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GIORGIA

- Como? ... Como você matou seu irmão? - Apenas o ronco do motor, cada vez mais rápido a cada mudança de marcha, era escutado dentro do carro. O silêncio, cada vez mais palpável, estava acabando com meus nervos. O que devo pensar ao escutar isso? - Matteo? Por favor... - Minha voz saiu como um sopro e ele virou o rosto para me encarar. Pude sentir a dor em seu olhar. As lágrimas sem cair, acumuladas nos cantos de seus olhos, só me mostravam o quanto ele estava sofrendo. - Pode parar em algum lugar? Não preciso voltar agora. - Espero que ele entenda que estou me oferecendo para escutá-lo. Mas parece que minhas palavras tiveram efeito contrário daquilo que pensei que aconteceria. Ele deu uma freada brusca e fez o retorno, acelerou tanto, que para mim, as imagens fora do carro, não passavam de borrões e me apavorei. - MATTEO! - Gritei mas ele fingiu não me escutar, ou não estava prestando atenção em nada ao redor. Alguns minutos depois ele parou em frente ao colégio.

- Me desculpe, por isso. - Ele se curvou por cima de mim no banco e abriu a porta para mim, então desci do carro. - Não podemos ser amigos. - Acelerou e saiu cantando pneus. Não sei o que deu em mim, mas corri para o banheiro e chorei como um bebê.

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Uma semana se passou e nada de Matteo em minha vida ou em minha vista. Pensei em mandar uma mensagem perguntando como ele estava, mas não tive coragem.

Na semana seguinte ele apareceu no colégio, o vi de longe quando eu estava indo para o intervalo. Mas apenas isso. Pensei ter sentido seu perfume na biblioteca, mas quantas pessoas usariam aquela fragrância? Pois é, coisas da minha cabeça.

Na terceira semana, assim que saí da ultima aula, ele estava esperando encostado na parede de fora da sala, ao lado da porta, e me puxou pelo braço.

- Preciso falar com você, teria um tempo? - Puxei meu braço com força. - Por favor... - A voz dele falhou como se segurasse um choro, não pude negar.

- Ok. - Eu ainda estava magoada.

- Pode ser em outro lugar? - Apenas concordei com a cabeça, e andamos lado a lado, até o estacionamento. Ele abriu a porta do carro para mim e eu entrei. Logo depois ele também entrou e deu partida. Fiquei em silêncio, aguardando. - Me desculpe por aquele dia, eu estava de cabeça quente, me perdoe, por favor.

- Vai me contar o motivo? Por que se não for... - Me cortou me encarando com um olhar de tristeza.

- Eu pretendo contar, juro. Mas quando chegarmos lá. - Apenas concordei com a cabeça em um aceno positivo e ele voltou sua atenção para a rodovia.

Pouco tempo depois, entramos em uma estrada de terra, subimos um pequeno morro e Matteo estacionou em um local perto de algumas árvores. Vi quando ele apertou o volante com força. Suspirou fundo e saiu do carro, sem dizer uma palavra. O segui.

- Aqui, é para onde eu fujo dos meus problemas... Fujo de meu pai controlador, fujo de minha mãe, que quer que eu me case logo e assim meu pai para de reclamar de mim para ela... Fujo de minha irmã, que sempre tem uma amiga nova para me apresentar, na esperança de que eu me interesse por alguém logo.... Fujo de meu irmão perfeito.... Meu irmão mais velho, que eu matei... Fujo da minha dor que não para nunca... Mas sabe do quê eu não consigo fugir? - Eu estava a poucos passos atrás dele, mas quando se virou para me fazer essa pergunta, consegui ver que as lágrimas rolavam fartas por seu rosto, a dor de seus olhos agora estava estampada ali... Balancei a cabeça negando. - Não consigo fugir de minhas lembranças, da memória de meu irmão... Não consigo...- A voz falhou e ele caiu de joelhos no chão. Não contive o impulso de abraça-lo. Ele retribui o abraço, e afundou a cabeça entre meu pescoço e meu ombro, me apertando com força, como se agarrasse a mim para manter-se nesse mundo. Sua respiração no meu cabelo, era entrecortada por soluços, como se esse desabafo estivesse preso a muito tempo.

