Adriana
Acredito que o Eduardo deve estar uma fera comigo, mas bem que ele mereceu, eu disse para parar o carro, mas ele não me ouviu. Onde já se viu me chamar de onça? Andava pela calçada de cabeça baixa, perdida em pensamentos.
Agora ele está na delegacia.
Que peso na consciência, percebi que minha reação impulsiva colocou-o em uma situação desagradável. Eu fiz uma besteira, uma grande besteira. Respirei fundo, sentindo seu perfume ainda em minha mente, o aroma que me envolvia mesmo naquele momento. Passei apressada pela portaria e entrei no elevador, precisando desesperadamente de um momento de calma. Assim que cheguei em casa, me joguei no sofá, mas mesmo ali, meus pensamentos eram dominados por uma única pessoa.
O toque do meu celular interrompeu meus pensamentos.
-Miga? - Ouvi a voz de Cláudia do outro lado da linha - Está ocupada?
-Não, acabei de chegar em casa.
-Está tudo bem?
-Sim.
Tentei esconder minha preocupação.
-Você está com a voz triste?
-Não é nada.
-Desembucha, me conte o que aconteceu.
-Você me conhece tão bem. - Sorri aliviada. - Eu acho que fiz uma coisa horrível.
-O que você fez? - Sua voz denotava espanto. - Você matou alguém?
-Não, é outro tipo de coisa horrível!
-Então me fala?
-Sabe aquele rapaz?
-O roubador de táxi! - Ela deu uma gargalhada. - Ele roubou seu táxi de novo?
-Não, eu mandei ele para a cadeia.
-Como assim, Adriana? - A risada dela aumentou, misturando-se com roncos de porcos. - Meu Deus, Adriana, por que você mandou ele para a cadeia?
-Foi assim... - Respirei fundo, sentindo o peso na consciência. - Ele me deu uma carona, do nada ele me chamou de onça, cascavel, disse que eu tenho uma mudança de humor repentina, pedi para que ele parasse o carro, mas o cretino não parou, então eu mordi ele...
-Espera! - Ela gritou. - Você mordeu ele?
-É, eu mordi! - Disse envergonhada.
-Por que não beijou de uma vez? Estão demorando. - Ela gargalhou.
-Não tem graça, eu nem gosto dele!
-Será? - Ela provocou.
Fiquei em silêncio, porque, na verdade, não tinha uma resposta para dar.
-Enfim, nós dois começamos a brigar, o policial mandou ele parar, então eu disse que ele havia me sequestrado...
-Coitado, Dri. Ele te deu uma carona e você faz isso com o pobre coitado!
-Eu sei, agi de má fé com ele, mas ele me tira do sério!
Literalmente, ele me tira do sério.
-Eu sei que ele te tira a paciência, aliás, quando eu for aí, quero conhecê-lo.
-Pra quê? - Perguntei com raiva.
-Porque, se você não quiser, eu quero.
-Que isso, Cláudia. Vai ficar com esse ogro.
-O ogro que você colocou atrás das grades por ser gentil com você.
-Não precisa jogar na minha cara!
-Precisa, dê uma oportunidade para você, Dri!
Como se ele fosse me fazer feliz.
-Tá, depois nós conversamos. Preciso ir, beijos, Cá!
-Beijos!
Será que fiz mal?
Eduardo
Depois de virar horas na delegacia, tentando explicar minha versão da história, finalmente retornei para casa. Estava com uma mistura de frustração e raiva em relação a Adriana. Ela tentou ser gentil, mas ao mesmo tempo contribuiu para a minha situação na delegacia.
Decidi que era melhor esquecer tudo isso e seguir em frente.
A noite passou lentamente, e eu não consegui pegar no sono. Nem mesmo com alguns remédios para relaxar consegui adormecer. Meu pensamento estava em um turbilhão de emoções, e as imagens da confusão na delegacia ainda ecoavam em minha mente.
-Bom dia, Du! - Helena e Gabriel atravessaram a porta.
-Bom dia!
-Que cara é essa? - Helena perguntou, espantada.
Parece que minha expressão está entregando meus problemas.
-Alguém virou a noite! - Gabriel se jogou no sofá.
-Vai, Du, me conta o que aconteceu? - Helena delicadamente se sentou no sofá.
