MATTEO
Gesticulei para Simon sair do quarto e trazer as coisas de Giorgia.
- Eu não sou muito de sair de casa, não gosto de revista e tabloides de fofoca e etc... Além de não assistir jornais e essas coisas. Minha vida se resume a ir de casa para o colégio, do colégio para a padaria do meu nono Pepe e de volta para casa. Não tenho redes sociais e nem amigos. Não gosto de 99% das pessoas de minha idade. Sempre tão superficiais e cheios de falsidade e sempre querendo exibir seus corpos de plástico e enfim, detesto adolescentes. Devo ter nascido no século errado.
Pelo jeito, ela não me conhece mesmo, parece que saiu do tempo das cavernas. Tagarelou tão rápido que quase não consegui acompanhar a linha de raciocínio dela.
- Você não sai porque não gosta ou não te deixam sair? Seus pais são do tipo liberal ou controladores? Sabe, que pegam no seu pé para irem ao colégio e querem notas boas.- Meio que descrevi um pouco do meu pai controlador, mas ela pareceu ficar triste e se sentou na cama, afastada de mim. Respirou fundo antes de falar.
- Meus pais são do tipo, mortos. - Ela se virou para mim, seus olhos estavam marejados e me senti mal por ter tocado nesse assunto.
- Meus pêsames. Não deveria ter falado besteira, sinto muito. Foi a pouco tempo? - Ela balançou a cabeça negativamente.
- Foi um dia antes do meu aniversário de cinco anos. - Sua voz estava embargada. - Eu nem deveria me lembrar deles, mas sempre que toco no assunto, todas as fotos deles, o que parecia vivermos e tudo que não vivemos, me vem na cabeça e não consigo evitar as lágrimas.
Ela tentou esboçar um sorriso e meu coração vacilou uma batida. Me senti um merda por termos chegado nessa situação. Gostaria de confortá-la, não sei agir nessas situações emotivas, então ficamos em silêncio por um tempo.
- Ok, tive uma ideia. - quebrei o gelo, já estava ficando embaraçoso para mim. - Se você tem motorista e comentou sobre seus avós, significa que não mora num orfanato, certo? - Ela concordou - Então, que tal conhecer minha boate? Você seria minha convidada de honra, não terá um monte de adolescentes idiotas a sua volta, prometo. Terá vários deles dentro da boate, mas todos maiores de idade, porém nenhum te importunando. O que acha?
- Eu posso pensar ? - Ela disse tímida.
- Claro que pode, salva seu número e depois te mando mensagem para você salvar o meu, quando você configurar o seu.
- Falando nisso, poderia me entregar minhas coisas? Preciso ligar para meus avós, não quero que se estressem com meu sumiço.
- Claro, Simon já foi buscar. Mas quanto a ligar para eles, será um pouco difícil, seu celular está um caco, ele caiu ontem em meio aquela confusão. Mas pode usar meu celular, sabe o número? - Ela murmurou um sim, então me levantei e entreguei meu aparelho desbloqueado para ela. - Se quiser, essas roupas, são para você se trocar. - Peguei a roupa que joguei em cima da poltrona antes de correr para socorre-la, e entreguei em suas mãos. - Se não gostar de nada que minha irmã separou para você, sei que o gosto dela é extravagante, ali tem mais algumas peças, escolha qual quiser e é sua. Fique à vontade, com licença. - Apontei para um armário ao lado da escrivaninha e saí em direção a porta para ela ter mais privacidade. -" Mi quarto és su quarto." - Brinquei e a vi sorrir agradecendo, antes de fechar a porta.
Eu tinha um armário reservado apenas para as peças de roupas esquecidas de minhas presas noturnas. A maioria delas não eram da cidade e eu não voltaria a vê-las outra vez, então se tornou um hábito guardar suas peças. Quando começaram a tomar mais espaço além das gavetas de meu closet, arrumei um armário, eram lavadas, higienizadas e guardadas ali. Às vezes quando era aniversário de algumas delas, eu presenteava com essas peças. E não eram apenas calcinhas, tinha de tudo, de lingerie à casacos.