Ficamos assim por vários minutos, agarrados e jogados no chão, até ele se recompor. Afagando seus cabelos, pergunto;

- Está melhor? - Ele meneou com a cabeça uma vez, confirmando. - Quer falar agora? - Ele negou. - Posso dizer o que acho? - Se afastou para me encarar, com os olhos vermelhos e um pouco inchados. (Até assim, ele continua lindo. Foco, foco.) - Se o que você disse for verdade, acredito, do fundo do meu coração, que foi um acidente. Se tivesse sido de propósito, intencional, você não estaria sofrendo dessa forma. - Ele abaixou a cabeça, mas afaguei sua bochecha com a mão que estava em seu cabelo. - Olhe para mim. - Ele levantou o olhar com a cabeça um pouco abaixada ainda. - Matteo, pode contar comigo, somos melhores amigos agora, suas verdades mais secretas estarão guardadas a sete chaves. Pode desabafar a qualquer momento, pode me confidenciar qualquer segredo. Eu estou aqui para você, agora e sempre.

- Eu imagino que a dor de perder seus pais seja maior que a minha de perder meu irmão, e o quanto deve doer para você. Porque se a minha me consome assim, a sua deve corroer sua alma, todos os dias.

- Faz quanto tempo que você perdeu seu irmão?

- Um ano e vinte e quatro dias, para ser exato.

- Isso quer dizer que no dia em que fui assaltada, foi quando completou um ano. Ah Matteo. - O abracei mais forte dessa vez. - Eu sinto muito, muito mesmo. - Lágrimas involuntárias começaram a rolar por meu rosto.

- Ele tinha acabado de se formar na faculdade e estava feliz porque iria iniciar seu estágio na empresa da família, que logo seria ele o responsável por tudo. Ele sempre foi muito inteligente e pulou de série duas vezes. Eu estava com inveja pois sempre fui muito cabeça dura no colégio, mas também estava muito feliz por ele. Então resolvi que iria planejar uma festa para comemorarmos, mas não queria que fosse na minha boate.

Queria que fosse em um lugar diferente do meu habitual trabalho. Egoísta. Eu já estava acostumado a ir todos os dias para a Altare, não Filippo, e a festa era para ele e não para mim. Mesmo assim, o convenci que seria em Milão, LoolaPaloosa, apenas duas horas de distância, seria divertido. Fomos em um grupo, em carros diferentes.

Ele era quatro anos mais velho que eu, então nossos amigos não eram exatamente os mesmos. Eu estava com a minha Ferrari preta e ele com a Lamborghini laranja horrível dele. Tivemos uma pequena discussão na boate, porque ele me viu usando cocaína e encheu meu saco, ele estava muito pior que eu e teve a cara de pau de chamar a minha atenção. Foi isso que me irritou, então decidi sair da boate e ir para casa sozinho, mas obvio que ele não me deixaria naquele estado, e me seguiu. Sabe, o combinado era passarmos a noite na boate, dormirmos em um hotel e voltarmos no sábado depois do almoço, pois o domingo seria em família. Mas decidi que não o deixaria me alcançar e muito menos me ultrapassar. Iniciamos um racha desenfreado, em alta velocidade e sem sentido, regado a ódio, álcool e drogas.

Com essa corrida idiota, acabei não entrando no acesso que dá para a rampa que seria o caminho correto para voltarmos e segui adiante rumo a Venezia. Nesse trajeto, passamos por uma maldita ponte, me assustei com o caminho e freei e acabei rodopiando com o carro, mas não aconteceu nada comigo. Meu irmão que estava mais para trás deve ter se assustado comigo rodopiando e deve ter puxado o freio de mão e freiou junto, fazendo-o rodopiar também, mas ele, ele deslizou e, e ... na verdade eu não vi direito, só vi quando ele passou pela grade de proteção da ponte e caiu na pista debaixo. Eu fiquei desesperado e corri com meu carro para o retorno mais próximo. E quando eu estava chegando para socorrê-lo, vi a explosão. Eu tentei, tentei mesmo, mas estava muito quente e mesmo com os dispositivos do carro e do relógio dele, chamando o resgate imediatamente, eles não chegaram rápido o suficiente. Não vi quando chegaram. Desmaiei em algum momento, quando tentava socorrer ele, pois acordei no hospital e não me lembro de mais nada.