Helena é como uma irmã para mim, sempre preocupada e pronta para dar conselhos.
-Eu fui parar na delegacia ontem!
Os dois me olharam com surpresa.
-O que você aprontou desta vez?
-Nada, né Gabriel! - Respirei fundo e me joguei na poltrona. - Fui dar carona para uma pessoa um pouco maluca e ela disse para o policial que eu a sequestrei.
-Você não sequestrou ela, né? - Gabriel perguntou desconfiado.
-Lógico que não! - Respondi um pouco bravo.
-Que mulher doida! - Helena riu.
-Doida é pouco!
Não consegui evitar um sorriso ao lembrar da cena, por mais que ela seja meio louca, também tem um jeito que me faz sentir diferente.
-Pelo visto, o Eduardo está apaixonado de novo! - Gabriel disse com ironia.
-Não estou não!
Nesse momento, meu celular tocou, e percebi que deveria estar no teatro há meia hora. Fiz um sinal para que eles esperassem e atendi.
-Bom dia, senhor Eduardo!
-Bom dia!
-Queríamos saber se o senhor vai vir hoje?
Fiquei em silêncio por um momento, pensando em como afastar Adriana da minha mente. Talvez seja melhor me afastar.
-Diga ao Rodrigo que não vou mais participar da peça!
Adriana
O dia estava nublado, mas desta vez eu não seria tola o suficiente para sair sem um guarda-chuva. Desço pelo elevador e encontro Daniela me esperando. No trajeto, não trocamos muitas palavras.
É melhor assim, não quero falar sobre Eduardo.
Todos parecíamos animados, pois hoje seria o dia de distribuição dos papéis da peça. A minha primeira oportunidade de atuar para uma plateia numerosa, mal posso acreditar. Essa seria a minha chance de avançar na carreira.
Esperávamos Eduardo chegar, afinal, só faltava ele. Foi nesse momento que ouvi a notícia.
-O senhor Eduardo desistiu da peça! - uma das colegas anunciou.
Como assim o Eduardo desistiu da peça? Me levantei, assim como os outros, quando a moça da portaria informou a professora sobre a decisão dele. Não podia acreditar no que estava ouvindo.
Será que foi por minha culpa?
Meus pensamentos ficaram tumultuados e minha respiração acelerada, sem saber bem o motivo. Talvez ele estivesse zangado pelo incidente de ontem, talvez eu tenha ido um pouco longe demais. Decidi me afastar do grupo e me dirigi ao bebedouro, buscando algum alívio. Foi então que percebi a presença de alguém ao meu lado.
-Aconteceu algo ontem? - Um rapaz alto de cabelos pretos e olhar marcante estava parado na minha frente.
-O que você quer dizer?
-Eu vi quando o Eduardo te deu carona.
Fiquei em silêncio, sem saber como responder.
-Desculpe minha falta de educação, sou o Matheus. Você deve ser a Adriana, certo? - Ele estendeu a mão para cumprimentar.
-Sim, sou eu. - Cumprimentei-o com um aperto de mãos hesitante. - O Eduardo fala de mim?
-Sim, bastante. Às vezes, ele parece enfeitiçado quando você está por perto. - Ele sorriu.
Minhas bochechas coraram involuntariamente. Isso não podia ser verdade.
-Ele é apenas um ogro. - Respondi, tentando esconder a mistura de sentimentos dentro de mim.
-Você também não admite o que sente, não é? - Ele riu.
-Eu não sinto nada por ele!
-Pode negar, mas o jeito que ficou preocupada quando ele desistiu da peça diz o contrário.
-É apenas porque a peça agora está em apuros.
-Ou porque você gosta dele.
Eu me senti desconfortável com essa conversa.
-Você está completamente enganado. Eu não gosto dele.
-Tudo bem, não vou forçar o assunto dos seus sentimentos. Mas você pode ajudar a salvar a peça.
-Como assim?
-O Rodrigo tem o sonho de ter o Eduardo na peça, e você pode convencê-lo a voltar.
-Eu? Mas por que eu?
-Você o influencia de alguma forma. E além disso, você também quer ser reconhecida, certo?
-Sim, mas...
-Então ajude a salvar a peça. Peça para ele voltar.
Bem, não custaria nada tentar.
-Tudo bem, como posso fazer isso?
-Vou te passar o endereço dele.
