Capítulo 7

Freya...

Correntes arrastavam pelo piso de mármore preto, o som arranhava meus ouvidos fazendo minha cabeça latejar. Um grito de dor e tortura ecoava ao longe, um homem sendo torturado. Eu não podia me mover, não podia falar, não podia nem mesmo respirar. Eu não estava em meu corpo, as mãos para as quais eu olhava não me pertenciam. Os gritos se tornaram mais altos, assim como o terror e a dor que eu mesma sentia. Eu podia ouvir a risada de Cassandra, tão alta quanto os gritos do homem, tão alta quanto as batidas acelerada em meu peito e tão alta quanto os meus próprios gritos em minha mente. Eu tentei me mover, mas não podia, o corpo que não me pertenciam não me deixava mover um músculo sequer. Eu podia ouvir em minha mente, a minha própria voz gritando, me debatendo, arranhando e chutando o que parecia uma parede forte que me impedia de ter controle sobre o corpo. Os gritos do homem cessaram, tão rápido quanto começou e o silêncio fez meus ouvidos zunirem. Cassandra surgiu, coberta de sangue e com um largo sorriso, ela caminhou em minha direção. A náusea, o desespero e a vontade de fugir aumentaram a cada passo e quando ela por fim segurou minha mão e sussurrou o meu nome.

— Loki...

Eu acordei com um sobressalto, a náusea em meu estômago se intensificou e corri até o banheiro vomitando tudo que ainda havia no meu estômago. Fiquei um tempo sentada ao lado do vaso recuperando o fôlego enquanto minha mente insistia em voltar ao pesadelo. Loki. Foi o que Cassandra sussurrou antes que eu acordasse. Eu não sabia o que aquilo significava, mas sei que me causou mais desespero do que já experimentei em toda a minha vida.

Após conseguir controlar minha respiração o suficiente para minha cabeça parar de rodar e conseguir firmar minhas pernas o bastante para não cair, eu finalmente saio do banheiro. A realidade me atingiu o estômago quando me dei conta aquele não era meu quanto, quando me lembrei que fui arrastada para esse lugar por causa desse estúpido acordo antes mesmo de responder à pergunta de Apollo. Passei as mãos pelo cabelo olhando ao redor. Havia um prato de comida que não estava ali antes, as cortinas ainda balançavam com aquela brisa suave e calma que fazia cócegas em meu rosto e balançavam os longos cabelos negros da fêmea sentada em um dos sofás na varanda. Pulei para trás e agarrei a primeira coisa que vi no criado mudo colocando entre mim e ela. A fêmea sorriu largamente e pulou da cadeira vindo até mim.

— Desculpe se te assustei, eu só achei melhor não me meter naquilo ali — Ela apontou para o banheiro, arregalei os olhos segurando o que parecia ser uma estatueta de gato na direção dela — A propósito, sou Edda. Bem-vinda a minha casa — Ela estendeu a mão.

Minha respiração estava ofegante e meu coração acelerado devido ao susto. Analisei a fêmea a minha frente buscando por alguma arma ou qualquer objeto de tortura, mas tudo que ela usava eram calças e uma blusa vermelha volumosa e decotada demais, seus braços, partes da sua barriga incrivelmente seca e de seus fartos seios estavam amostra. Os longos cabelos negros eram lisos e desciam em ondas por seus ombros estreitos. Os enormes olhos azuis me encaravam sem piscar enquanto seu largo sorriso se mantinha nos lábios vermelhos dela. Ela era de fato linda, assustadoramente linda. Ela balançou a mão a minha frente ainda esperando que eu a cumprimentasse, mas eu apenas dei outro passo para trás.

— Quem diabos é você? — Ela revirou os olhos exageradamente e caminhou até a cama se sentando nela.

— O cretino do Aaron não te contou nada, não é?

— Quem é Aaron? — Questionei quando ela mexeu na comida intocada na cômoda ao lado da cama. Ela me olhou com surpresa e sorriu outra vez.

— Ele realmente não te contou nada? — Neguei baixando a estatueta e ela sorriu largamente dando tapinhas ao lado da cama. Permaneci no mesmo lugar e ela deu de ombros continuam — Você provavelmente conhece ele como Loki, todos conhecem ele assim e vou deixar ele te explicar o porquê. Resumindo, eu sou Edda Girion a irmã caçula do Aar... Loki e essa é a minha casa, ou melhor, a nossa casa — Ela me olhou, como se esperasse uma reação, mas eu ainda estava absorvendo tudo que ela falou.