Não vi o corpo dele depois, o enterro foi de caixão fechado. A última vez que nos falamos, estávamos brigando por besteira. Nunca mais usei droga nenhuma, mas o álcool é meu remédio de esquecimento. Bebo toda noite, transo com um corpo diferente toda noite e nunca me lembro de ter ido dormir, mas me lembro de ter estado no bar da boate, e ainda assim, acordo assustado chamando Filippo, toda noite.

Na noite em que interceptei aquele assalto, eu estava voltando do cemitério. Foi a celebração de um ano da morte dele. Acompanhei tudo de longe, nunca consigo chegar perto daquela lápide....

Ficamos um pouco em silêncio, eu estava digerindo toda essa informação.

- Matteo? - Ele respondeu com um "Hum" - Eu acho que a sua perda, foi pior que a minha. Por mais que eu sinta falta de meus pais, sinto falta do que não vivemos juntos. De tudo que eles me fazem falta, porque não tivemos memórias juntos. Tudo que me lembro, não me lembro de verdade, só sei o que vi nos álbuns de fotos e do que a Nona conta. Com você não é assm. Você viveu tudo com seu irmão, vocês cresceram juntos, e você, de certa forma, o viu morrer. Essa dor não tem comparação. - Invertemos os papéis, agora sou eu quem choro e ele quem me consola. - Por isso você saiu do colégio?

- Eu me desviei de vez. Fiquei um bom tempo sem falar com ninguém da minha família. Deixei a boate nas mãos do meu melhor amigo e da minha secretária, que na verdade é como a gerente da Altare, e sumi para a América do norte. De tempos em tempos eu sacava algum dinheiro, mas minha vida se resumiu a beber, dormir, beber, lutar, beber e assistir séries e animes e beber. Aí meu pai congelou minha conta e me fez voltar para cá. Me ameaçou a tirar a minha boate e congelar todos os meus bens. Quer que eu arrume uma noiva e me endireite para assumir os negócios da família.

Me afasto de seu colo e o encaro;

- Ai Matteo! Que triste tudo isso. Eu sinto tanto. - Uma lágrima escapou de meu olho e ele a secou, alisando minha bochecha. Nesse momento, pensei que ele me beijaria e fui logo me levantando. Ele é um gato, o momento até seria propicio para um beijo, mas não quero ter um crush no meu amigo recém chegado e descobrir que todo o meu conto de fadas não passa de uma ilusão da minha mente fantasiosa. - Está tarde, não é? Melhor voltarmos.

- Vamos. - Ele se levantou e caminhou até o carro e eu fui atrás. Entramos e ele deu a partida.

- Matteo.

- Sim?

- Somos parecidos em muitos aspectos, talvez sejamos mesmo melhores amigos.

- Claro que sim.

- Então me promete um coisa?

- O quê?

- Por mais que algo pareça errado, sempre vai tirar a limpo comigo e nunca teremos maus entendidos ? E que sempre que algo te chatear, você me contará e não ficará fugindo de mim?

- Está prometido, desde que você também faça o mesmo comigo.

- Por mim, tudo bem. Eu prometo.

- Então, conte comigo também, para tudo que você precisar, tudo que quiser desabafar, estarei aqui para você, sempre.

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Comments

Vera Lucia Berlanda de Andrade

Vera Lucia Berlanda de Andrade

logo vão perceber que não é Amizade e sim Amor

2024-10-04

0

Monica Emilia

Monica Emilia

Q tristeza a morte do irmão! 😔

2023-10-21

2

Ver todos

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