Freya...
Acordo mais cedo do que o normal. Talvez por conta da ansiedade com o meu treinamento que terá início hoje e a visita à Cidade do Pesadelo a noite, ou talvez seja culpa do pesadelo que tive essa noite. Diferente dos outros, esse não envolvia Cassandra, minha morte, Apollo, minhas irmãs ou Andreas, era um homem que eu nunca havia visto na minha vida, mas que de alguma forma, me parecia familiar demais. Cabelos loiros como os de Cassandra e olhos azuis escuros, cicatrizes cobriam seu rosto e um sorriso medonho crescia a medida que ele se aproximava de mim. Tinha uma postura curva, embora ainda fosse muito alto. Ele tinha uma aparência apavorante, e não só isso, eu podia sentir que ele era perigoso, de alguma forma, todo o meu corpo sabia que devia manter distância. E foi quando ele avançou contra mim que eu acordei em um pulo, ouvindo meu coração desacelerar a medida que eu me dava conta de que estava no quarto e não na sala do trono.
Tomei um banho e vesti calças e uma blusa, tentei ficar o mais confortável possível para o treino, mas sabia que as roupas não eram de fato a minha preocupação. Tinha muita coisa acontecendo neste momento, um inimigo ao sul do qual não sabíamos quase nada, mas que tínhamos certeza de que era perigoso, tudo que aconteceu entre mim e Apollo e que eu estou tentando não pensar a todo custo, meus poderes que só se fizeram presente três vezes, mas que desde então parece dormente dentro de mim. São tantas questões, tantas perguntas sem respostas, tantas coisas que preciso decidir. Aprender a lutar é apenas a ponta de um iceberg enorme que eu estou evitando encarar. Saiu do quarto e a casa está silenciosa como sempre, mas sobre a mesa está um prato de mingau quente, como se tivesse acabado de sair do fogo. Caminhei até a mesa e olhei para o prato, eu não estava com fome o bastante para comer o mingau. Faço uma careta afastando o prato e indo em direção a cozinha na intenção de pegar uma maçã, mas uma voz me fez parar.
— Vai precisar comer se quiser forças para lutar — Ivar estava com os ombros encostados na entrada do grande corredor que dava na biblioteca, fiz uma careta levando a mão até o peito e ele riu do susto que me deu.
— Achei que estivesse sozinha — exclamei me encostando na mesa, ele descruzou os braços e caminhou até ela se sentando e na sua frente surgiu um prato de mingau também.
— E você estava, até agora. Acabei de chegar, Aaron me disse que queria aprender a lutar e pediu que eu te ensinasse — Ele enfia uma grande colherada de mingau na boca e acompanho seu movimento ficando vermelha.
— Achei que ele fosse me treinar
— Ele tem algumas coisas para resolver, sabe como é, um Rei e toda a baboseira que ele precisa decidir. Mas se tem dúvidas quanto a minha capacidade de treinar você depois de ter treinado o maior e melhor exercício de Salandria, eu posso pedir pra outra pessoa vim — Ele arqueia uma sombrancelha antes de enfiar outra colherada na boca.
— Não é isso, eu só...
— Ele vai vim, quando tiver tempo, até lá, você precisa comer porquê vamos começar o treino em vinte minutos — Respiro fundo concordando e me sentando diante dele puxando meu prato. Faço uma careta para o mingau e como uma colherada generosa de uma única vez. Ele concorda satisfeito.
— Porque aqui é sempre tão vazio? — Questiono depois de alguns segundos em silêncio. Ele me olha e passa os olhos ao redor.
— Não ficamos muito aqui, é longe demais da cidade e isolado demais. Usamos essa casa como sede de reuniões ou para eventos familiares, mas em geral, ficamos na casa da cidade — Ele da de ombros — Ou pelo menos a maioria de nós. Athena prefere o buraco onde vive — Ele revirar os olhos e volta a comer.
— Achei que vocês não iam a Cidade dos Pesadelos e dos Ossos — Ergo uma sobrancelha e ele nega.
— E não vamos. Preferimos ficar em Valirian — Ele fala com a boca cheia de mingau — A Cidade dos Pesadelos e dos Ossos são um mal necessário, é o que usamos para manter as aparências e afastar pessoas ruins da nossa cidade...
— Espera, então existem apenas três cidades em todo o Reino de Inverno? Como pode? Vocês são o maior Reino pelo que eu vi no mapa — Questiono e ele por fim larga a colher. Um copo de água surgi ao lado de seu prato e ele a bebi de uma vez.
— Inverno é separado em dois, a Cidade dos Pesadelos e dos Ossos são vizinhas e são as únicas cidade que outros de fora conhece. Por isso temos a fama de um Reino cruel e cheio de promiscuidade e maldade. Isso ajuda a mantermos nossa verdadeira cidade a salvo. Valirian é a nossa maior cidade, é onde nosso povo vive e é por ela que lutamos esses últimos cem anos de Cassandra para manter a salvo. É por ela que Aaron fez o acordo que fez com Cassandra — Ele faz uma careta de puro nojo, mas seus olhos refletem uma tristeza que eu nunca vi refletido nos olhos de ninguém. Meu coração se aperta, mas a curiosidade me faz questionar.