Eu precisava ver se ela estava bem, discutia sobre isso com meu pai ao telefone, quando entrei no quarto sem bater de manhã. Pelo que constatei, ela estava em choque ainda, mas lidava bem com a situação agora, e não parecia saber de nada, ao certo, sobre tudo que aconteceu. A merda toda não era minha, mas eu precisava resolver a situação e cortar os fios soltos. Mesmo que eu detestasse a porra toda que minha família fazia, ainda tinha responsabilidades com o sobrenome.
- Bom dia irmãozão. - A mimadinha da minha irmã me tirou dos meus pensamentos me dando um soco no braço, se sentando ao meu lado na mesa. - Vejo que ainda está vestido, como se sente?
- Do que você está falando, pirralha? - Nossa relação saudável é regada à ofensas e brutalidade, mas nos amamos.
- É a primeira vez que tem uma garota no seu quarto, e você não está comendo ela, estranho não é, mamãe?
Dona Eleonora, que estava sentada na ponta da mesa, cuspiu seu café de volta na xícara que estava tomando. Ela detestava que Pierina falasse desse jeito e agora está fingindo que se limpa com o guardanapo enquanto esconde o riso atrás dele. Revirei meus olhos para a situação, já que não vai rolar represálias hoje, vou emendar na putaria.
- Eu não "como" ninguém não, sua pirralha, eu "fodo" com alguém. É diferente. E apesar dela ser uma tremenda gostosa, a coisa foi feia ontem. Mas na minha casa, nunca acaba no 0x0, meu bem, se é que me entende.
- Já chega vocês dois. Como ela está, Téo? Por que não desceu com você ? - Minha mãe me chama assim a minha vida toda.
- Ela ainda está em choque, não está acostumada com aquela situação, acho que deve ter sido a primeira vez que acontece alguma coisa com tanta adrenalina na vida dela, desde a morte dos pais.
- Coitadinha, mas como assim, meu filho? - Se você quiser contar alguma coisa para minha mãe, e não tiver os mais simples dos detalhes, nem comece.
- Ela contou que os pais morreram um dia antes de seu aniversário de cinco anos, que não gosta de bagunça e detesta adolescentes fúteis - empurrei minha irmã, ela era esse espécime de adolescente - e não faz nada além de ir para o colégio e para a padaria do avô. Deve ajudar lá. - Dei de ombros.
- Ela tem nome? - Minha irmã se intrometeu na conversa.
- Giorgia Ginevra. - respondi entediado, já sei que vai começar um bombardeio de perguntas vindo dos dois lados.
- Qual colégio em que ela estuda? - Mamãe começou.
- No mesmo que o nosso. - Minha irmã tirou o celular do bolso de seu roupão rosa extravagante. - Nem adianta, irmãzinha, ela não tem redes sociais, não gosta de tabloides e muito menos de revistas de fofocas.
- Não gosta de redes sociais? Deve ser uma baranga.
- Eu achei ela bem bonitinha, ontem. Rosto sem nenhuma maquiagem, corpinho bem definido, a lingerie dela não era vagabunda e nem de grife, a bolsa era de marca, o celular de geração, o que me faz chegar a duas conclusões. Teoria 1; Ou ela é de berço mas não liga para posições sociais, status e luxo, Teoria 2; ou é da classe operária e tem bom gosto.
- Ela não é bolsista no colégio, o que invalida sua segunda teoria, mamãe. - Minha irmã balançou o celular para minha mãe.
- Ela vai ligar para o motorista vir busca-la. - Informo.
- Então ela é um diamante bruto, meu amor. - Minha mãe animada é um perigo. Senta que lá vem problema. - Vou conversar com seu pai à respeito. Querida, consiga tudo que puder sobre ela, quero saber tudo. - Pierina deu um gritinho de empolgação, e eu me levantei sem entender nada, mas não quero saber o que vem agora, elas são mirabolantes e tenho mais medo delas, juntas, formando seus planos, do que da família rival e toda sua gangue.
