, todos os outros... Um após o outro, mesmo eu implorando para parar. O que vocês queriam? Eu só aguentei esse tempo todo por causa do Henrique e da heroína e vocês tiraram isso também de mim. Vocês tiraram tudo de mim.

Avancei mais uma vez para cima dele, mas ele me afastou com um empurrão. Cambaleei e cai. Renato aproveitou para sair do quarto. Me arrastei até a porta e vi que estava trancada. A sensação de impotência e desespero me envolveu mais uma vez quando percebi que estava trancado no quarto. Minhas mãos tremiam enquanto tentava desesperadamente encontrar uma maneira de escapar, mas a porta permanecia obstinadamente fechada. Eu me senti como um animal encurralado, sem esperança de encontrar uma saída.

As palavras de Renato ecoavam na minha mente, reavivando antigas feridas e despertando um turbilhão de emoções reprimidas. A dor física se misturava à dor emocional, formando um coquetel devastador que parecia me consumir por inteiro. Eu me perguntava como pude passar tanto tempo vivendo sob o mesmo teto que aqueles que me causaram tanto sofrimento, como pude suportar tanto tempo fingindo que estava tudo bem.

Mas agora não havia mais espaço para fingimentos. Eu estava cansado de ser subjugado, de ser tratado como um mero brinquedo nas mãos de meus algozes. Era hora de me libertar, de encontrar minha própria voz e lutar por minha própria sobrevivência.

Com um último esforço, levantei-me do chão e olhei ao redor do quarto em busca de algo que pudesse me ajudar a escapar. Meus olhos finalmente pousaram na janela, uma pequena fresta de liberdade em meio à escuridão sufocante que me envolvia.

Com um ímpeto renovado, dirigi-me à janela e forcei-a com todas as minhas forças. Por um momento, pareceu que não cederia, mas então, com um estalo abençoado, finalmente cedeu. Um raio de luz inundou o quarto, iluminando meu rosto contorcido de dor e determinação.

Sem hesitar, empurrei a janela aberta e me lancei para fora, sentindo o ar fresco da noite acariciar meu rosto e os pulmões queimarem com o esforço. Eu estava livre, pelo menos por enquanto. Mas sabia que a batalha estava longe de terminar. Ainda havia muitos obstáculos a superar, muitas cicatrizes a curar. Mas eu estava determinado a seguir em frente, a encontrar uma maneira de me libertar do ciclo de dor e sofrimento que me aprisionava há tanto tempo. Eu só esperava que desta vez, a liberdade fosse real.

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Atualizado até capítulo 65

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