Capítulo 8

Ouço barulhos de tiros do lado de fora e um cantar de pneus. Nando corre até mim, chorando desesperado. Pego-o no colo e vou até a janela, onde vejo alguns homens atirando de dentro de um carro preto, que parece ser o mesmo do pai de Nando. O carro sai em alta velocidade com outro em sua cola.

Fecho a janela, e ele fica completamente grudado em mim. Por que será que ele reage assim sempre que ouve tiros? Tadinho. Levo-o até o quarto e o deito na cama. Mas logo percebo o cheiro, pois o meu quarto está com um fedor insuportável de urina.

— Vamos ter que dormir na sala, seu mijão, mas dessa vez, eu vou te espremer até sair a última gota de urina. Não vai estragar o meu sofá também, não.

Volto para a sala e percebo que não desliguei o celular. Vou correndo até ele e, ao olhar, vejo que a chamada foi desligada. Ele disse que estava subindo. Será que realmente está vindo ou apenas disse isso para me assustar? Ou estaria ele fugindo do tiroteio?

Tantas perguntas passam pela minha cabeça que não sei se vou enlouquecer. Se minha vida estiver em perigo por causa desse homem, darei um jeito de cair fora. Ele pode fazer parte de uma gangue, ser um assassino de aluguel, ou até mesmo um membro da máfia.

Deve ser da máfia ou gangster, explicando o medo do Nando ao ouvir tiros. Sento-me perto dele e coloco um filme de ação, com tiroteios, só para observar sua reação.

A reação dele ao ouvir os tiros é incrível, ele me abraça imediatamente, seu pequeno corpo tremendo. Sinto a necessidade de protegê-lo, desligo a televisão após confirmar que ele já viu algo semelhante antes.

A noite cai, e perco contato com o pai dele. Preparo nossa janta, após nos alimentarmos e tomarmos banho, viro o colchão deixando a parte molhada para baixo. Só saímos do banheiro depois de ver as últimas gotas de xixi. Abraço-o e dormimos bem agarradinhos.

No meio da noite, ouço um barulho em casa, retiro meu braço da cabecinha dele e pego meu taco de beisebol. Comprei porque não podia ter uma arma, e uma mulher sozinha precisa de sua própria proteção.

Vou caminhando vagarosamente até a sala e vejo alguém no sofá. Aproximo-me lentamente e dou uma tacada na cabeça, fazendo o indivíduo gritar de dor. Quando acendo a luz, percebo que é o pai do Nando. Ele me olha com raiva e dor misturadas, e espero pela reação, até fechar os olhos aguardando.

— Droga, Virgínia, que porcaria.

— Não vai me matar, né? A culpa é toda sua por entrar na minha casa desse jeito. Afinal, como entrou? Eu tranquei a porta.

Ele se levanta com dificuldade, com a mão na cabeça. Um bebê chorão, nem bati tão forte assim. Se eu tivesse usado toda a minha força, teria arrancado a cabeça dele.

— Não tem fechadura que me impeça de entrar. Eu vim aqui agora, por que não pude vir antes. — Lembro da nossa conversa no celular, e um arrepio percorre minha espinha. — Repete na minha cara o que você falou.

— Tenho problema de amnésia precoce, muitas vezes não lembro do que falei.

— Jura? Parecia tão autoritária no celular.

Ele se aproxima cada vez mais, quase dando o bote em cima de mim.

— Não me lembro. Pode refrescar minha mente, por favor. — Para de falar, boca. Por isso, tem o ditado que "peixe morre pela boca". Estou cavando minha própria cova.

E então, ele ataca, vindo com força para cima de mim, puxando meu cabelo para trás, forçando-me a encarar seus olhos. De tão perto, parecem tão familiares, me perco ali dentro como se o conhecesse de algum ligar. Empurro seu corpo para longe, um arrepio percorrendo meu corpo, como se revivesse aquela noite que arruinou minha vida.

Viro as costas para ele, fecho os olhos e tento resgatar na minha mente as lembranças daquela noite. Mas está tudo tão escuro que só consigo recordar seus olhos azuis gelados. Os mesmos olhos dele. Volto a encará-lo, e ele me olha confuso, sem entender minha reação.

— Vai embora, por favor. Não se preocupe, vou cuidar muito bem do seu filho.

— Eu vou continuar vindo aqui para garantir isso, mas o que aconteceu com você?

— Nada, só... Vai embora.

Ele mantém um olhar de confusão, com a mão na cabeça ainda. Retira-se e parte. Ao ouvir a porta bater, solto o ar que estava preso, fecho os olhos e controlo minha respiração. Vou até a janela e o vejo indo em direção ao carro. Antes de entrar, ele olha para cima, e ficamos nos encarando por um tempo. Até que ele entra e vai embora.

Fecho a janela, a cortina e volto para a cama com o Nando, mantendo-o em meus braços como se fosse realmente meu. Fecho os olhos e durmo com ele.

Uma semana se passa, e criei uma rotina com o Nando, conhecendo algumas de suas manias. Agora ele não rejeita mais a minha comida. Sei que, como herdeiro, só comia pratos requintados, feitos com ingredientes luxuosos, mas comigo ele precisa aprender a comer de forma diferente.

Gasto o mínimo do cartão, não porque não goste de gastar, eu adoro, mas tenho receio de que ele venha buscar o filho e queira me levar como empregada para pagar a dívida que fiz em seu cartão.

Então, quanto menos eu gastar, menos vou trabalhar para pagar a conta. Ele não veio mais aqui, mas liga todos os dias, e na maioria das vezes eu coloco o Nando para falar com ele.

Sempre sinto uma sensação estranha quando algum homem se aproxima, mas os olhos dele tocaram minha alma. como se houvesse uma conexão comigo. Estou preparando o almoço, e o Nando está dormindo quando a campainha toca. Ao abrir, é ele.

— Pensei que você entrava onde quisesse, a hora que quisesse, o que aconteceu, perdeu o grampo?

— E entro, mas se você está em casa e acordada, nada mais justo do que você abrir a porta para mim, não é?

Ele entra sem nem mesmo ser convidado. Acha que está na casa dele? Folgado, vou ter que colocar limites nesse homem, ou vai achar que além de ser a mãe do filho dele, vai achar que sou sua mulher também.

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