Subo as escadas e bato na porta do meu antigo quarto. Aguardo enquanto escuto barulhos denunciando que ela trancou a porta.
- Viu só, eu bati antes. - Falo assim que ela abre.
- Nossa, que educado. - Ela sorri e dá espaço para que eu entre. - Posso ficar com essa? Eu não achei nada que me servisse adequadamente, espero que não fique bravo, aí eu abri aquela gaveta e peguei essa camisa.
Minha camisa preta do Kaneki*. Ok, ela tem bom gosto. Gostei dela. Fica perfeitamente larga em mim, confortável, mas nela está enorme e mesmo assim lhe caiu bem. Linda, com o cabelo em um coque desalinhado, as pernas à mostra e descalça, mas parece apreensiva.
- Não tem problema, não fico bravo com coisas materiais, - menti - ela é sua. Se estiver se sentindo desconfortável, ali é o closet, na parede dos tênis, na porta do meio, tem calças de academia e moletons. Na gaveta, na mesma porta, pode pegar uma meia para não ficar resfriada com os pés no chão frio. Que número você calça? Vou ver se minha irmã tem algum tênis para você.
- Obrigada, calço 37*. - Vi alívio em seus olhos, saio em busca de minha irmã.
Dá para imaginar a felicidade de alguém, por outra pessoa usar a mesma numeração de sapato que a sua? Não, minha irmã é exagerada.
- Me entregou um tênis branco de caminhadas. E adivinha?
- É da coleção passada. - Falamos juntos e rimos.
- Como você adivinhou? - Fingi surpresa colocando um tênis no coração, e ela sorriu ainda mais. Dentes branquinhos e alinhados, mas os caninos são um pouco mais pontudos, sexy.
- Foi intuição do destino. - Rimos outra vez, gostei dessa garota, vamos nos dar bem. - Muito obrigada, depois peço para meu motorista devolver. Já avisei que estou bem, porém me esqueci de pedir o endereço daqui para você, então irei precisar fazer outra ligação. Desculpe. - Ela me entregou o celular e eu lhe entreguei os tênis. Observei enquanto colocava.
- Você pode fazer outra ligação, até duas se quiser, não precisa devolver nada, e tem certeza que não quer mesmo tomar café antes de ir? - Enfatizei a expressão do mesmo jeito que ela fez antes, ela percebeu, pois a vi sorrir. - Você mora onde?
- Via dois, número 1035, Pietrasanta*. Mas não precisa se incomodar mais por minha causa. - Dona Eleonora vai amar saber que sua teoria 1 estava certa.
- Não é incomodo algum, é à caminho da minha boate, vou para lá assim que tomar café.
- Tem certeza? Pensei que as boates ficassem mais no Forte dei Marmi.
- Ok, caminho, caminho, não é. Mas é perto, faço questão de te levar. Assim tenho um motivo nada questionável para fugir de minha mãe e ir para minha casa. - Fiz um beicinho e juntei as mãos como se tivesse implorando.
- Está bem, você me leva então. - Sorri - Mas posso avisar meu nono que não vão precisar vir me buscar? - Estendi meu celular, ela o pegou, mas eu não soltei.
- Só se descer e tomar café comigo antes.
- Ok, eu tomo, senhor teimoso. - Sorri satisfeito e desbloqueei o celular.
- Olha quem fala, a senhorita teimosia em pessoa. Vou esperar aqui fora. - Ela sorriu, saí do quarto e fechei a porta.
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* Kaneki ; Ken Kaneki é protagonista do anime Tokyo Ghoul, de Sui Ishida.
* 37 ; A numeração europeia é diferente da brasileira, sempre dois números a mais. Exemplo, no Brasil, quem calça 35, na Itália, calça 37.
* Endereço ; O "bairro" Pietrasanta realmente existe na Itália, mas a "rua" eu inventei para não criar problemas com a plataforma.
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Atualizado até capítulo 33
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