Minha maior culpa

A cena se desdobrou diante dos meus olhos atônitos, como se o tempo diminuísse sua velocidade para capturar cada detalhe em câmera lenta. O som ensurdecedor do disparo ecoou pelo ar, cortando o silêncio da manhã como um trovão distante. Meu coração pareceu parar por um momento, enquanto eu observava impotente a tragédia se desenrolar diante de mim.

Lentamente, me virei para ver Henrique, seu rosto contorcido em uma expressão de choque e horror. O sangue jorrava de sua ferida, tingindo sua camiseta de vermelho enquanto ele caía para trás, seus olhos ainda abertos, ainda conscientes do que estava acontecendo.

Meu pai, com a arma ainda fumegante em sua mão, estava ali também, seu rosto uma máscara de fúria e determinação. Seus olhos encontraram os meus, faíscas de ira queimando em seu olhar enquanto ele me segurava pelo braço e me arrastava até o carro.

- Deixa que eu cuido disso. Leve ele daqui. - Disse o coronel Torres, o mesmo que me abusava.

Meu pai só acenou para ele e continuou me arrastando até o carro. Lembro que resisti a entrar no carro e ele me bateu com o cacetete.

- Eu não quero ir. Você é um assassino.

- Cala a boca e entra no carro. - disse ele me batendo com o cacetete e me empurrando para dentro do carro.

Enquanto meu pai dava a volta para assumir seu lugar como motorista, eu abri a porta e tentei correr, porém minhas pernas vacilaram e minha visão estava turva, então caí. Meu pai se aproximou e me arrastou de volta até o carro. Dessa vez ele algemou meus pulsos e passou o cinto.

A sensação de terror e desamparo me envolveu enquanto eu lutava contra as algemas, meu coração martelando no peito em um ritmo frenético de puro pânico. Meu pai, com uma expressão fria e impiedosa, parecia determinado a manter seu controle sobre mim, sua autoridade inabalável como uma sombra sinistra pairando sobre nós.

Enquanto o carro se afastava do local do tiroteio, o mundo ao meu redor parecia distante e irreal, como se estivesse mergulhado em um pesadelo do qual eu não conseguia acordar. O som do motor rugindo ecoava em meus ouvidos, misturando-se ao batimento acelerado do meu coração e às lágrimas que ameaçavam brotar dos meus olhos.

Eu estava preso dentro de um carro com o homem que acabara de atirar em alguém, meu próprio pai, um estranho para mim agora mais do que nunca. Cada respiração era um lembrete cruel da minha própria impotência, da minha completa falta de controle sobre minha própria vida.

Enquanto o carro avançava pela cidade adormecida, eu me sentia mais distante do que nunca de qualquer sensação de segurança ou proteção. Eu estava sozinho, perdido em um mar de incertezas e medo, sem ninguém para me amparar ou me guiar através da escuridão que se estendia diante de mim.

Enquanto meu pai dirigia em silêncio, sua presença ao meu lado era como uma sombra ameaçadora, uma lembrança constante do perigo iminente que eu enfrentava. Eu sabia que precisava encontrar uma maneira de escapar, de encontrar ajuda, mas cada tentativa parecia fadada ao fracasso diante da magnitude esmagadora da situação em que me encontrava.

Enquanto o carro avançava pela estrada, eu me agarrei desesperadamente à esperança de que algum dia encontraria uma maneira de me libertar do pesadelo em que estava mergulhado. Mas por enquanto, eu estava à mercê do destino, deixando-me ser levado pelas marés turbulentas da vida, sem saber onde ou quando encontraria terra firme novamente.

Cada momento parecia uma eternidade enquanto eu lutava contra meu pai, meu corpo se contorcendo em uma mistura de desespero e resistência. As algemas mordiam meus pulsos, cortando minha pele enquanto eu me debatia em vão contra o destino que se desenrolava diante de mim.

Eu estava atônito, perplexo, tremia. Meu pai parou o carro para o trem passar. Parecia que eu ia explodir. Eu não conseguia respirar.

- Me deixa sair um pouco, por favor. - implorei.

- Para você tentar fugir ou se jogar no trem?

Eu não tinha pensado nisso, mas seria uma boa ideia.

- Você só sai daí quando chegarmos em casa.

- Eu te odeio. - gritei. - Você é um monstro, desprezível e assassino.

Eu sabia que não devia falar aquilo, mas não consegui evitar e quando eu vi já tinha falado e não dava para voltar atrás. Meu pai, apenas virou para o meu lado e chegou bem perto de mim, dava para sentir o hálito mentolado dele.

- Já que eu sou tudo isso que você falou, Fábio, acha que é uma boa ideia me desafiar? A culpa da morte daquele rapaz não é minha, Fábio. É tua. Eu te avisei que iria matar quem estava te fornecendo droga. Não avisei? Então, Fábio, a culpa é única e exclusivamente tua.

O último vagão passou. Meu pai retomou a posição atrás do volante, deu partida no carro e avançou. Se antes eu mal conseguia respirar, agora eu nem sabia como ainda conseguia estar vivo, porque estava impossível respirar. Me sentia asfixiando, sufocado e preso em um loop infernal onde as palavras "a culpa é tua" se repetiam.

Eu era só um garoto de treze anos.

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Atualizado até capítulo 65

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