Capítulo 3

Uma semana.

Sete dias de casada.

Não tive nenhum tipo de contato com meu tio. Ele não me procurou e eu também não fiz questão. Me tratou como moeda de troca, e ainda como objeto, sou grata por ter me criado, mas ser grata é diferente de ser trouxa.

Vasculho o closet em busca das novas aquisições da semana. Estou verdadeiramente sentindo falta dos jeans e tênis. Não que eu e não os tenha mais, dois dias atrás eu tive uma pequena discussão com meu marido de que dava pra ser elegante usando uma roupa mais casual, e depois de umas esbravejadas no melhor estilo italiano, venci aquele homem intragável pelo cansaço. Ele pesquisou na internet e achou modelos elegantes de jeans e tênis. Comprou, pagou e chegou.

Aceitei os termos dele porque não dava pra ir me encontrar com o pessoal usando salto alto e seda.

Ouço uma batida na porta.

- Pode entrar.

Sei que é Antonieta, Ítalo não vem ao meu quarto, então não me importo de estar de toalha.

- Estou aqui no closet, amorzinho.

Antonieta é um amor de pessoa. Me acolheu muito bem nessa casa. Não a conhecia porque ela é uma empregada de Ítalo e estava com ele em Florença, então nós tivemos uma ligação especial assim que coloquei os olhos nela pela primeira vez. Amorzinho é o jeito carinhoso que me refiro a ela.

Me encaminho até a penteadeira e começo a mexer no secador de cabelos.

Levo um susto ouvindo a voz grave.

- Huuum, estou emocionado. Uma semana de casados e você já está me chamando de amorzinho?

Me viro rápido e encontro Ítalo parado na entrada do meu closet. Tem uma sacola nas mãos.

- Por que você não disse nada?! Como entra assim no meu quarto sem pedir licença?

Ele dá de ombros.

- Foi você quem disse que eu podia entrar.

Fico possessa com ele. Está me tratando com deboche e se divertindo com a situação. Começo a gesticular antes mesmo de xingar, mas ele levanta a mão direita.

- Toma cuidado, se não vai me deixar ver mais do que eu já estou vendo com essa toalha minúscula.

Imediatamente eu coloco as mãos na frente do meu corpo.

- Diz logo o que você quer, Ítalo.

Meu marido estende a sacola na minha direção.

- Percebi que as modelos todas daquelas fotos tinham acessórios que combinavam com a roupa. Comprei isso aqui pra você.

Franzo a testa.

- Qual é garota, anda logo, pega essa sacola.

Estico a mão esquerda e pego o que ele me oferece.

- Abre na minha frente.

Reviro os olhos e apoio a sacola na bancada do meio do closet. Tem uma caixa branca escrita MICHAEL KORS. Abro a embalagem e é um relógio cheio de pontos brilhantes, vem acompanhado com uma pulseira rígida e uma pedra redonda no meio. Tem também um colar ponto de luz e brincos do mesmo modelo. O folheto diz que é platina com diamantes.

Olho pra Ítalo e franzo a testa.

- Por que está me dando isso?

Ele dá de ombros.

- Achei que combinaria.

Ítalo sai do cômodo me deixando um pouco confusa e ressabiada. Esse gesto não é uma cortesia. NÃO MESMO!

***********

Estou pronta e me olho no espelho.

Sequei o cabelo e fiz cachos nas pontas. Prendi metade de um jeito alto e coloquei um prendedor discreto no topo da cabeça. Uma camisa de mangas longas branca, dobrada até os cotovelos, um jeans justo de lavagem escura, modelo simples e dobrado nos tornozelos, seguido por um par de tênis brancos.

Uso uma bolsa de lado e os acessórios que Rizzo me deu.

Resolvi ousar e usar um batom vermelho cereja na boca, acho que é legal um ponto de cor já que tudo é sóbrio. Bastante rímel e um bom perfume.

Vou ao cinema com Pietra e uma galera da escola. Vai ser bom distrair.

Ítalo não se opôs, na verdade ele caga pra mim e eu pra ele. Então essa parte não teve estresse.

Desço as escadas e dou de cara com ele mexendo no celular.

Me olha por um momento e não se furta a fazer um comentário chato como ele.

- É, até que dá pra ficar bem vestida usando jeans e tênis.

Finjo que não ouvi.

- Está levando o cartão e o celular?

É a primeira vez que vou sair usando o pedaço de plástico que ele me deu.

- Estou sim. A propósito, você não me disse qual o limite.

Ítalo faz uma cara ruim.

- Eu não sou um homem de limites com dinheiro, Ambra.

Hum, que bosta.

- Tudo bem então, senhor "sem limites com dinheiro".

