Capítulo 6

Freya...

Apesar dos fortes ventos que balançavam os pinheiros no topo da montanha ao lado, a casa era quente, aconchegante e silenciosa. Estávamos no primeiro andar, onde as paredes eram feitas de vidro e uma enorme varanda se estendia até a descida lateral da montanha, os ventos também não alcançavam a varanda, pareciam ser impedidos por algum campo de força mágico e invisível. Havia uma enorme sala, uma lareira crepitante feita de pedras claras, sofás brancos grandes e fofos, cheios de almofadas em um tom escuro de vinho. Um tapete de pelos cobria todo o chão e uma mesinha de centro enfeitava o lugar com uma jarra pequena com peônias e lilases no centro. Uma estante cheia de livros e enfeites de cristal separava a sala de estar da sala de jantar e poucos degraus à cima, do lado esquerdo, uma pequena cozinha exalava um cheiro gostoso de comida, embora não houvesse empregados a vista. No canto sul, uma enorme escada de mármore bege se estendia até o segundo andar e sumia de vista em uma curva.

Observei o lugar com atenção, sentindo minha boca secar ao lembrar de Andreas descrevendo esse Reino como um lugar de dor, sofrimento e terror inigualável. Olhando para a decoração aconchegante, o calor da lareira e a vista do alto, este não parecia com um lugar de terror e sofrimento, pelo menos, não o tipo de lugar de terror e sofrimento que eu experimentei no castelo de Cassandra. Loki permaneceu de pé, as mãos no bolso e aquela irritante calma enquanto eu catalogava tudo o que eu via ao meu redor e entendia que não estava em uma cela como imaginei que seria.

— Esse lugar... Difere do quê eu imaginei — Admite enquanto olhava ao redor da sala, enquanto passava a mão pelo sofá branco e impecável de forro macio e fofo. Ele acompanhou meus movimentos e deu de ombros.

— A maioria imagina muitas coisas sobre esse lugar... Raramente estão certos — Olhei para ele que emitiu um estalo com a língua e caminhou até às escadas.

— Venha, vou te mostrar seu quarto — Ergui uma sobrancelha e ele parou na ponta da escada me olhando.

— Porque eu precisaria de um quarto? Passarei algumas horas aqui — Ele riu. Uma risada sincera de divertimento. Cruzei os braços esperando por uma resposta e ele por fim me olhou ficando sério.

— Ninguém te contou como o Reino de Inverno funciona? — Neguei ficando cada vez mais aflita. Ele desceu os dois degraus que havia subido e andou na minha direção parando alguns metros a minha frente — Nossas noites são mais longas do que as noites nos outros Reinos. Achei que um dos machos brilhantes da primavera tivesse te contado mais detalhes sobre os Reinos além dos deles — Ele fez uma careta de desgosto ao mencionar Apollo e Andreas, mas logo voltou sua atenção para mim.

— Mais longas como?

— Nossa noite dura uma semana, Freya — Senti meu sangue congela. Minha cabeça girou e tive que me apoiar no sofá quando minhas pernas cedeu. Ele estendeu uma mão na minha direção e eu a afastei dando alguns passos cambaleantes para trás.

— Você me enganou...

— Jamais enganei você — Ele grunhiu e olhei para ele sentindo minha cabeça queimar e latejar com a raiva que crescia dentro de mim.

— Me enganou para fazer esse acordo, não foi sincero sobre os termos dele — Gritei as palavras e ele enrijeceu o corpo, os olhos ficando sombrios quando ele respondeu em um tom baixo.

— Fui muito sincero quando propus o acordo a você. Disse que reivindicaria algumas horas da sua noite e assim estou fazendo. Não é minha culpa se os seus amiguinhos saltitantes te trouxeram para um lado da muralha da qual você não conhece nada — Ele estalou a língua e travou a mandíbula respirando fundo antes de continuar — Não me culpe por sua falta de informação, culpe eles por te deixarem ignorante sobre as terras as quais você agora pertence — Ele voltou até a escada e esperou enquanto eu o encarava.