— Não sabia que vocês tinham sobrenome — Foi a única coisa na qual consegui pensar. Apollo e Andreas não tinham sobrenome, ou pelo menos, nunca me contaram ter. Achei que fosse coisa de humanos. Ela se levantou e caminhou o guarda-roupa o abrindo.

— Claro que temos, achei que todos tivessem. Você não tem?

— Carnahan, sou Freya Carnahan — Respondi enquanto colocava a estatueta de volta no criado mudo e a observava enquanto vasculhava entre as roupas.

— Carnahan... é bonito — Ela girou na ponta dos pés com tanta elegância que me senti como uma desengonçada ao pensar em como eu ainda era ruim no meu equilíbrio. Ela balançou um vestido vinho para mim — Devia usar isso no jantar de hoje a noite — Ela caminhou até a cama colocando o vestido sobre ela.

— Jantar?

— Sim, estamos todos esperando por você. Aaron disse estar dormindo e pediu que não te incomodasse, por isso não te acordei — Ela respirou fundo — Mas já que está acordada, vista algo. Vamos estar esperando por você — Ela sorriu amigavelmente.

— E se eu não quiser ir? — Questionei me encolhendo quando seu sorriso se desfez. Ela ergueu uma mão na direção do meu ombro, mas abaixou quando me encolhi ainda mais.

— Bom... então vamos pedir para alguém trazer uma comida quente para você e um livro se desejar e deixaremos para outro dia, quando estiver pronta — Um tipo de alívio diferente percorreu meu corpo quando a ouvi e não consegui dizer nada, apenas concordar.

Edda saiu do quarto tão repentinamente quanto surgiu. Continuei ali parada por um tempo, os olhos fixos no vestido sobre a cama enquanto suas palavras ecoavam na minha mente. Loki, na verdade, se chamava Aaron, mas por algum motivo, todos o conheciam como Loki, ele tinha uma irmã caçula que, mas parecia por uma adolescente animada do que com uma Salandriana de um reino de dor e tortura. E eu tinha a opção de não ir nesse jantar para conhecer "os outros" como Edda disse vagamente. Suspirei olhando para o prato de comida fria ao lado da cama e o vestido sobre ela. Uma semana, esse era o tempo que eu passaria aqui. Eu podia escolher entre passar uma semana trancada nesse quarto, olhando as montanhas e árvores ao redor, ou eu poderia descer, conhecer seja lá quem for e tirar as minhas próprias conclusões e acabar com minhas dúvidas sobre esse lugar, sobre ele.

Optei pela segunda opção. A quase um ano atrás eu fui arrastada para um Reino que eu não conhecia, do qual me falaram coisas terríveis e no fim, eu não só descobri que esse lugar não era o que eu imaginei, como me apaixonei pelo governante dele. Óbvio que isso não acontecerá aqui, mas se eu tenho a chance de saber mais sobre esse lado da muralha, o lugar que agora é o meu lar, eu não vou desperdiçar. Ficarei muito tempo nesse lugar até Apollo descobri como desfazer a magia do acordo, ou até Lo... Aaron desisti dele — o que eu imagino que não vai acontecer tão cedo —, então, o que me custa conhecer as pessoas e as coisas por aqui. Coloquei o vestido que Edda deixou sobre a cama, amarrei meu cabelo em um coque e me olhei no espelho respirando fundo. Duas batidas na porta me fizeram pular da cadeira e então ele entrou. Seus olhos percorreram o vestido e pararam em meu braço tatuado, agora exposto pelas mangas curtas, ele percorreu os olhos novamente até meu rosto e colocou as mãos no bolso.

— A moda daqui combina com você — Revirei os olhos com esse ridículo elogio e cruzei os braços.

— O que você quer, Aaron?

— Vejo que minha irmã já me apresentou a você — Ele riu, mas uma irritação sombreou seus olhos — O que mais ela contou? — Ele se recostou na porta.

— Todos os seus segredos mais obscuros — Ele riu, uma gargalhada genuína e então negou.

— Não tenho segredos, minha vida é um livro aberto. Você quer ler? — Me remexi desconfortável com a forma como me olhava e desviei o olhar para a porta atrás dele.

