O relógio

Esse moleque me roubou. - escutei alguém gritando. - E não é a primeira vez. Exijo que algo seja feito.

- E será. Vamos revistar o quarto, talvez tenha ficado em algum lugar. - escutei Renato dizer.

Eu estava agoniado, precisava usar alguma coisa, mas não podia. Como eu odiava os finais de semana. Estava saindo do quarto para ir tomar água para ver se conseguia controlar a vontade quando o homem quis me bater.

- Devolva ladrãozinho de merda.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, que eu nem sei se faria, meu irmão entrou na minha frente.

- Se encontrarmos algo com ele, aí ele vai ter o castigo que merece. Onde está indo, Fábio?

- Água. Posso?

Odiava como eu ficava sem voz e gaguejava quando estava perto deles, fosse minha família ou aqueles monstros nojentos.

- Vai e volta aqui. Vamos dar uma olhada no teu quarto e vamos ter uma conversinha.

- Ele deve estar indo esconder.

- Fábio, volte aqui.

Voltei.

- Tire a roupa.

- Eu só quero ir tomar água.

- Depois você vai. Agora obedeça. Eu não quero brigar com você.

Sem escolha, eu fiz o que ele mandou. Fiquei sem roupa e ainda fui revistado.

Reviraram o quarto e eu quase enlouquecendo.

- O que você fez com as minhas coisas?

- Não está comigo. Posso ir tomar água agora, por favor, Renato?

Renato assentiu e eu desci a escada correndo.

- Que susto, Fábio. - Disse minha mãe. - O que você aprontou?

- Nada. Posso colocar um pouco de açúcar na água?

- Por quê?

- Deu vontade de tomar água doce.

Eu tinha esperança de que a água doce pudesse amenizar meu desejo por heroína.

- Você está tremendo. Deixa que eu arrumo.

Olhei para as minhas mãos e vi que realmente estava tremendo e minha visão estava ficando turva. Nada bom. Tomei toda a água com açúcar num gole só. Eu estava perdendo o controle.

- Acho melhor você subir, tem cliente chegando. - disse mamãe.

Eu assenti e subi, lágrimas escorriam pelo meu rosto. Lágrimas de ansiedade, de abstinência e de rejeição. Eu já estava acostumado com a frieza da mamãe, mas ainda doía.

- Como os quartos estão uma zona, use o meu. - disse Renato.

- Você está péssimo. - nem acreditei quando vi que era o Henrique.

- Henrique eu... - eu estava quase desmaiando.

- Calma garoto. Tenho presentinho para você. E é da boa.

Assim que cheirei me senti melhor. Quando Henrique injetou fui ao paraíso.

- Trouxe um tanto bom para você segurar a onda durante a semana se você não for para a escola. Não use tudo de uma vez. Tente se controlar.

- Obrigado. Conseguiu vender aqueles negócios?

- Sim. E fiz aquele esquema, comprar um pouco e guardei o resto.

- Ótimo. Assim que der eu pego mais.

- Você não acha que está se arriscando muito? Por que você não foge?

- Acha que eu não queria? Acha que eu nunca tentei? A última vez que eu tentei fugir me custou duas costelas e um ombro deslocado.

No silêncio que se seguiu, a realidade cruel da minha existência pairava como uma sombra implacável, e a esperança de uma fuga parecia uma quimera distante. A jornada tumultuada continuava, entre lágrimas, abusos e fugazes momentos de alívio, enquanto eu dançava nas bordas do abismo que se estendia diante de mim.

Henrique foi embora e eu fui para o meu quarto, onde felizmente consegui esconder a heroína. Enquanto reviraram meu quarto atrás das coisas daquele velho nojento, nem repararam em um pequeno vão entre a cama e a parede, onde tinha uma caixa pequena. Guardei meu elixir com cuidado na caixa e enquanto pensava em um bom esconderijo, Renato entrou no quarto. Eu era alguém sem direito a privacidade, então ele não bateu na porta.

- Binho, a mãe... - ele se interrompeu. - O que está fazendo?

- Arrumando aqui.

Renato pareceu acreditar, embora eu sentisse seu olhar desconfiado.

- Você não seria idiota de roubar eles, né?

- Claro que não, Renato. Esse velho nojento deve ter perdido e veio encher o saco.

Renato riu, mas a desconfiança permanecia em seus olhos.

- Não fala assim deles. Arrume aí e vai lá no meu quarto para fazermos os testes rápidos.

- Pode ser amanhã? Estou cansado e aqui vai demorar.

- Tudo bem.

Enquanto Renato saía do quarto, meu coração disparava. Precisava encontrar um esconderijo mais seguro para a droga. Vasculhei cada canto, cada fresta, em busca de um local onde pudesse preservar meu elixir, meu único escape da dolorosa realidade que me cercava.

A cada passo no labirinto da minha mente, a sensação de ser um prisioneiro em minha própria casa intensificava-se. O ciclo de abusos e dependência tornava cada esconderijo uma esperança frágil, uma fuga momentânea de um destino que parecia inevitável.

Finalmente, encontrei um vão oculto atrás de um móvel antigo. Era um esconderijo improvável, mas a urgência ditava minhas escolhas. Cuidadosamente, coloquei a pequena caixa no recanto escondido, cobrindo-a com a poeira acumulada ao longo dos anos.

O alívio momentâneo de ter encontrado um refúgio para minha droga era como um sopro suave em meio à tempestade. No entanto, a sombra da incerteza pairava sobre mim, pois sabia que, mais cedo ou mais tarde, minha vulnerabilidade seria exposta.

Enquanto a noite avançava, eu me entreguei mais uma vez à dança perigosa com a heroína. Cada dose era um pacto com o vício, um acordo que selava temporariamente a dor que permeava minha existência.

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Atualizado até capítulo 65

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