Quando a casa caiu

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Renato, Alberto e Solange estavam sentados ao redor da mesa. Fábio ainda estava na escola.

- Foi ele, não tenho dúvidas. O dinheiro estava na minha carteira e eu tinha esquecido no quarto dele, quando fui pegar ele estava segurando ela, eu olhei rápido e vi que tinha umas notas, mas não conferi.

- Era bastante? - perguntou Alberto.

- Tinha mil reais. Ele pegou seiscentos.

- Então o relógio, o anel ontem, as pulseiras, cartão...

- Era ele mesmo, mãe.

- Mas não foi revistado o quarto e ele? - perguntou Solange.

- Sim. Eu até estava revistando ele quando chegava da escola. Ele estava sendo bem esperto.

- O que ele pode estar fazendo com esse dinheiro e essas coisas?

- Deve estar juntando para fugir. Então ele deve ter deixado escondido aqui em casa em algum lugar.

- Vou dar uma surra nele que ele vai entregar tudo rapidinho.

- Não pai. Vamos dar flagrante nele antes.

- Está bem. Vamos agir como se não tivéssemos percebido nada. Espera.

Alberto fez uma ligação e instantes depois estavam assistindo um vídeo.

- Ele era cuidadoso, pegava os pontos cegos das câmeras, mas não percebeu essa câmera. E é ele mesmo.

- E a escola não percebeu as ausências dele?

- Não sei. vamos esperar para ver no que vai dar.

Enquanto isso, Fábio se mantinha alheio ao fato de saberem que ele estava roubando.

...****************...

Não estava conseguindo me controlar na sala, então saí e fui ao banheiro. Peguei e injetei uma dose, o suficiente para me sentir melhor. Em casa eles pareciam estranhos, não sei o que era, talvez estivessem desconfiando, porque os clientes não entravam mais com relógios e outros objetos e nas carteiras não tinha mais nenhuma nota, nem nas carteiras daqueles que não confiavam em cartão de crédito. Henrique me avisou que não poderia ir naquela semana e nem na outra me ver nem entregar mais heroína para mim, então eu precisava segurar as pontas com o que eu tinha. O problema era que estava acabando. À medida que eu não conseguia pegar mais as coisas e os clientes pareciam mais violentos que nunca, até minha mãe estava me batendo, eu precisa de doses maiores.

E em meio a esse caos, dia após dia eu ia morrendo um pouco mais. Quase duas semanas tinhamse passado e era final de semana. Eu tinha usado o restinho de heroína que eu tinha guardado, fazia mais de quatro dias que eu estava sem nada, e a abstinência começava a se manifestar com força total. Cada célula do meu corpo clamava por aquela sensação fugaz de alívio, mas eu estava vazio, despojado de qualquer resquício de conforto. Os dias pareciam se esticar infinitamente diante de mim, como um deserto árido e desolado, onde cada grão de areia era uma contagem regressiva para o próximo suplício.

Eu precisava de mais um pouco, eu tinha que ter mais escondido em algum lugar. Eu sempre cuidava para deixar uma dose bem escondida, até mesmo de mim. Era isso, eu só tinha que procurar. Estava procurando, quando meu irmão entrou no quarto.

- Está procurando isso? - disse ele mostrando o saquinho com pó.

Eu tentei me controlar, fazer de conta que não sabia o que era aquilo, mas não tinha para quê e a vontade, a necessidade era muito maior.

- Me dá, por favor. - inadvertidamente tentei tirar das mãos dele, mas tudo o que consegui foi ganhar um empurrão. - É a última vez, eu juro. Por favor.

Meu irmão me olhava com desprezo. Eu avancei com tudo para cima dele.

- Devolve.

Renato só me empurrou para o lado e foi até o banheiro, abriu o pacote, despejou no vaso e deu descarga.

- Não! - gritei, mas minha voz saiu rouca. - Eu te odeio.

Eu estava desesperado, comecei a bater no Renato e ele nem se incomodou. Até que ele me prendeu em um abraço.

- Chega, Binho. - disse ele gentilmente. - Não piore a tua situação.

A angústia e a dor se misturavam em um turbilhão de emoções dentro de mim enquanto eu lutava contra a abstinência e a sensação avassaladora de perda. O que restava da minha esperança foi arrancado brutalmente pelas mãos do meu próprio irmão, que agora me segurava em um abraço firme, mas gentil.

As lágrimas queimavam em meus olhos enquanto eu tentava conter os soluços que ameaçavam escapar. Minha mente era um redemoinho de pensamentos caóticos, cada um mais doloroso que o anterior. Eu me sentia perdido, sozinho e indefeso diante da voracidade da minha própria angústia. Então, eu me permiti afundar naquele abraço por um momento, encontrando um breve alívio na sua segurança reconfortante.

Quando estava mais calmo, Renato começou a conversar comigo.

- Vou apanhar, né?

- Aí vai depender de você. Me responda direitinho e eu penso no teu caso. Eu não contei nada para o pai ainda. Vamos começar? Você pegou um dinheiro na minha carteira? Responda.

- Sim.

- Você estava roubando os clientes?

- Sim.

- Roubou outras pessoas?

- Sim.

- Era para comprar droga?

- Sim.

- Quem te arrumava a droga?

Eu nunca iria entregar o Henrique. Então fiquei em silêncio.

- Não vai responder?

Balancei a cabeça.

- Quais tipos de droga você estava usando?

- Só heroína.

- Quanto tempo?

- Não sei.

- Quanto tempo?

Eu não tinha muita noção de quanto tempo fazia.

- Acho que um ano.

- Um ano?

- Acho que sim.

Renato se levantou para sair do quarto.

- O que vai fazer comigo?

Ele olhou para mim.

- Está sem há quantos dias?

- Quatro dias.

- Não saia do quarto.

Dito isso, ele saiu do meu quarto, me deixando em um estado de ansiedade e agonia. Naquela tarde eu ganhei uma surra que a dor que eu senti até me fez esquecer da dor que eu estava sentindo pela falta da droga.

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Atualizado até capítulo 65

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