— Veio me buscar para o tal jantar ou só veio me perturbar mesmo? — Ele esticou o corpo e abriu a porta.

— Mi lady...

Revirei os olhos e passei por ele batendo os pés. Ele me alcançou um segundo depois e caminhou ao meu lado em silêncio com as mãos no bolso. Não olhei na sua direção, nem mesmo fiz questão de reconhecer sua presença enquanto descia as escadas por onde vinhemos mais cedo.

As luzes da sala fizeram meus olhos arderem um pouco, mas assim que me acostumei com a claridade olhei ao redor, para as pessoas que agora me olhavam. Edda que eu havia conhecido mais cedo havia trocado as calças e a blusa volumosa por um vestido preto justo que desenhava seu belo corpo por completo, os cabelos estavam soltos e o batom vermelho deu lugar a um vinho tão escuro que mais parecia preto. Ela estava sentada ao lado de uma outra fêmea, os cabelos ruivos desciam como uma cascata de fogo em um rabo de cavalo, ela usava um vestido curto em um tom de carmim que eu nunca tinha visto. Do outro lado da sala, encostado na lareira havia um homem de cabelos loiros, os olhos diferiam, um azul e outro, era dividido em duas cores, a parte de cima azul e a de baixo marrom, ele usava um terno preto tão elegante quanto o de Aaron, estava de braços cruzados o que ressaltava seus músculos desenhados e enormes, ele me olhou sério e estreitou os olhos, como se me analisasse, meu corpo gelou diante daquele olhar. Sentado no sofá, de frente para ele havia outro homem — o mais parecido com Aaron dali —, os cabelos pretos eram mais curtos, os olhos mais escuros e apesar da expressão marcada, havia um divertimento familiar em seus olhos, ele também usava um terno preto elegante que parecia apertado demais em seus ombros largos. Nenhum deles tinham asas, ou não estavam amostra, como Aaron que parecia esconder as suas com magia. Me mexi desconfortável com aqueles olhares sobre mim, até que Aaron falou.

— Essa é a minha família — Ele sorriu com as mãos no bolso, o peito estufado, como uma mãe orgulhosa apresentando seus filhos prodígios. Ele começou — Edda você já conheceu, minha irmã caçula que ama se meter na que não é da conta dela — Edda fez um gesto vulgar para ele que ignorou apontando para a mulher ao lado dela — Aquela é Athena minha mestra espiã, é como uma irmã para nós — A fêmea apenas fez uma reverência — Esses são Ivar e Eirik, meus irmãos e também meu general e meu cortesão — Ele apontou para o loiro e para o de cabelos pretos que fizeram uma reverência também, embora do de cabelos pretos tenha dado uma piscada que eu ignorei — Não se preocupe, eles parecem bestas selvagens, mas são razoavelmente domados — Ambos fizeram um gesto vulgar para ele que riu.

— Estou com fome, quando vamos comer? — Edda gemeu fazendo careta.

— Agora já que nossa convidada já está aqui — Aaron me olhou com um sorriso e com um simples gesto, a mesa de jantar se encheu de pratos.

Havia tanta comida quanto nos jantares com Apollo, o cheiro invadiu o ambiente e meu estômago roncou em resposta. Eu não comia nada desde a manhã do dia anterior — eu não sabia exatamente —, e a fome já estava me deixando tonta. Todos tomaram seus lugares a mesa e Aaron puxou uma cadeira para mim ao lado da sua. Era estranho o chamar assim, era estranho estar jantando com aquelas pessoas. Todos conversavam animadamente sobre coisas das coisas eu não entendia nada, embora alguns olhares ainda recaíssem sobre mim enquanto eu comia e os observava. Era estranho, eu estava acostumada com jantares silenciosos. Em casa com minhas irmãs porquê elas não costumavam me incluir em suas conversas sobre pretendentes, joias e vestidos. Com Andreas e Apollo porque ambos amavam o silêncio e eu passei a aprecia-lo também. Mas aqui, com todas essas pessoas conversando e rindo e brincando, eu senti uma pontada em meu peito. Eu imaginei muitas coisas ruins sobre esse lugar, sobre as pessoas que vivem aqui, mas olhando para eles agora... parecem tão normais quanto os humanos com quem convivi, ou com os machos com quem eu morava. Eles eram uma família, uma família de verdade.

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