— Que acordo?
— Eu acho melhor Aaron contar essa parte, não cabe a mim revelar — Ele se levanta pegando o prato e o copo e levando até a pia. Concordo olhando meu prato e vendo que enquanto ouvia o que me contava, devorei todo o mingau sem perceber. Ele volta — Vamos? Temos muito o que aprender hoje — Concordei me levantando e levando meu prato até a cozinha.
...★...
O treino durou toda a manhã e boa parte da tarde. Ivar começou me ensinando sobre equilíbrio e como usar meu peso ao meu favor. Eu fui péssima em todos os treinos que ele me passou. Não sabia que meu equilíbrio ainda era tão ruim, não sabia que meus sentidos estavam tão tormentes e muito menos que eu era tão fraca, mas o treino me mostrou que eu vou levar muito tempo para sequer passar da primeira etapa. Ivar disse que eu vou melhorar, que eu preciso de tempo e como ele disse "ganhar alguma carne". Eu havia perdido muito peso nos últimos cinco meses e estava quase com o mesmo corpo que tinha quando Apollo me trouxe para esse lado da muralha, e eu sabia que isso podia dificultar no uso da minha força, mas não imaginei que fosse tanto. No fim do treino eu estava exalsra, jogada sobre o ringue olhando o céu cinza sobre nós. Ivar estava sentado a poucos metros enquanto tirava a faixa preta que havia enrolado em sua mão no início do treino, estava ofegante, mas não tanto quanto eu. Respirei fundo tentando me levantar, mas o meu corpo e minhas pernas não obedeciam ao meu comando. Ivar se aproximou e esticou minhas pernas apertando e balançando alguns pontos doloridos da minha coxa e panturrilha. Fechei os olhos sentindo o alívio da tensão naquela região.
— Vai sentir muita dor nos primeiro dias até que seu corpo se acostume com o treino — Ele apertou minha coxa com força e olhei para ele fazendo uma careta — Nada que um banho quente não resolva. Tente se exercitar quando levantar, faça a sessão de alongamento que fizemos antes do treino todos os dias antes de dormir e quando acordar — Ele aconcelhou e concordei.
— Quando acha que vou ter algum progresso? — Questiono me sentando quando ele se afasta.
— Em alguns dias, meses, anos... Não dá pra saber, vai depender do quanto está disposta a se empenhar — Ele dobra a faixa com cuidado — Tenho soldados que se tornaram bons guerreiros em poucos meses e tenho soldados que estão a anos treinando e não são metade do que deveriam ser — Ele da de ombros e se levanta indo até a prateleira e colocando a faixa em uma das caixas.
— Bom, então eu vou ter que me empenhar — Falo pensativa e ele se vira para mim.
— Sabe que o desgraçado só vai chegar perto de você se quiser não é? — Me assisto com o que fala e olho para ele com os olhos arregalados, pronta para dizer que era por ele que eu estava fazendo isso, mesmo sendo mentira, mas ele continuou — Não precisa se preocupar em ninguém te machucar aqui. Apesar da fama que corri por aí sobre nós, não somos monstros. Você está aqui, está sob nossa proteção e ninguém vai machuca-la — Desvio o olhar e concordo com o que diz. Um som chama a nossa atenção e Edda apareci com um sorriso de orelha a orelha.
— Porque ainda estam aqui suados e usando isso? — Ela apontou para as nossas roupas — Aaron e Athena em breve estarão aqui e Eirik já está na sala, vamos — Ela nos chama e Ivar bufa saindo do ringue.
— Precisamos precisamos mesmo fazer isso? — Ele pergunta parando diante dela que faz uma careta e abri um sorriso logo depois. Isso é resposta o bastante já que ele apenas revira os olhos e saí.
Levanto com um pouco de dificuldade e vou até ela a seguindo pela casa. Edda trouxe com ela diversos vestidos que segundo ela, eram perfeitos para uma visita a Cidade dos Pesadelos e eu só entendi o que ela quis dizer, quando me aproximei deles. Eram semelhantes ao vestido que Aaron me fez usar no castelo de Cassandra, com fendas enormes e decotes ainda maiores. Ela me garantiu que apesar de parecer, eles não eram tão reveladores e que era o melhor a se usar para manter as aparências lá. Ela também me explicou algumas coisas sobre a Cidade e sobre lorde Edgard Kayst. Pelo que eu entendi, ele era o lorde protetor da Cidade dos Pesadelos, um homem de fato ruim e cruel que se alimenta da maldade que inflige aos outros. Ela me contou que a cidade dos pesadelos não tem inocentes, todos os homens e mulheres que vivem lá, são pessoas cruéis e amargas que foram banidas de viver em Valirian com os outros. Ela deixou claro para que eu não demonstrasse nada além de nojo e desgosto para com qualquer um ali, para não demonstrar fraqueza ou medo e eu escutei tudo atentamente.
