Indenização

À medida que a heroína se infiltrava em minhas veias, uma cortina de euforia envolvia meu ser, oferecendo uma fuga momentânea dos horrores que me perseguiam. Cada dose proporcionava um alívio efêmero, uma ilusão de felicidade que se desfazia rapidamente nas sombras da minha realidade sombria.

No entanto, a natureza insaciável do vício logo se revelou, transformando a busca por prazer em uma espiral descendente de dependência. O prazer momentâneo cedia lugar a uma ânsia constante, e eu me tornei cativo de uma substância que prometia conforto, mas, na verdade, me arrastava para um abismo cada vez mais profundo.

Para sustentar esse vício voraz, percebi que precisava de recursos financeiros constantes. Foi então que uma ideia, alimentada pelo desespero e pela dependência, começou a florescer em minha mente: roubar os clientes. Na verdade, eu não via aquilo como roubo, chamava isso de "indenização", uma forma de compensação por todo sofrimento que eu passava.

Os encontros com os clientes, tornaram-se oportunidades de realização dessa busca desesperada por dinheiro. Entre surras e abusos, eu meticulosamente escolhia alvos que pareciam ter recursos substanciais, e, quando a oportunidade surgia, furtava parte de suas posses como uma forma de suprir minha crescente dependência.

Não era apenas uma questão de roubo material; era uma tentativa desesperada de reaver algo do controle que havia perdido em meio à espiral de drogas e abusos. Minha justificativa distorcida fazia com que esse ato de desonestidade parecesse uma forma de equilíbrio cósmico, uma maneira de nivelar as injustiças que a vida me impusera.

Nesse ciclo vicioso de vício e roubo, eu me afundava cada vez mais em um buraco negro de autodestruição. A cada cliente, a dualidade de papéis se desdobrava: de vítima a perpetrador, numa dança caótica de desespero e compulsão.

Enquanto a espiral de vício e roubo se entrelaçava, a minha jornada descarrilhava ainda mais, deixando para trás os vestígios de uma existência que já fora moldada pela tragédia e agora se enredava numa teia de más escolhas e consequências inevitáveis.

No começo eu era cauteloso, pegava de forma que não fossem perceber. Porém, estava ficando cada vez mais difícil e eu precisa ter mais heroína. Então comecei roubar objetos maiores: relógios, anéis, abotoaduras e dinheiro, quando eu conseguia. Felizmente, alguns não confiavam na tecnologia do cartão de crédito e carregavam dinheiro físico.

A primeira vez que usei eu tinha doze anos. E por mais que a sensação de bem estar fosse curta, foi suficiente para apagar por um curto espaço de tempo os horrores que eu estava vivenciando nos últimos dois anos.

Com o tempo, a busca frenética por recursos para sustentar meu vício mergulhou-me em um ciclo desesperador de roubo e decadência. A cada encontro com um cliente, meu olhar, agora opaco e marcado pelo vício, percorria rapidamente seus pertences, avaliando quais seriam as possíveis "indenizações". E quando não era suficiente, roubava na escola: colegas, professores, quem eu conseguisse.

O ato de subtrair objetos valiosos tornou-se uma espécie de ritual, uma maneira distorcida de reafirmar algum controle sobre a minha vida tumultuada. A sensação fugaz de poder que esse ato me proporcionava era como uma ilusão reconfortante diante da espiral de caos que me envolvia.

Enquanto eu me afundava nas sombras, Henrique, mantinha-se ao meu lado, observando silenciosamente ou participando ocasionalmente. Nossa ligação era marcada por uma camaradagem nascida do desespero compartilhado. Quando eu não conseguia aparecer nos nossos encontros para usar a heroína, ele ia até mim. Se passava por cliente e enquanto meus pais e meu irmão pensavam que ele estava me violentando, estávamos injetando doses e mais doses de heroína.

A relação com Henrique tornou-se uma cumplicidade mórbida, onde nossas vidas eram entrelaçadas pelo vício e pela busca incessante por uma fuga momentânea da dor. Enquanto eu roubava para manter o suprimento constante de heroína, Henrique assumia o papel de facilitador, garantindo que a droga estivesse sempre ao nosso alcance.

Nossos encontros eram um ritual sombrio, onde a linha entre cliente e fornecedor, vítima e cúmplice, tornava-se cada vez mais tênue. Henrique, embora parecesse um aliado, era ao mesmo tempo parte integrante da minha espiral autodestrutiva. A heroína se tornava não apenas uma fuga, mas também um elo sinistro que nos mantinha presos na teia de nossos próprios demônios.

A escola, outrora um local de tentativa frágil de normalidade, tornou-se mais uma arena para minhas atividades ilegais. Roubava colegas, professores, quem quer que fosse uma fonte viável de recursos. A moralidade, há muito esquecida, era apenas uma sombra distante diante da necessidade urgente de sustentar o vício.

O relacionamento com Henrique era uma dualidade complexa. Seus próprios demônios o guiavam na mesma jornada de autodestruição, mas ele exercia sua influência de maneiras diferentes. Às vezes, parecia ser a única pessoa que entendia a profundidade do meu sofrimento, enquanto em outros momentos agia como o instigador cruel das nossas desventuras compartilhadas.

A linha entre a realidade e a fantasia distorcida pelo vício desaparecia à medida que nossos encontros tornavam-se mais surreais.

Em meio a tudo isso, os horrores vividos em casa continuavam a assombrar-me. Cada surra, cada abuso, parecia uma extensão do pesadelo que se desenrolava em minha vida.

E assim, na órbita de Henrique e do vício, minha existência transformava-se numa espiral caótica, onde a linha entre vítima e algoz tornava-se cada vez mais difusa, e o futuro estendia-se como um horizonte sombrio, perdido em meio às névoas da minha própria destruição.

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Atualizado até capítulo 65

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