Eu fiquei um pouco relutante.
-Não vou até a casa dele.
Ele não está atendendo o telefone, então é a única maneira.
-Como você sabe disso?
-Eu trabalho com o Eduardo há um tempo.
-Então ele é um problema?
-Na verdade, ele é bastante complicado.
Ficamos conversando sobre o Eduardo durante todo o dia, Matheus me contou coisas que eu nem imaginava. No horário do almoço, decidi ir até o endereço que ele me passou. Era um apartamento em um prédio diferente do meu. Bati na porta e andei um pouco para frente, mas antes que Eduardo pudesse abrir, tropecei em um tapete e acabei caindo em cima dele quando ele abriu a porta.
Eduardo
O porteiro havia avisado que alguém da peça estava subindo, e eu supus que fosse o Rodrigo, já que ele estava ansioso para que eu participasse da peça. A entrega dos papéis estava próxima, e eu estava empolgada com a oportunidade. Então, quando ouvi uma batida na porta, fui até ela e abri com um sorriso, pronto para receber o diretor. No entanto, a surpresa foi grande quando vi quem estava ali.
Adriana!
Ela parecia um pouco desajeitada e, no calor do momento, nosso corpo colidiu e caímos no chão. Apesar de ela ser baixinha, seu peso era perceptível, e seu corpo estava quente, a respiração dela ofegante. A queda fez com que meu braço batesse na quina da mesa de canto, causando uma dor aguda, mas isso era quase esquecido diante da sensação de tê-la tão próxima. Seu corpo sobre o meu criou um calor inexplicável, uma sensação diferente. Ela se levantou rapidamente, ajeitando seu cabelo que estava bagunçado no rosto. Minha mente estava confusa, mas havia um brilho nos olhos dela que eu não conseguia ignorar.
-Desculpa! - Ela sussurrou, visivelmente constrangida - Não tinha visto o tapete!
-Não tem problema, talvez eu devesse tirar esse tapete daqui.
Ela parecia maravilhosa, sua presença me envolvia.
-Sim!
-Pensei que fosse o Rodrigo vindo falar sobre a peça...
Antes que eu pudesse completar a frase, ela me deu um tapa brusco no braço machucado, e eu soltei um grito involuntário, o que pareceu assustá-la.
-A culpa é sua por ter colocado esse tapete aqui! - Ela disse com irritação na voz.
Eu não respondi, a dor estava me incomodando demais.
-Desculpa! - Ela se aproximou, sua expressão mais suave.
-Está tudo bem! - Falei, enquanto segurava o braço que latejava.
-Parece que está começando a inchar. É melhor você ir ao médico.
-Na verdade, o médico é quem vem até mim! - Tentei sorrir para acalmá-la um pouco - Tem um número na agenda ali, você poderia ligar para mim?
Ela concordou com um aceno e foi até a agenda. Enquanto ela andava, observei-a, seus movimentos eram graciosos e cativantes, parecia que flutuava. Logo ela voltou, parecendo bastante preocupada.
-Olha, já é a segunda vez que tenta me matar! - Brinquei, tentando fazê-la rir.
-Desculpa! - Ela se sentou no sofá - Eu sempre pareço ser um problema para você, peço desculpas por ontem.
-Vamos esquecer isso!
-Foi por isso que você desistiu da peça?
-Sim, entre outras razões...
Me sentei ao seu lado. O perfume dela preenchia o ar, estávamos bem próximos, e a tentação de beijá-la era forte. Se eu fosse o Eduardo mulherengo de antes, não hesitaria em tentar um beijo, mas o novo eu queria algo mais, algo especial e genuíno.
-A dor está forte? - Perguntou,notei a proximidade dos nossos rostos.
-Não muito.
Na verdade, estava doendo muito.
-Desculpa de novo!
-Não precisa pedir desculpas, acidentes acontecem.
-Eu vou esperar o médico com você.
-Obrigado.
Nossas conversas talvez estejam se tornando escassas porque nossas bocas querem se expressar de outras formas. Estamos nos segurando, mas parece que nossos lábios têm algo a dizer, algo que estamos evitando permitir que se manifeste.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Imaculada Abreu
doidinha? Ela é louca varrida
2024-01-20
0
Girassol
Cara, a Adriana é meio doidinha mesmo!😵💫
2023-08-19
0