Edda me convenceu a usar um dos vestido que trouxe. Ele era de ombro caído e justo na parte do busto até a cintura, as laterais eram de fitas que davam a volta e prendiam nas costas nua. A saia era em sua maioria transparente, duas enormes fendas iam até a virilhas expondo minhas pernas, apenas dois tecidos mais grossos tampavam a frente e as costas e um tule por cima. Na cor creme, ele brilhava com a luz fraca das velas, as mangas de tule iam até o chão e se arrastavam por ele. Ela prendeu meus cabelos em um coque e deixou apenas alguns fios soltos caindo sobre meu rosto, fez uma maquiagem que escondeu minhas olheiras e realçou o azul dos meus olhos. Mal pude me reconhecer no espelho quando terminou. Ela também estava linda, um vestido vermelho com fendas que revelavam suas pernas com adornos dourados em suas coxas, como duas alianças em conta delas e de seus braços expostos, as costas nuas e o decote que ia até o início da saia revelavam sua barriga lisa. Os cabelos presos em um rabo de cavalo e tranças estavam enfeitado com algumas jóias, a maquiagem era semelhante a minha, nas o batom vermelho como sangue se destacava em sua pele bronzeada. Estava terminando de arrumar o meu vestido quando duas batidas soaram na porta e então ela se abriu. Aaron pareceu usando um sobretudo preto que já até o chão como uma capa com bordados prata na barra e no fim das mangas, por baixo, uma blusa preta de seda e calças formais também pretas. Seus cabelos estavam perfeitamente arrumados e uma coroa preta que pareciam com asas que se união em uma pedra vermelha que refletia o fogo, repousava sobre sua cabeça. Ele parou e nos analisou.
— Estão magníficas — Edda sorriu e fez uma reverência para ele, continuei parada no mesmo lugar, a atenção focada nas tatuagens que despontavam em seu pescoço.
— E você está impecável como sempre — Ela foi até ele e lhe deu um beijinho no rosto — Vou ver o que os meninos estão usando e provavelmente fazer eles trocarem por algo descente — Ela da as costas antes que eu peça que fique e sai fechando a porta. Olho para ele que sorri de lado.
— Acho que poderia usar isso aqui hoje a noite. Vai passar a mensagem que queremos que eles vejam — Ele tirou as mãos das costas relando uma coroa que pareciam gavinhas que se união como um anel, mas na cor prata, com diamantes que brilhavam mesmo com a luz fraca do quarto. Era linda.
— Acho que não posso — Falo olhando para a peça que mais parecia pertencer a uma rainha. Ele sorriu.
— Freya, aqui você pode qualquer coisa — Ele faz um sinal para que eu me vire e assim que eu faço.
Ele caminha até mim e para logo atrás. Mesmo comigo em sua frente, ainda era possível ver boa parte do seu corpo, mostrando que ele era muito maior do que eu notei. Ele me olhou pelo reflexo do espelho esperando minha autorização e concordei para ele que ergueu a coroa e repousou sobre a minha cabeça descendo suas mãos para o meu ombro. Respirei fundo vendo a peça em minha cabeça e eu sabia a imagem que aquilo passaria, sabia qual era a mensagem que ele queria passar e por mais que eu devesse me importa com aquilo, eu não me importei. Ele suspirou e se afastou levando um dedo sobre os lábios enquanto analisava o chão.
— Acredito que Edda tenha te explicado como funciona as coisas lá, certo? — Ele questiona me olhando e me viro para ele concordando.
— Não demonstrar fraqueza, não demonstrar medo, ser o mais fria e inexpressiva possível — falei cruzando as mãos diante do corpo.
— Você ficará logo atrás com Edda e Athena e tem que entrar no personagem Freya — Ele se aproximou — Lembra do show que fizemos no baile de Cassandra? Vamos ter que fazer algo semelhante. Kayst precisa acreditar que você traiu Apollo e veio para cá com suas próprias pernas e pra ele acreditar nisso, precisamos dar a ele mais do que os olhos podem ver — Eu sabia exatamente do que ele estava falando, mas apenas concordei com tudo.
— Eu sei o que preciso fazer — Ele concordou e se virou me dando o braço. Envolvi o meu braço no seu e passamos pela porta.
Todos estavam igualmente impecáveis, Ivar e Eirik usavam ternos pretos elegantes com bordados dourado, embora Eirik estivesse com um arco e a aljava em suas costas e Ivar com espadas e adagas na cintura. Athena do outro lado da sala, usava um vestido prata brilhante até os pés, as costas nuas até próximo as nádegas revelavam as laterais do seu corpo. Os cabelos presos em um coque deixavam seu rosto livre, mas nada disso me chamou mais atenção do que seus olhos que estavam completamente pretos, desse a parte branca, até às íris normalmente azuis. Ela sorriu para mim quando notou meu olhar e caminhou até meu lado. Todos vieram até nós e se prepararam para atravessar. Edda segurou minha não e a de Athena enquanto Aaron segurou as mãos do seus irmãos. Respirei fundo me preparando e coloquei em meu rosto a máscara que eu vi Aaron usar tantas vezes, com a qual eu já estava acostumada. A máscara do Rei de Inverno.
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Atualizado até capítulo 45
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