Eu estava furiosa, mas não podia negar a grande verdade que ele me disse. Andreas e Apollo sempre se esquivaram de qualquer pergunta que eu já fiz sobre Salandria, os outros Reinos e até o de Primavera, se esquivaram quando eu perguntava sobre a Grande Guerra e como Cassandra assumiu o poder. Tudo o que sei sobre Salandria advém dos livros que encontrei na biblioteca de Apollo e as histórias que os antigos contavam do outro lado da muralha, nenhum dos dois eram cem por cento confiáveis, mas era o que eu tinha para me informar e foi o que me ajudou por um tempo a entender esse novo lugar onde eu seria obrigada a morar e que mais tarde se tornou meu lar. Eles deveriam ter me contado. Agora a obsessão de Apollo faz sentido, o desgosto de Andreas sempre que falava dele. Agora tudo fazia sentido, o que eu achava que seriam horas, eles sabiam que seriam dias e esconderam essa informação importante de mim.

Respirei fundo me dando por vencida e bati os pés passando por ele e subindo as escadas que davam em um corredor com portas do lado direito uma outra varanda que se estendia para fora da montanha do lado esquerdo. As portas de madeira branca eram lisas e sem identificação, como as da residência de Apollo que possuíam as iniciais de cada residência. Ele passou por mim me guiando pelo longo corredor até a última porta a direita, ele a abriu e me olhou com um sorrisinho.

— Este será seu quarto. O meu é aquela porta no fim do corredor se precisar de alguma coisa — Ele falou se recostando no batente — Terá roupas e um banho quente esperando por você. Fique a vontade, tratei comida se quiser — Caminhei até a porta do quarto e olhei para ele cruzando os braços.

— Não tem empregados para isso?

— Gosto de privacidade na residência da minha família. Os empregados ficam em outro lugar — Ele deu de ombros e eu olhei para as outras portas do corredor, quatro ao todo, sem contar as nossas.

— Família?

— É, aquelas pessoas que tem seu sangue e que geralmente você conhece desde que nasceu, que às vezes você ama, às vezes não — Ele debochou me fazendo revirar os olhos.

— Sei o que é uma família, só não imaginei que tivesse uma — Ele levou a mão ao peito fazendo uma expressão ofendida no rosto, embora seus olhos esbanjasse divertimento.

— Vou fingir que isso não magoou meu coração de gelo — Ele riu com deboche e se afastou da porta me dando espaço para entrar — Me chame se precisar — Ele falou seguindo pelo corredor na direção do seu quarto.

— Loki — Ele se virou graciosamente e me encarou. Por um segundo eu esqueci do que iria falar ao notar que aqui, seus olhos eram muito mais claros e vivos do que eu me lembrava, ele arqueou uma sobrancelha quando abri a boca e fechei novamente sem saber como falar.

— Me chame quando estiver pronta para isso também.

Ele então sumiu, como se tivesse entrado em uma porta invisível diante de mim. Respirei fundo piscando algumas vezes e me virei para o quarto — o meu quarto — e não consegui evitar minha boca de se abrir completamente. O lugar era de fato lindo. O piso de madeira clara era quase completamente coberto por um tapete de pelos, na cor creme. Uma enorme cama com lençóis e travesseiros brancos e vinho repousava na parede a direita, dois criados mudo de madeira clara ao lado e uma porta que imagino ser o banheiro. Na parede norte havia uma enorme estante cheia de livros e uma pequena mesinha de trabalho. Na parede sul, ao lado da porta, um guarda-roupa ocupava o canto. Mas não foi isso que me chamou a atenção e sim a enorme janela de vidro que ia do teto ao chão, aberta com cortinas finas brancas que voavam para dentro do quarto com uma leve brisa quente apesar dos ventos gelados que batiam naquela proteção mágica e uma varanda gigante com sofás e espreguiçadeiras acolchoadas espalhadas. Caminhei até a cama passando a mão pelo lençol grosso e macio que a cobria e suspirei fechando os olhos.

Uma semana, eu passaria uma semana nesse lugar enquanto Apollo enlouquecia em casa. Uma semana até eu ter a chance de responder à pergunta que ele me fez, que Loki fez questão de atrapalhar com sua entrada dramática. Balancei a cabeça afastando os pensamentos intrusos sobre o que eu senti naquele momento em que o vi ajoelhado na minha frente. Me deitei na cama encolhendo o corpo e abraçando minhas pernas. Deixei que algumas lágrimas descessem pelo meu rosto quando a triste verdade que eu não estive pensando até esse momento me atingiu. Fui eu quem invoquei Loki até lá, fui que pedi para ser salva.

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