Ele ri de mim. Palhaço!

- Vou buscar Pietra e de lá vamos.

- Juízo vocês duas!

Mais uma vez finjo que nao ouvi e saio sem me despedir.

 Assim que me acomodo no banco de trás do carro, recebo uma mensagem.

📲 - Não se esqueça que é uma mulher casada agora, Ambra.

Como se eu pudesse esquecer que fui vendida e agora tenho outro sobrenome. Ah, pelo amor!

***********

Depois do filme nós vamos comer na praça de alimentação do shopping.

É tão bom interagir com pessoas da minha idade, poder rir e conversar sobre assuntos leves. Minhas refeições todas são feitas com um clima de enterro, na maior parte do tempo só é possível ouvir o som dos talheres.

Em um determinado momento eu ouço uma piadinha vindo de Vitória. Uma sebosa que nunca fez parte da turma, mas não sei porquê veio hoje.

- E então, Ambra, já começou a envenenar o velho com quem casou pra dar o golpe do baú?

Maledeta!

- Não, vou testar o veneno no seu pai primeiro!

A risada dos meninos ecoa pela mesa.

Eles não sabem com quem me casei, eu mantive segredo e pedi a Pietra pra fazer o mesmo. Não é incomum os casamentos arranjados dentro do sindicato serem feitos com meninas mais novas até quarenta anos que seus noivos.

Deixe eles pensarem o que quiserem. Isso não me afeta.

Em um determinado momento eu e Pietra começamos a conversar de um jeito paralelo.

- Como estão as coisas entre você e Lio?

Minha amiga sabe que nosso casamento é fachada, está perguntando da convivência mesmo.

- Está tudo na mesma. Ele me irrita, eu me esforço pra irritar ele também, não nos falamos fora disso e cada um na sua.

Ela dá de ombros.

- Nós temos um jantar hoje na casa do padrinho. Você vai?

Não fazia idéia disso. Mas vai ser bom passar a noite sozinha em casa só com Antonieta. Vou poder comer na cozinha com ela e rir do jeito que a gente ri durante o dia.

- Nem estava sabendo disso. Claro que não vou, ele não me disse nada.

De repente um bombom de licor aparece na minha frente.

Abro um sorriso. É o meu preferido.

- Comprei pra você.

Tarcio fala comigo enquanto abre um sorriso também. Ele era um dos meus esquemas, e não preciso nem dizer que nosso lance acabou automaticamente quando a notícia do meu casamento correu.

Não era nada demais. A gente se beijava quando tinha vontade, mas não era sempre. Demoramos uns dois meses pra tocar telefones pra se ter uma noção. O que ficou foi amizade.

- Obrigada.

Ele volta a dar atenção ao pessoal da mesa.

- Você sente falta da sua vida de antes?

A pergunta de Pietra me pega de surpresa.

- Sinto. E muita. Mas acho que nunca mais vou ser livre.

Eu já desisti de tentar entender através dela o porquê do irmão agir do jeito que age, mas Pietra não sabe de tudo e a relação que tem com ele é algo que vai além da que tem comigo. Ela é fiel ao irmão. Não é justo pra mim intervir nisso.

Sou arrancada dos meus devaneios quando Pietra arregala os olhos. Não tenho tempo de reação, logo sinto um beijo na lateral do meu rosto por trás.

- Oi, meu amor.

Ítalo sorri pra mim de um jeito largo. É a primeira vez que o vejo sorrindo assim, obviamente um puro teatro.

💭Vai Ambra, faz o seu papel 💭

Retribuo o sorriso e uso meu tom mais doce. Quase melado.

- Oi! Que veio fazer aqui?

Ele continua desempenhando o papel de marido apaixonado.

- Vim resolver umas questões, tenho umas três lojas aqui. Aliás, temos umas três lojas aqui. Uma baita coincidência encontrar vocês.

Uhum, sei.

- Posso me juntar a vocês?

Ele olha pro pessoal e ainda está sendo cordial. As meninas estão todas babando nele, porque o miserável tem a casca bonita. Inclusive Vitória.

Todos eles estavam crentes de que eu era casada com um velho babão mesmo.

Abrimos espaço e meu ilustríssimo marido se senta do meu lado. Bem entre mim e Tarcio.

Ítalo passa a mão pelo meu ombro e consegue levantar a minha pra entrelaçar os dedos. Estamos o perfeito casal apaixonado.

Só que não!

Sigo fingindo demência e ele logo interage com o pessoal.

É incrível como Ítalo tem uma personalidade cativante e envolvente quando quer. Ele parece ter anos de amizade aqui.

Infeliz!

Está roubando a minha vida.

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