Declaração

O episódio do relógio foi só a ponta do Iceberg. Eu já tinha cometido muitos furtos antes e continuei, não tanto com clientes, agora eu roubava pessoas na rua e assaltava casas perto da escola. Depois do horário da aula eu sempre estava esperando quem fosse me buscar, para não suspeitarem. Embora a escola já devesse ter notificado eles das minhas faltas.

 Eu me tornei um predador furtivo, caçando nas sombras da noite em busca de presas vulneráveis. As ruas escuras tornaram-se meu território de caça, e eu me movia como uma sombra entre as vítimas inocentes, sempre à espreita, sempre pronto para agir.

Os furtos se tornaram minha nova obsessão, uma fonte de prazer distorcido que alimentava minha crescente sede por adrenalina e poder. Eu não me importava com as consequências dos meus atos, apenas com a gratificação momentânea que eles proporcionavam.

Assaltar casas perto da escola tornou-se uma rotina familiar, um ritual macabro que me consumia dia após dia. Eu esperava pacientemente, como um predador à espreita, até que a hora certa chegasse para agir. E quando chegava, eu me lançava de cabeça na escuridão, roubando tudo o que pudesse carregar e deixando para trás um rastro de destruição e desespero. Mas os problemas começaram surgir. Passou a ter patrulhamento, inclusive meu pai fazia algumas rondas por lá e um dia quase me pegou. Tive que parar com os furtos também.

Eu não me sentia bem fazendo isso. Até tinha a adrenalina e tal, mas eu sabia que não era certo, não com algumas daquelas pessoas, outras mereciam. Mas, eu não tinha ninguém que se preocupasse comigo, porque deveria me preocupar com os outros?

A rotina de degradação persistia, como uma canção dissonante que tocava incessantemente nos dias que se arrastavam desde os meus dez anos. Cada amanhecer trazia consigo a promessa sombria de mais abusos, mais lutas pela sobrevivência e mais fugas desesperadas para o refúgio efêmero da heroína.

A monotonia angustiante era pontuada por encontros com clientes que se tornavam cada vez mais perturbadores. Meu corpo, marcado pelos abusos contínuos, cedia sob o peso dos horrores diários. Eu me movia como uma sombra, deslizando pelas interseções da realidade e da ilusão, em uma dança macabra onde a droga ditava os passos.

Em meio à monotonia, a busca por redenção continuava a tecer uma teia delicada de esperança, mesmo que frágil. Cada novo amanhecer era uma oportunidade fugaz de escapar das sombras que me envolviam. No entanto, a realidade implacável persistia, cobrando seu preço em abusos, violência e o constante zumbido da necessidade insaciável por heroína.

Eram raros os momentos que eu estava cem porcento lúcido. Ou eu estava entorpecido por analgésicos, ou estava pela heroína. Quando não eram os dois. E eu estava tão cansado de toda aquela merda.

Ao menos eu ainda tinha o Henrique. Algumas vezes ele ia e mesmo sem levar o pó, a companhia dele era suficiente para eu me sentir um pouco melhor. Ele era mais velho que eu, talvez uns dez anos mais velho. Nunca tínhamos feito nada além de usar heroína juntos e uns beijinhos que rolaram, mas ele sempre respeitou meus limites.

Bom, certa vez, eu estava de bobeira, aproveitando o momento para fingir que eu era normal e tinha uma vida normal com uma família normal, era minha brincadeira favorita: faz de conta. E eu estava distraído, pensando em como seria ter uma vida normal, com pais que te amam e não escutei o meu pai me chamar até ser tarde de mais. Só senti a mão dele puxando meu cabelo, forçando-me a levantar e depois me empurrando contra a parede.

- Vai tomar banho, daqui a pouco tem cliente. - disse meu pai.

Não sei o que deu em mim que questionei ele.

- Mas, pai...

Ele não disse nada, só me puxou pelo braço até o banheiro, mandou eu tirar a roupa e começar a tomar banho. Levei um tempo para processar a informação e entender o que ia acontecer. Eu fiz o que ele mandou. Tirei a roupa e comecei a tomar banho, foi quando senti o primeiro laçasso que queimou minhas pernas. Instintivamente, levei as mãos no lugar e levei uma puxada no braço e nos dedos.

- Continua tomando banho. - disse meu pai.

O choque da dor se misturava com o horror da situação, enquanto eu tentava desesperadamente processar o que estava acontecendo. A água fria do chuveiro parecia arder em contato com a minha pele, enquanto os laçassos continuavam a chicotear-me, deixando marcas vermelhas e doloridas em meu corpo vulnerável.

Meu pai permanecia impiedoso, sua voz ecoando no banheiro como um comando autoritário. Eu me sentia acuado, encurralado em um canto enquanto os golpes continuavam a cair sobre mim.

Eu queria gritar, implorar por misericórdia, mas as palavras pareciam se perder em meio ao turbilhão de dor e confusão. Eu era apenas um espectador impotente em meu próprio tormento, lutando para encontrar algum tipo de escape, mesmo que fosse apenas temporário.

E assim, sob o olhar implacável de meu pai, eu continuei a tomar banho, as lágrimas misturando-se com a água que escorria pelo ralo. Cada momento era uma eternidade de agonia, um testemunho brutal da crueldade humana e do poder avassalador da dor. E quando finalmente terminei, estava exausto, ferido e marcado para sempre pelo trauma que me assombraria pelo resto da minha vida. Quando terminei de tomar o banho, meu pai parou de me bater e me fez ficar mais um minuto embaixo da água fria.

- Você não tem jeito mesmo né, Fábio? Vai se enxugar e colocar uma roupa. E não me cause problemas com o cliente.

Eu me encontrava deitado na cama, os nervos à flor da pele, esperando a chegada do cliente. Cada batida do meu coração ecoava no silêncio opressivo, enquanto eu me preparava para o encontro que se aproximava. Não sabia quem era e isso não importava. Até que Henrique entrou.

- Oi, bebê.

Inevitavelmente sorri. Algo bem raro.

- Você é o cliente? Ai. - Disse ao tentar me levantar sentindo dores da surra.

- Você está bem?

- O que acha?

- Você já vai melhorar.

Usamos um pouco de heróina e ficamos deitados, lado a lado, curtindo a brisa.

- Fábio?

- Am?

- você não sente nada quando está transando?

- Além da dor e do nojo? Não.

- Hmmm. E nunca teve vontade de tentar com outra pessoa, sem pressão e sem ser forçado?

- Acho que não. Nunca parei para pensar nisso. Por quê?

Ele ficou em silêncio um tempo, encarando o teto, antes de olhar para mim.

- Eu gosto de você, sabe? Eu entendo se você não quiser e não se sentir bem, mas se você quiser tentar ter uma experiência de verdade, sem ser obrigado, eu não me importo em ser tua cobaia.

Nós rimos. Eu nunca tinha parado para pensar nisso.

- Eu... Eu não sei.

- Tudo bem. Esquece isso.

- Não, não foi isso que eu quis dizer. Eu também gosto de você, só não sei se consigo fazer qualquer coisa sem ser forçado.

- Então, você quer tentar?

- Sim.

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Comments

Juniper_164

Juniper_164

Que eu osso dizer a realidade é assim mesmo,.

2024-03-09

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Atualizado até capítulo 65

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